Entre continuidade e críticas internas, Bloco decide sucessão de Catarina Martins

Catarina Martins deixa este fim de semana a liderança do BE, depois de uma década. Mariana Mortágua avançou como candidata ao cargo, mas ainda tem de enfrentar oposição interna no partido.

Os bloquistas decidem este fim de semana quem será o próximo coordenador do partido. No entanto, já há pouco mistério em torno de quem será a sucessora de Catarina Martins: Mariana Mortágua chegou-se à frente e deverá ser a próxima líder do partido, ainda que não seja a única na corrida. Há outra moção avançada por opositores da atual direção, liderada pelo antigo deputado Pedro Soares.

A XIII Convenção Nacional do Bloco de Esquerda decorre em Lisboa, no Complexo Desportivo Municipal do Casal Vistoso, este sábado e domingo. A primeira candidata a emergir foi Mariana Mortágua, que se tem destacado pelo papel enquanto deputada na Assembleia da República, em particular nas comissões de inquérito à banca.

A entrada na Assembleia da República deu-se em 2013, quando tinha 27 anos. Quase dez anos volvidos, é agora vice-presidente da bancada parlamentar do Bloco, com uma atuação pautada pelo foco na economia, devido à formação como economista. Esse poderá ser precisamente um dos próximos desafios de Mortágua, se for eleita a próxima coordenadora do Bloco, como salienta ao ECO Paula Espírito Santo, professora e investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa.

Mariana Mortágua “acaba por ser sempre muito ligada aos temas da economia e finanças, se calhar terá de alargar um pouco a mensagem e ser mais inclusiva”, focando-se noutros “setores que o Bloco pode trabalhar”, aponta a politóloga. Poderá assim ter o desafio de “ser menos economista e mais política e estratégica”.

Mortágua avançou com a moção “Uma força, muitas lutas”, que será subscrita por cerca de 1.300 bloquistas. É uma moção de 26 páginas que começa com uma referência a outro partido. “A maioria absoluta do PS é um governo de desgaste rápido que mantém privilégios e opacidade enquanto agrava a desigualdade e o empobrecimento do povo”, lê-se, na introdução para um conjunto de medidas.

O primeiro ponto é a defesa de “uma vida boa para todas as pessoas”, com críticas ao “negócio da crise” e aos “donos disto tudo”. Mortágua vaticina também que o Bloco de Esquerda será “a mais forte oposição ao Governo, por representar a democracia contra a desigualdade e o ecossocialismo contra a destruição”.

Destaca também outros temas como a habitação e o clima. “Sou candidata à coordenação do meu partido e, com este coletivo de milhares de ativistas, trago comigo as lutas da nossa vida: trabalho, habitação, clima, igualdade, o direito de todas as pessoas a viverem em democracia e com respeito, a terem uma vida boa”, escreveu na rede social Twitter.

Estas são as áreas que tem vindo a destacar na candidatura. Mas tendo em conta o perfil que tem demonstrado, pode esperar-se uma abordagem “pela economia, assuntos laborais e fiscais e, no fundo, uma visão geral das políticas, incluindo todas as áreas centrais que estão atualmente em análise: habitação, impostos, leis laborais e reivindicações setoriais”, antecipa a politóloga.

Entretanto, a moção de Mortágua conseguiu eleger 81% dos delegados à Convenção Nacional do BE, o que representa 530 dos 654 delegados que vão marcar presença. A moção E elegeu 89 (14%) e as oito plataformas os restantes 35.

Com dez mandatos surge a plataforma “Mais Democracia, Mais Bloco”, seguida pela “Mais Bloco, Mais Algarve” com nove e, com cinco, a plataforma “Crescer pela raiz: porque queremos mesmo mudar tudo”. Já com quatro delegados cada uma, surge a plataforma “Clarificar o BE. Reforçar a Moção A” e a “+ Partido + Movimento no Litoral Alentejano”. As plataformas “Margem Sul + Movimento + Democracia”, “O Interior também Existe” e “Santarém em emergência climática, social e militante” levam um delegado cada uma à convenção.

A moção E apresenta-se como a oposição à candidatura de Mariana Mortágua. Tem como mandatários Mário Tomé, militar de Abril e membro da Comissão Política do BE, e Bruna Paulo, estudante, militante de base do BE e ativista dos movimentos LGBTQIA+, feminista, juventude, antirracista e emergência climática. Mas é o antigo deputado Pedro Soares que tem dado a cara por este movimento.

É intitulada “Um bloco plural para uma alternativa de esquerda: Um desafio que podemos vencer!” e avançou pela mão de um conjunto de críticos da atual direção. Esta candidatura alternativa inclui militantes como os ex-deputados Carlos Matias e Pedro Soares e também Rui Cortes.

Críticos da atual direção, defendem que “a orientação seguida, à margem de uma aprofundada auscultação da base, não foi adequada nem competente para enfrentar esse quadro” sociopolítico.

Esta apresenta-se, assim, como oposição à continuidade que Mariana Mortágua representa, como salienta também Paula Espírito Santo. “Tendo em conta a caminhada, intervenção e participação ao longo dos últimos anos”, a deputada representa “mais a continuidade, porque tem estado sempre muito alinhada e próxima das decisões tomadas pela atual coordenadora do BE”.

Após uma década, Catarina Martins deixa liderança

Foi em fevereiro que Catarina Martins revelou que deixaria a liderança do partido. A coordenadora liderava o partido desde novembro de 2012, na altura em conjunto com João Semedo. Esteve assim mais de uma década à frente do Bloco, sendo um do pontos mais memoráveis a participação na chamada “geringonça”, um acordo escrito também com o PCP e Os Verdes para viabilizar o primeiro Executivo do PS de António Costa.

A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins apresenta as conclusões da reunião da mesa Nacional do Bloco de Esquerda, esta tarde em Lisboa, 26 de fevereiro de 2023. MIGUEL A. LOPES / LUSAMIGUEL A. LOPES / LUSA

Catarina Martins “tentou sempre alinhar-se pelas questões sociais e socioeconómicas e particularmente pelos direitos sociais, pela igualdade no plano do acesso ao trabalho, relação laboral”, sendo que a questão “fiscal e económica também fez parte do horizonte das políticas do BE”, destaca a politóloga Paula Espírito Santo.

A geringonça foi um dos elementos mais marcantes da sua liderança, um momento em que o Bloco também se “vinculou às políticas” do Governo em várias áreas, mas ao mesmo tempo “tentou manter algum distanciamento tendo em conta a base e identidade do bloco”, recorda a politóloga. No entanto, o partido “pode ter perdido força muito por essa via de ter apoiado a governação na legislatura de 2015”, contrapõe.

Já após o fim deste acordo, o Bloco assumiu um papel mais de oposição e um dos principais momentos foi quando recusou vincular-se à proposta de Orçamento do Estado de 2022, a par do antigo parceiro de geringonça, o PCP. O que acabou por desencadear a dissolução do Parlamento.

Tendo em conta o cenário de menor expressão do Bloco nas urnas, tendo passado da terceira maior força política nas legislativas de 2019 para quinta em 2022, “a próxima líder terá uma caminhada também para ressuscitar ou reafirmar melhor e de forma mais livre os grandes assuntos e bandeiras do Bloco, de forma a que eleitorado se volte a alinhar com o partido e veja que pode ser alternativa à esquerda”, salienta Paula Espírito Santo.

Agora de saída, Catarina Martins já expressou o apoio a Mariana Mortágua, salientando na rede social Twitter que “não há quem duvide da preparação, capacidade de trabalho e competência da Mariana”.

A ainda coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, mostraou-se confiante, em entrevista ao Diário de Notícias, que o futuro do partido será positivo, ainda com “muitas lutas para ganhar”. A histórica dirigente bloquista diz estar “bastante à vontade” com os resultados que obteve na liderança do partidos: “tive dos melhores e dos piores”, resumiu.

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