As Ações Populares em Portugal – momento de viragem?
A lei que em Portugal rege as ações populares contempla já muitos dos normativos avançados pela Diretiva. A sua revisão será porém fundamental para dotar o regime de uma maior clareza e eficácia.
O reforço dos direitos dos consumidores e da reparação por infração ao direito da concorrência, a premência dos temas de ESG e o facto de os litígios associados a estes temas se replicarem em vários países, em conjunto com o cada vez mais comum financiamento de litígios por terceiros, tornou nos últimos anos frequente o recurso a ações populares – na União Europeia e também em Portugal. Tais ações são instauradas em representação de um conjunto de cidadãos (sem ser necessário o expresso consentimento destes), por violação de um direito comum ou de direitos com elevado grau de similitude entre si.
No quadro da UE apenas alguns países têm enquadramento específico para as ações populares pelo que a Diretiva (UE) 2020/1828, de 25.11.2020, visa harmonizar a sua regulação.
A lei que em Portugal rege as ações populares, apesar de datar de 1985, contempla já muitos dos normativos avançados pela Diretiva. A sua revisão será porém fundamental para dotar o regime de uma maior clareza e eficácia, sendo importante acautelar, entre outros, os seguintes aspetos:
- Antes de o processo prosseguir para a apresentação pelas partes e apreciação pelo tribunal dos fundamentos da ação e respetiva defesa (com o investimento que a revelação e prova desses fundamentos implica), o tribunal deve obrigatoriamente decidir sobre a admissibilidade da configuração da ação como uma ação popular e definir o elenco dos representados pela ação (especialmente relevante para a citação destes para o processo e gestão dos seus direitos). Assim se evitará que uma ação popular penda durante anos para então se concluir que a mesma foi mal configurada enquanto tal, com eventual impacto negativo para os direitos dos representados e com o pesado ónus, para os demandados, de revelação e construção de defesa afinal inútil. A lei já prevê uma decisão sobre a inadmissibilidade preliminar da ação mas instituir uma fase com este teor, inspirada na certificação típica de alguns regimes de common law, aportaria eficiência.
- Ao contrário da maioria dos países da UE (incluindo os que já transpuseram a Diretiva), em Portugal vigora o regime de opt-out, que significa que – salvo declaração em sentido contrário – todos os que sejam titulares dos direitos em discussão na ação popular ficam, regra geral, vinculados à decisão final que seja proferida. Embora a Diretiva deixe esta opção em aberto, a mesma merece reflexão. O sistema inverso, de opt in, se adotado com medidas que garantam a publicitação e consciencialização dos direitos dos representados e possibilitem uma adesão ao processo até uma fase mais adiantada do mesmo, garantiria uma maior eficácia da ação popular (com identificação clara dos por esta representados) e mitigaria o risco da sua instrumentalização por alguns dos lesados ou por terceiros que os representem.
- Mantendo-se o regime de opt-out, é fundamental rever a previsão de que as indemnizações não reclamadas no prazo de três anos revertem para o Ministério da Justiça. Perante um processo que não exige à priori a definição do grupo de representados pela ação e um regime sem previsão de danos punitivos, faria pelo menos sentido a previsão de um teto máximo para tal reversão.
- Quanto ao financiamento de litígios por terceiros, a Diretiva fica aquém das preocupações que se têm sentido. Vindo a ser admitido, será importante que o legislador preveja, por exemplo, a necessidade de confirmar a adequação do capital dos financiadores e o dever de responsabilidade destes para com os financiados, o pagamento dos representados pela ação popular com precedência face aos financiadores e a limitação da compensação devida a estes, vinculando-os também ao princípio do perdedor-pagador quanto a custas judiciais.
Apesar de ultrapassado o prazo para o efeito, em Portugal (e em outros quatro países da UE) não há ainda novidades quanto à transposição da Diretiva. É todavia importante que o legislador não se limite a conformar a lei com as exigências da UE e que aproveite para reforçar a atualidade das suas soluções e dar resposta às exigências de uma litigância que se exige cada vez mais eficiente.
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