Das pensões à lei da habitação. Os temas que as eleições antecipadas em Espanha deixam em suspenso
Espanha vai para eleições antecipadas a 23 de julho. Decisão surge num momento em que as estimativas económicas apontavam para crescimento. Que impacto pode vir a ter nessa trajetória?
Uma lei que pode ser eliminada mesmo sem ter sido aplicada. Impostos que podem cair por terra. Incerteza no que toca às pensões. Um lugar no Conselho Europeu que ainda não se sabe quem ocupará. Da nova lei de habitação às pensões, há uma série de temas que as eleições legislativas antecipadas em Espanha deixam, agora, em suspenso.
A noite de domingo foi dramática para o partido socialista PSOE e a reação do primeiro-ministro espanhol não se fez esperar. Pedro Sánchez anunciou, esta segunda-feira, a dissolução do Parlamento e a antecipação das eleições legislativas nacionais para 23 de julho, evitando assim o risco de um período mais longo de desgaste do seu Governo durante os próximos meses, com uma direita agora encorajada pelo sucesso eleitoral nas eleições regionais e municipais do passado domingo. O Partido Popular (PP) foi a força política mais votada, tendo conseguido uma maioria absoluta em Madrid e conquistado Sevilha e Valência à esquerda, três das quatro maiores cidades espanholas.
“O Governo já avançou com as grandes reformas a que se comprometeu. O nosso país está prestes a assumir a responsabilidade muito importante da presidência do Conselho da UE. Tudo isto exige uma clarificação entre os espanhóis sobre as forças políticas que devem liderar esta fase e as políticas a aplicar. Só há um método infalível, que é a democracia. O melhor é que os espanhóis tomem a palavra para definir, sem demora, a direção política do país”, disse Pedro Sánchez.
A ida de Espanha para eleições antecipadas apanha o país num momento da execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) — Espanha já recebeu 37,03 mil milhões de euros — e as últimas previsões para a economia espanhola de Bruxelas e do FMI apontavam para uma trajetória de crescimento.
Resta saber que impacto este ato legislativo terá nos dossiers em mãos. Há, pelo menos, cinco que ficarão pendentes do resultado da noite eleitoral, aponta o Expansión (acesso pago, conteúdo em espanhol).
1) Lei da Habitação
Entrou em vigor na passada sexta-feira e a sua aplicação real está já sob ameaça. O mapa político deixado pelas eleições municipais e regionais de 28 de março deixa, agora, a aplicação da nova Lei da Habitação em suspense, já que esta lei depende, em grande medida, das autarquias locais e das regiões autónomas. O Partido Popular (PP), que a força política mais votada — tendo conseguido mesmo uma maioria absoluta em Madrid e conquistado Sevilha e Valência à esquerda — tem vindo a repetir em diversas ocasiões que não aplicará determinados aspetos da Lei da Habitação, nomeadamente a declaração de zonas de risco e o controlo dos preços, que dependem das regiões autónomas.
Uma possível reviravolta a nível nacional nas eleições de 23 de julho pode significar também o fim desta lei, antes ainda de ter sido aplicada.
2) Subida das pensões e planos de pensões
O Governo de Sánchez aprovou várias medidas que afetaram as pensões, sendo que uma das mais criticadas pela oposição foi o aumento por lei das pensões de acordo com o IPC. Esta medida levou a um aumento de 8,5% este ano, o que significou que os mais de nove milhões de pensionistas começaram o ano com um aumento médio de cerca de 93 euros por mês. A pensão média passou a ser 1.186 euros por mês ou, por outras palavras, mais 1.302 euros por ano, uma vez que as prestações contributivas são pagas em 14 prestações por ano. Resta saber se o cenário político se alterará no pós-legislativas e se haverá ou não um regressa ao índice de revalorização das pensões criado pelo Governo de Mariana Rajoy.
Por outro lado, o atual Executivo espanhol tem vindo a reduzir o teto das contribuições para os planos de pensões para os atuais 1.500 euros (contra 8.000 euros em 2020). Esta situação poderá também mudar com um Governo do PP, uma vez que Alberto Núñez Feijóo, líder do Partido Popular, já anunciou entre as suas propostas um aumento do limite das contribuições para os planos de pensões, que poderá situar-se entre os 4.000 e os 5.000 euros por ano.
3) Imposto sobre banca e setor energético
Se o Executivo mudar de mãos a 23 de julho, também o imposto extraordinário sobre a banca e o setor energético criado pelo Governo de Pedro Sánchez poderá cair por terra. Os seis grandes bancos espanhóis e as cinco principais empresas energéticas já reservaram cerca de 2,6 mil milhões de euros para fazer face a este novo imposto temporário aprovado pelo Governo, que pretende arrecadar até sete mil milhões de euros de receita fiscal em 2023 e 2024.
Atualmente, o imposto incide em 4,8% sobre as receitas líquidas de juros e comissões líquidas da atividade bancária em Espanha, que o Executivo considera lucros extraordinários devido à subida das taxas de juro, nos bancos com um volume de negócios superior a 800 milhões em 2019.
Já no caso das empresas do setor energético, o imposto afeta as empresas de eletricidade, gás e petróleo que tiveram um volume de negócios superior a 1.000 milhões em 2019, e tributa as vendas a uma taxa de 1,2%, com exceção dos rendimentos regulados e dos rendimentos provenientes de fora de Espanha.
4) Imposto sobre grandes fortunas
Outro dos impostos na lista dos que podem estar prestes a desaparecer, caso o PP logre uma vitória em julho, é o imposto sobre grandes fortunas, que entrou em vigor este ano para tributar as fortunas de mais de três milhões de euros no final do exercício de 2022.
Segundo os cálculos do Ministério das Finanças e Função Pública, este imposto deverá abranger um conjunto de 22.746 contribuintes espanhóis, ou seja, 0,1% do total, enquanto o imposto de património foi declarado por 218.991 cidadãos em 2022. A estimativa inicial é de que o novo imposto sobre grandes fortunas possa arrecadar cerca de 1,5 mil milhões de euros por ano.
5) Presidência de Espanha no Conselho Europeu
Finalmente, o tema da presidência de Espanha no Conselho Europeu — que arrancará a 1 de julho e se prolongará até 31 de dezembro — fica, assim, também pendente. É um dos acontecimentos mais importantes que o Executivo enfrenta este ano, mas surgem agora dúvidas sobre o que acontecerá depois das eleições de 23 de julho. Para já, espera-se que Pedro Sánchez assuma a presidência até ao dia das eleições e, a partir daí, que o faça quem formar Governo e ocupar o Palácio de Moncloa.
“A capacidade da Espanha para supervisionar a presidência e dirigir dossiês importantes será severamente reduzida. O primeiro mês será perdido com um Governo coxo no comando e, provavelmente, grande parte de agosto, setembro e outubro, quando o novo Governo tomar posse e encontrar o seu lugar”, considera Federico Santi, analista sénior do Eurasia Group, citado pela Bloomberg (acesso condicionado, conteúdo em inglês).
Economia espanhola a crescer
O processo eleitoral também coloca um ponto de interrogação sobre a continuidade da trajetória da atual política económica. Apesar de Espanha ter sido um dos países que mais sofreu o impacto económico da pandemia da Covid-19, as instituições e os economistas têm estado otimistas, nomeadamente perante o crescimento do PIB e o abrandar inflação. As últimas previsões, tanto da Comissão Europeia como do Fundo Monetário Internacional (FMI), abonavam a favor do crescimento espanhol.
A Comissão Europeia melhorou as previsões para a economia espanhola este ano e calculou um crescimento do PIB de 1,9%, mais cinco décimas do que na estimativa anterior. Para 2024, Bruxelas mantém a estimativa de crescimento de 2% da economia de Espanha, segundo as previsões económicas da primavera divulgadas em meados de maio.
Quanto à inflação, a previsão de Bruxelas é que em Espanha baixe dos 8,3% médios que teve em 2022 para 4% este ano e 2,7% em 2024.
O relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre as perspetivas da economia mundial, apresentado em abril, reviu também as previsões de crescimento em Espanha em alta. A instituição liderada por Kristalina Gueorguieva aumentou a expectativa de crescimento em quatro décimas, para 1,5%. A melhoria das previsões para este ano anunciada pelo FMI está em linha com as divulgadas por outros organismos, especialmente após um crescimento da economia na ordem dos 5,5% em 2022.
Também a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) aumentou a sua previsão de crescimento para 2023 até aos 1,7%, enquanto o Banco de Espanha melhorou a sua previsão de 1,3% para os 1,6%. O Governo espanhol, por sua vez, mais otimista, apontava para um crescimento de 2,1%. A economia cresceu 0,5% nos três primeiros meses do ano, face ao trimestre anterior, mas em termos homólogo a progressão foi de 3,8%. Já o emprego cresceu 2,3% face ao mesmo período do ano anterior, de acordo com os dados do INE espanhol.
No que toca ao PRR, a Comissão Europeia pagou no final de março a Espanha o terceiro cheque. Em causa estão seis mil milhões de euros, o que significa que o Executivo espanhol já tem do seu lado 53% das subvenções previstas na bazuca. Com o pagamento deste terceiro cheque, que pressupôs o cumprimento de 29 metas e marcos, Espanha já recebeu 37,03 mil milhões de euros, dos quais 9,03 mil milhões foram adiantados no início antes mesmo de terem sido feitos quais investimentos ou reformas.
Para receber este terceiro cheque, Madrid teve de aprovar a reforma da Lei das Insolvências, a modernização do sistema de formação profissional, medidas de combate à fraude e evasão fiscal, investimentos em transportes sustentáveis ou promoção das energias renováveis.
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