Operadoras (e Governo) querem nova presidente mais dialogante na Anacom: “Precisamos de menos ego e mais lego”
No congresso das comunicações, os CEO da Meo, Nos e Vodafone pediram à tutela que a nova liderança da Anacom seja mais aberta ao diálogo. Galamba ouviu. E prepara-se para entregar.
A Anacom pode estar em vias de sofrer uma profunda transformação, com a alteração dos principais rostos na administração e uma rutura completa na forma de atuar ao longo dos últimos seis anos. Com os mandatos do presidente e do vice-presidente quase a chegarem ao fim, as operadoras apelam a uma nova liderança mais aberta ao diálogo. E, assumindo que o ministro da tutela resiste em funções, será isso mesmo que João Galamba se prepara para entregar.
O magno congresso do setor das comunicações decorreu esta semana em Lisboa e voltou a contar com o debate anual dos CEO da Altice, Nos e Vodafone. Questionados sobre o que esperam da próxima presidente da Anacom, que terá de ser uma mulher devido à regra da alternância de género, os gestores convergiram, como esperado, no apelo a uma regulação mais alinhada com os interesses das empresas, incluindo a sustentabilidade. Mas não só. “Acho que precisamos de menos ego e mais lego na regulação”, atirou Ana Figueiredo, a líder do grupo que controla a Meo.
Por sua vez, Miguel Almeida e Luís Lopes, respetivamente líderes da Nos e da Vodafone, pediram uma Anacom mais dialogante com as empresas do setor. Uma ideia que acabaria por ser secundada pelo ministro das Infraestruturas numa intervenção pouco depois.
Questionado sobre que perfil deve ter a futura presidente da Anacom, Miguel Almeida falou em alguém que “convide ao diálogo, porque, historicamente, esse diálogo produziu resultados”. “Há pouco, o Luís [Lopes] referiu que os custos de desenvolver fibra em Portugal comparativamente com outros países europeus eram mais baixos. E parte da razão por trás disso tem a ver com a regulação que foi feita a seu tempo e com base nesse diálogo”, afirmou o gestor.
Depois, acrescentou que “isso perdeu-se nos últimos seis anos” sob a liderança de João Cadete de Matos, cuja atuação mereceu críticas das empresas reguladas praticamente desde a primeira hora (o presidente da Anacom, em contrapartida, argumenta estar a defender os interesses dos consumidores, em detrimento dos interesses económicos das empresas).
“Portanto, aquilo que esperamos é que, num próximo mandato, exista esse diálogo e que exista essencialmente por parte da administração uma consciência daquilo que é a missão da Anacom. E uma das missões da Anacom, quiçá a mais importante, é assegurar um desenvolvimento sustentável, concorrencial, do setor das telecomunicações. Esta componente da missão foi completamente ignorada nos últimos seis anos e, portanto, aquilo que nós gostaríamos muito de ver era alguém que tivesse consciência daquela que é a missão da Anacom”, disse Miguel Almeida.
Para Luís Lopes, “mais do que a pessoa”, importa a “visão” que tem para o setor. “Ou seja, é uma visão que tem que ter por base não apenas um pilar e uma certa obsessão por um dos pilares, mas os três pilares [que] constituem o fundamento da Anacom, que é a sustentabilidade do setor, obviamente ter em conta o consumidor e o papel de defesa do consumidor. Mas há os outros pilares também são importantes”, apontou o novo CEO da Vodafone.
O gestor, que regressou a Portugal vindo da Vodafone na Alemanha, e que tinha afirmado no início do debate que o setor português das telecomunicações “está doente” (por causa do que diz serem os fracos retornos dos investimentos), considerou, então, que a Anacom do futuro deve promover um “equilíbrio” das várias forças para que o setor possa “ficar mais saudável”. “O nosso apelo é que a visão e a política que venha a ser adotada para o setor vá nesse sentido, obviamente, tendo por base um maior diálogo”, insistiu.
Se não houver alterações no Governo até lá, o ministro João Galamba vai ter a responsabilidade de escolher a próxima presidente da Anacom quando o mandato de Cadete de Matos terminar em meados de agosto. O governante estava na plateia e ouviu as palavras dos presidentes das operadoras. Subindo ao púlpito, depois de ter entrado de rompante no auditório enquanto fugia dos jornalistas, e levando um discurso escrito, Galamba começou por dizer que não iria criticar a Anacom. Mas terminou alinhado com as operadoras.
Galamba ou Cadete: quem é o ministro?
O discurso de João Galamba esta quarta-feira teve uma relevância acrescida, porque foi a primeira intervenção pública do ministro desde que pediu a demissão. Um pedido que foi recusado pelo primeiro-ministro, António Costa, abrindo um conflito institucional entre o Governo e o Presidente da República.
No palco do congresso anual da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), Galamba apontou a mira e atirou mesmo ao regulador das comunicações, aprofundando uma posição que já tinha assumido noutra ocasião na Assembleia da República: a Anacom está a ir além da sua função.
“É necessário também um diálogo aberto entre regulador e regulados, e entre estes e o Governo. E é necessário uma separação adequada entre as políticas públicas, que devem ser promovidas e perseguidas pelo Governo, e as medidas regulatórias – enfatizo, regulatórias, e só regulatórias – que devem caber à Anacom”, disse João Galamba. “A Anacom não deve ter atividades administrativas. Deve-se cingir às atividades regulatórias, é para isso que os reguladores existem e é esta a condição para a sua independência técnica e funcional. E quando não temos essa realidade, as coisas tornam-se menos transparentes, obviamente, e com problemas para todos: para o setor, obviamente para o Governo, mas também, e é preciso dizê-lo, para o regulador”, rematou.
“A regulação independente é essencial, mas deve ser regulação e não formulação de políticas públicas. A gestão e o exercício de competências administrativas devem ser exercidas pelo Estado e pelos serviços funcionalmente dependentes do Estado”, acrescentou também.
As palavras que se seguiram terão tranquilizado as operadoras: a Anacom tem de ser “fonte de estabilidade” e não provocar problemas ao setor, ao Governo e a ela mesma, disse. “Para o futuro, espero um setor onde haja lugar à crítica e ao diálogo construtivos, ao respeito institucional e à procura equilibrada de soluções para o desenvolvimento do setor e para a defesa dos consumidores, procurando sinergias e melhorando processos produtivos. É nestas linhas que devemos desenhar e executar a política de comunicações que o país necessita, com envolvimento de operadores e autarquias e o papel importante do regulador como fonte de estabilidade no setor”, concluiu, arrancando sonoros aplausos da plateia.
À semelhança de anos anteriores, Cadete de Matos e a Anacom não se fizeram representar no congresso da APDC. Mas, no dia anterior, o presidente do regulador pôde intervir numa outra conferência, o 1.º Encontro das Entidades Reguladoras Portuguesas, iniciativa da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT). Na ocasião, Cadete de Matos insistiu numa ideia que já tinha avançado há alguns anos: a nomeação de administradores dos reguladores devia acontecer por concurso público internacional. E os quadros deviam poder candidatar-se.
Mas, para isso acontecer, é preciso o Governo também o querer, o que não parece ser o caso. Além disso, em fevereiro, o presidente da Anacom enviou ao Governo uma “proposta de alteração legislativa” para reduzir para seis meses o prazo máximo de fidelização nas telecomunicações, uma proposta que surgiu menos de um ano depois de a Lei das Comunicações Eletrónicas ter sido alterada pelos deputados. Galamba acabou por a meter na gaveta.
Por agora, Cadete de Matos ainda tem várias semanas de mandato para cumprir. Mas, no setor, onde há quem questione se o ministro da tutela é Galamba ou Cadete, a pergunta do milhão de dólares é esta: afinal, quem vai ser a escolhida para ocupar a liderança da Anacom?
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