Eleições na Turquia: uma oportunidade para a UE repensar a sua relação com Erdogan?
Distante do Ocidente, Erdogan quer prolongar por mais cinco anos a sua permanência de duas décadas no poder na Turquia. Que significado têm as eleições turcas para a relação do país com a UE?
Depois de uma primeira volta em que nenhum dos candidatos obteve mais de 50% dos votos, cerca de 60 milhões de eleitores turcos regressam este domingo às urnas perante a escolha de manter no poder o atual Presidente, o conservador Recep Tayyip Erdogan, ou dar um novo rumo ao país ao fim de duas décadas, optando pelo social-democrata Kemal Kiliçdaroglu, que lidera uma frente de sete formações políticas. Embora seja candidata à adesão à União Europeia (UE) e membro da NATO, a Turquia tem estado afastada do Ocidente. Pode o resultado destas eleições dar um novo valor geopolítico às relações entre o país e os aliados ocidentais, sobretudo a UE e os EUA?
“Estas eleições são renhidas, o que não é muito normal. O normal seria uma vitória relativamente fácil de Erdogan“, nota o historiador António José Telo, em declarações ao ECO. A 300 mil votos da vitória, o atual Chefe de Estado turco parte na frente para a segunda volta, depois de a votação de 14 de maio ter dado 49,5% dos votos ao seu Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP, islamismo nacionalista) e 44,9% ao Partido Republicano do Povo (CHP, maior partido da oposição).
Primeiro-ministro entre 2002 e 2014, ano em que passou a Presidente, para depois transformar o país numa república presidencialista, Erdogan assumiu o poder na Turquia após uma espiral inflacionista e uma crise bancária que tinha esmagado a economia. Embora os primeiros anos tenham sido sinónimo de um crescimento económico constante, as políticas económicas do líder do AKP nos últimos anos têm trazido muitas consequências negativas à economia turca.
Desde 2019 demitiu três governadores do banco central, que era considerado independente, nomeou o seu genro ministro das finanças e obrigou o banco a adotar uma política monetária de baixas taxas de juro. Esta situação manteve o crescimento económico relativamente sólido – segundo dados oficiais da agência de estatísticas do país, que podem não ser fiáveis, o PIB cresceu 5,6% em 2022 –, mas conduziu a uma inflação que atingiu um pico de 86% no ano passado e que ainda está bem acima dos 40%.
A recusa em mudar a sua política económica arrastou também a moeda nacional turca. Nos últimos dois anos, a lira desvalorizou 60% face ao dólar. Além disso, há apenas cinco anos, os investidores estrangeiros detinham 64% das ações turcas e 25% das obrigações do Estado turco, enquanto atualmente detêm apenas 29% e 1%, respetivamente. O défice da balança corrente, por sua vez, atingiu um recorde de 10 mil milhões de dólares em janeiro passado.
No entanto, não é só a economia que está em maus lençóis na Turquia. A falta de independência do poder judicial, as intimidações à imprensa e a ativistas, as alterações à Constituição para centrar cada vez mais o poder na figura do Presidente têm deixado a democracia turca em estado de erosão.
Juntando a este cenário as questões do terrorismo separatista curdo e do repatriamento de refugiados – o país acolhe cerca de 6 milhões de refugiados, dos quais 3,5 milhões são sírios –, a Turquia com Erdogan no poder tem sido sinal de um afastamento face ao Ocidente, perturbação no Médio Oriente e laços mais estreitos com a Rússia.
“Erdogan, em larga medida, pela política que a União Europeia assumiu quanto à Turquia, teve um processo de crescente distanciamento e procura de uma autonomia em relação ao Ocidente em geral“, considera António José Telo, que discorda da política de “fechar a porta” assumida pelo bloco comunitário. Para o historiador, “devia ter sido seguida uma política de colocar crescentes condições, mas sem fechar a porta por completo”.
António José Telo aponta que esse distanciamento teve também consequências na relação da Turquia com os EUA e, a partir daí, na relação com a guerra na Ucrânia, perante a qual mantém uma política de “quase neutralidade” e “de equidistância em relação aos dois lados”.
Ainda assim, Erdogan bloqueou a candidatura da Suécia à adesão à NATO, argumentando que o país alberga terroristas curdos, enquanto o seu Governo depende do Kremlin para importações baratas de gás, empréstimos e até conhecimentos para construir a central nuclear que inaugurou recentemente. Ao mesmo tempo, foi um ator importante para firmar o acordo de cereais entre Kiev e Moscovo.
Significa isto que, se a oposição – que promete ratificar a adesão da Suécia à NATO num mês, bem como melhorar as relações com a UE – vencer estas eleições, isso será significativo para a região. “Sem dúvida em termos do Médio Oriente e da relação com a Síria e com os curdos, mas também em termos da relação com a UE e os EUA. Altera significativamente os equilíbrios da região”, sublinha António José Telo ao ECO.
No caso da vitória de Erdogan, o historiador considera que estas eleições “poderão, pelo menos, ser uma oportunidade para a UE e os EUA corrigirem certos aspetos da sua relação com a Turquia”, assinalando que “os Estados Unidos permitiram um afastamento da Turquia em relação ao que era uma colagem à posição americana anterior e partir em larga medida para uma posição algo radical e intransigente que foram mantendo“.
Em resumo, conclui António José Telo, estão em jogo nestas eleições “pontos significativos”, mas são uma “boa ocasião para quer a UE, quer os EUA repensarem a sua relação com a Turquia“. “Sobretudo abandonarem essa posição algo infantil, que é a posição de que só é possível manter relações amigáveis do ponto de vista da política externa com regimes que sejam o equivalente a uma democracia da UE com todos os seus simbolismos”, afirma.
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