Transição energética em Portugal: percurso trilhado e desafios para acelerar
A este ritmo, estaremos longe de conseguir cumprir os objetivos, colocando em risco a transição energética, mas não só: também a consolidação da independência energética do país e competitividade.
O cada vez mais urgente e transversal tema das alterações climáticas ganha contornos de preocupação e foco multidisciplinar. Todas as medidas, avanços e desafios vivenciados diariamente no setor energético, resultam de ser este hoje o maior responsável pela emissão de gases de efeito estufa a nível mundial. Fala-se, portanto, de uma necessária transição energética que integre os desafios da independência energética e da segurança do abastecimento, bem como da acessibilidade socioeconómica dos preços energéticos, além de uma atenção premente à necessidade de uma acentuada redução das emissões, rumo à sustentabilidade ambiental.
Apesar de o assunto estar na ordem do dia a nível mundial, cada país, contudo, possui avanços e dificuldades mais específicos de ordem nacional. Há, portanto, duas grandes formas de aprender e evoluir: (i) com o “vizinho”, ao observar boas práticas e desafios de outros países, e (ii) com uma autorreflexão, e utilizar a seu favor os pontos e medidas em que já se está bem colocado para então acelerar os que ainda representam maior desafio.
A existência de desafios é natural em qualquer processo transformacional, sobretudo os de natureza estrutural, como é o caso da transição que irá sofrer o setor energético, mas é importante considerá-los em conjunto com os pontos de avanço ou sucesso, para que estes impulsionem o que ainda é preciso melhorar. Conhecê-los, portanto, é essencial neste processo de implementação – ou aceleração – da transição energética, que, como nós especialistas bem sabemos, vai além do aumento da participação das energias renováveis na matriz energética.
Portugal, nesse sentido, está bem posicionado e é referência mundial quanto à incorporação de renováveis variáveis (solar e eólica), que correspondem a mais de 30% no mix de geração da eletricidade. De acordo com o Global Status Report da REN, de 2022, Portugal ocupa a quarta posição, estando atrás somente da Dinamarca, Uruguai e Espanha.
Olhando para o total da eletricidade com origem em fontes renováveis, Portugal tem ainda mais evidências de estar no caminho certo, na medida em que, em 2022, estas fontes correspondem a cerca de 60% da geração nacional, o que coloca hoje este setor como um dos mais relevantes no impacto macroeconómico: representa aproximadamente 2,2% do Produto Interno Bruto, e é um motor para a criação de emprego qualificado, que se estima em cerca de 77 mil pessoas em termos de emprego direto e indireto (Deloitte, 2021).
Na sequência desta aposta nas renováveis, o país está menos dependente do energeticamente do exterior, tendo reduzido consistentemente, ao longo dos últimos 10 anos, a percentagem de importações. Importante esclarecer que os índices da dependência energética continuam (aproximadamente 67% em 2021) acima da média europeia (55%), mas com o caminho a traçar ainda com tecnologias renováveis onshore, e no futuro próximo na eólica offshore e também no hidrogénio para a descarbonização dos setores energeticamente intensivos, irão contribuir para a redução destes números. Não obstante, a percentagem proveniente da Rússia é inferior a 5% e responde às exigências de emergência colocadas no REPowerEU.
A realidade dos números acima coloca Portugal positivamente em destaque na transição energética, com know-how consolidado e um vasto portefólio de empresas no mercado nacional, que nos posicionam no caminho certo para continuar a trilhar sucessos.
Ainda, contudo, temos dificuldade em endereçar desafios importantes e estratégicos, nomeadamente, a capacidade das entidades públicas responderem aos projetos em processo de licenciamento, que continuam a demorar em média cerca de 4 anos para entrarem em operação. Realça-se também a falta de disponibilidade de rede. Neste momento, encontram-se suspensas todas as vias regulamentares disponíveis de acesso à rede para venda de eletricidade, por falta de investimento na rede nos últimos anos face às necessidades de transformação do sistema elétrico para a transição energética.
Muito se fala onde queremos chegar, mas pouco do ponto de partida e o que precisa de ser feito até lá: Portugal precisa atingir cerca de 27 GW (tem hoje cerca de 17 GW) de capacidade instalada renovável para atingir os 80% de incorporação na geração até 2026. Esta meta foi anunciada pelo Governo para responder aos pacotes Europeus Fit for 55 e REPowerEU, que surgiam com a necessidade de responder ao período pós-pandemia e à invasão da Ucrânia pela Rússia. Para 2030, prevê-se a necessidade de cerca de 35 GW de capacidade renovável, ou seja, é preciso duplicar.
Nos últimos 3 anos, foram instalados cerca de 2,8 GW, o que é pouco proporcionalmente ao desafio da meta colocada para 2026. Logicamente, a este ritmo, estaremos longe de conseguir cumprir os objetivos, colocando em risco a transição energética, mas não só: também a consolidação da independência energética do país e competitividade a nível mundial.
O que se pode concluir, por ora, é que é necessário apertarmos ou acelerarmos o passo na jornada da transição energética. Temos os meios, estamos numa boa direção, mas a urgência dos desafios exige que façamos mais e de forma eficiente, no menor tempo possível. Algumas das medidas necessárias (as que envolvem inovação, por exemplo) são de colheita a médio longo prazo mas, naturalmente, há outras, sobretudo de natureza institucional e de mercado, que clamam por atitudes no presente.
Por transição entendemos evolução. A evolução energética que defendemos requer ação imediata, estrutural e direcionada.
Nota: esta é a coluna da iniciativa cívica Women in ESG Portugal para o ECO, e por meio deste canal pretendemos trazer conteúdos ligados ao ESG de forma descomplicada para a sociedade, na voz de mulheres que detém expertise técnica na área. Para mais informações, aceda ao site: www.winesgpt.com)
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