O futuro do regime fiscal do hidrogénio verde

  • Filipe de Vasconcelos Fernandes
  • 9 Maio 2023

A economia do hidrogénio verde está diretamente associada às metas de descarbonização e transição energética. Neste contexto de transição, o papel dos regimes fiscais é cada vez mais relevante.

1. A necessidade de um regime fiscal para o hidrogénio.

Como é sobejamente reconhecido, a eclosão de uma economia do hidrogénio verde está diretamente associada às metas de descarbonização e transição energética a que a generalidade dos estados se encontra vinculado, com natural destaque para os Estados-Membros da União Europeia.

Cumprir semelhante trajetória de descarbonização suscita um conjunto de desafios de larga expressão, com relevo para os padrões de produção e de consumo e, bem assim, para os pressupostos subjacentes aos atuais processos de produção de energia, sabendo que a procura global irá aumentar exponencialmente nas próximas décadas.

Neste contexto de transição, o papel dos regimes fiscais é cada vez mais relevante, não apenas por motivos creditícios (com flutuações previsíveis na arrecadação de receita), como, de igual forma, pela sua importância ao nível da indução de comportamentos.

No caso de vetores energéticos com valores de CAPEX expressivos, a viabilidade dos respetivos modelos de negócio está largamente dependente da atribuição de incentivos que, consoante a modalidade, permitam, respetivamente:

(i) Acelerar a depreciação, em termos relativos, dos elevados custos de capital (CAPEX). Ou seja, diminuir, tanto quanto possível o valor líquido desse mesmo CAPEX;

(ii) Acelerar os rácios de rendibilidade dos projetos e, bem assim, a maturidade dos métodos e tecnologias de produção.

Vejamos, de seguida, o conjunto de soluções que tem sido configurada à escala global para o desenho do(s) regime(s) fiscais para o vetor hidrogénio.

2. A solução americana: em especial, o Inflation Reduction Act.

O Inflation Reduction Act (“IRA”) cuja maioria das disposições entrou em vigor no passado dia 1 de janeiro de 2023, é a legislação de índole climática mais ampla e significativa da história dos EUA, criando, de entre outros, incentivos específicos para a proliferação da eletricidade de fonte renovável – lado a lado com objetivos mais latos, como a redução da inflação energética e das emissões de Gases com Efeito de Estufa (“GEE”).

Sem particular surpresa, o IRA atribui particular importância ao vetor hidrogénio, prevendo um conjunto muito ambicioso de incentivos fiscais, sob a forma de crédito fiscal.

Recorde-se que, já no final de 2021, havia entrado em vigor o Infrastructure Investment and Jobs Act (“IIJA”) que, de entre outros, previa uma verba de 9,5 mil milhões de dólares exclusivamente afeta ao vetor hidrogénio, dos quais 8 mil milhões se destinam à dinamização de “hubs” – sob a égide do H2Hubs Program, monitorizado pelo US Department of Energy.

No caso específico do IRA, prevê-se um conjunto particularmente ambicioso de créditos fiscais relacionados com o vetor Hidrogénio, mormente o Investment Tax Credit (ITC) e o Production Tax Credit (PTC), respetivamente.

O ITC e o PTC permitem aos contribuintes elegíveis deduzir uma percentagem do custo dos sistemas de energia renovável aos respetivos impostos federais, sendo que alguns projetos são inclusive elegíveis quer para o ITC quer para o PTC, mas nunca para ambos em simultâneo.

Resumimos infra a tipologia de projetos elegível:

Pelo menos até 2023, o IRA irá estender o ITC em 30% e o PTC em $0,0275/kWh (valor 2023), desde que os projetos cumpram os demais requisitos aplicáveis. Para sistemas colocados em serviço em ou após 1 de janeiro de 2025, o Clean Electricity Production Tax Credit e o Clean Electricity Investment Tax Credit, substituirão o tradicional PTC e ITC, respetivamente.

3. O caso canadiano: o Clean Hydrogen Investment Tax Credit (ITC).

Existem outros casos, paralelos ao do IRA, que permitem vislumbrar a importância dos instrumentos fiscais para a economia do hidrogénio, em especial os desafios sentidos à escala europeia.

Recentemente, na proposta de Orçamento do Estado para 2023, o Canadá introduziu o Clean Hydrogen Investment Tax Credit (ITC), a vigorar entre os anos de 2023 e 2025, e com créditos entre 15% e 40%, dependendo da intensidade de carbono do ciclo de vida do hidrogénio.

Em termos um pouco mais concretos, o ITC canadiano aplicar-se-á da seguinte forma:

(i) Um crédito fiscal de 40% quando as emissões esperadas para o ciclo de vida da produção de hidrogénio forem inferiores a 0,75 kg de equivalente de dióxido de carbono (CO2e) por kg de hidrogénio produzido;

(ii) Um crédito fiscal de 25% quando as emissões estiverem entre 0,75 – 2 kg de CO2e por kg de hidrogénio produzido; e

(iii) Um crédito fiscal de 15% quando as emissões estiverem entre 2 – 4 kg de CO2e por kg de hidrogénio produzido.

A produção de hidrogénio com uma intensidade de carbono superior a 4 kg de CO2e por kg não é elegível para o ITC.

4. A solução europeia: a Proposta de Regulamento “Net-Zero Industry Act”.

Em função da amplitude do IRA, justifica-se efetuar um contraponto face ao Net-Zero Industry Act (“NZIA”) tendo por parte uma Proposta de Regulamento apresentada pela Comissão Europeia, incidente sobre as tecnologias que contribuirão de modo significativo para a descarbonização, designadamente as consideradas estratégicas:

(i) Energia solar fotovoltaica e solar térmica;

(ii) Energia eólica onshore e energia renovável offshore;

(iii) Baterias e armazenamento;

(iv) Bombas de calor e energia geotérmica;

(v) Eletrolisadores e células de combustível;

(vi) Biogás/biometano;

(vii) Captura, utilização e armazenamento de carbono; e

(viii) Tecnologias de rede (incluindo sistemas inteligentes para carregamento de veículos elétricos).

Estando em causa uma Proposta de Regulamento tão relevante e ambiciosa, justifica-se sobretudo atender ao facto de estar acoplada, de entre outras, a uma comunicação relativa ao Banco Europeu do Hidrogénio, que facilitará e apoiará a produção e proliferação do hidrogénio verde na UE, bem como as importações de parceiros internacionais para os consumidores europeus.
O referido Banco Europeu de Hidrogénio baseia-se em quatro pilares, todos com uma pretensão de operacionalidade para o final do ano de 2023, a saber:

(i) Criação de um mercado interno para o hidrogénio na UE;

(ii) Importações internacionais de hidrogénio para a UE;

(iii) Reforço de transparência e coordenação;

(iv) Racionalização dos instrumentos de financiamento existentes.

Atualmente, a Comissão encontra-se a conceber os primeiros leilões-piloto sobre a produção de hidrogénio renovável – na modalidade de “auctions-as-a-service” – que será, para os devidos efeitos, o primeiro instrumento financeiro do Banco do Hidrogénio, com o suporte do Fundo de Inovação e de verbas dos próprios Estados-Membros.

No quadro deste conjunto de iniciativas, merece-nos particular atenção o facto de o NZIA não oferecer soluções amplas no domínio fiscal, aludindo à necessidade de os Estados-Membros implementarem benefícios fiscais especificamente conexos ao segmento da produção, eventualmente sujeitos a um quadro preferencial em matéria de Auxílios de Estado.

Numa solução que nos parece largamente devida ao facto de a UE não ter competências exclusivas no domínio da fiscalidade direta, o NZIA alude (apenas) à possibilidade de implementação de créditos fiscais, regimes de depreciação e/ ou amortização acelerada ou subsídios associados à aquisição ou melhoramento de ativos verdes – contemplando, assim, as necessárias diligências por parte dos Estados-Membros.

5. Algumas conclusões.

Na contraposição face ao IRA e ao próprio ITC canadiano, o NZIA parece-nos não ter uma perspetiva tão abrangente relativamente à importância dos aspetos fiscais, não prevendo qualquer estrutura de base fiscal estável e abrangente para o vetor hidrogénio.

Sem prejuízo de uma eventual ação decisiva dos Estados-Membros da UE, ao nível das respetivas opções de política fiscal nacional, parece-nos que o momento atual reclamaria uma perspetiva mais abrangente por parte do legislador europeu – reiterando que, em nossa perspetiva, tal apenas não sucede atendendo à arquitetura do quadro de competências fiscais (sobretudo ao nível da fiscalidade direta) que vigora na União Europeia.

Não só pelo valor objetivo dos referidos incentivos como, de igual forma, pelo sinal de política fiscal subjacente, entendemos que recai agora sobre os Estados-Membros, incluindo Portugal, um papel insubstituível.

Os exemplos já vigentes no espetro comparado são uma primeira pista e, com as devidas adaptações, serão seguramente a base mais apropriada para o desenho de um regime fiscal suficientemente atrativo, em especial ao nível dos mecanismos de crédito fiscal.

  • Filipe de Vasconcelos Fernandes
  • Assistente na Faculdade de Direito de Lisboa e counsel na Vieira de Almeida

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