A seguir às energias renováveis, as medidas de eficiência energética são aquelas que mais impulsionam os esforços de descarbonização, mas parecem estar a ficar cada vez mais para trás.
O “primeiro combustível”. É assim que a Agência Internacional de Energia (AIE) designa a eficiência energética, pois “constitui uma das formas mais rápidas e eficientes, em termos de custo, de mitigar o dióxido de carbono (CO2), ao mesmo tempo que baixa a fatura da energia e fortalece a segurança energética”.
A eficiência energética é considerada a melhor forma para diminuir a procura de energia — e é uma das poucas medidas que permite diminuir a intensidade energética, isto é, a quantidade de energia que é necessária para gerar uma unidade de produto interno bruto (PIB).
Depois das energias renováveis, as tecnologias relacionadas com a eficiência energética são as que dão o maior contributo para a neutralidade carbónica. E têm uma outra vantagem importante: são tecnologias que, em grande parte, já estão disponíveis e comprovadas. Por isso, a única ação que exigem é mesmo serem aplicadas.
Mas os avanços na eficiência estão a enfraquecer. Entre 2015 e 2020, as melhorias na intensidade energética foram, em média, de 1,4% ao ano, abaixo dos 2,1% verificados entre 2010 e 2015. Em 2020 e 2021, as melhorias ficaram mesmo abaixo de 1%. Um cenário especialmente preocupante, tendo em conta que, para atingir a neutralidade carbónica em 2050, seriam necessárias melhorias anuais de 4% entre 2020 e 2030.
Os edifícios terão de usar menos 50% de energia para aquecer (ou arrefecer) até 2030, em comparação com 2020, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE).
O uso de combustíveis fósseis pode ser reduzido com o aumento da eficiência nos transportes, como carros, camiões e aviões, mas também processos mais eficientes na indústria do aço, cimento e químicos e, finalmente, melhor isolamento nos edifícios e equipamentos domésticos mais eficientes. “O progresso está a faltar particularmente no setor dos edifícios e da indústria”, assinala a AIE.
A eficiência que começa “em casa”
Para atingir a neutralidade carbónica, os edifícios terão de usar menos 50% de energia para aquecer (ou arrefecer) até 2030, em comparação com 2020, calcula a AIE. Isto significa melhor isolamento e equipamentos de regulação de temperatura mais eficientes. Já os equipamentos domésticos terão de consumir 25% menos de energia no mesmo espaço de tempo. O que pode ser conseguido não com novas tecnologias, mas simplesmente com a substituição de aparelhos antigos por novos e mais eficientes. Outra medida em destaque é a substituição do aquecimento a gás por bombas de calor elétricas.
Em Portugal, “o problema do edificado pouco eficiente e equipamentos vorazes em termos energéticos é uma realidade transversal”, sendo esta ineficiência “uma das principais causas da pobreza energética de grande parte da população”, observa a líder da área de Energia e Sustentabilidade da Deco Proteste, Elsa Agante. A nível global, os edifícios são responsáveis por 40% das emissões totais de CO2, 11% na sua construção propriamente dita e 29% no seu funcionamento (calor e frio), indica Manuel Collares Pereira, consultor científico da Vanguard Properties.
Começando pela base: a construção dos edifícios. “Os edifícios podem e devem ser concebidos como NZEBs – Net ou Nearly Zero Energy Buildings [Edifícios Neutros ou Quase Neutros em Carbono], e isso não é difícil, se o edifício estiver bem concebido”, assegura Manuel Collares Pereira. O impacto da construção vem sobretudo dos materiais. Só a produção de cimento é responsável por entre 7% e 8% das emissões totais, aponta. Neste sentido, estão a surgir “vários produtos verdes”, mas esta “não é uma realidade constante”. Estes materiais não estão ainda massificados e estamos ainda “no princípio de uma consciencialização”, afirma Nuno García, diretor-geral da GesConsult.
Tendo em conta as preocupações de sustentabilidade, a construção modelar, pré-fabricada, industrializada ou até em madeira “está a ganhar terreno”, diz. Collares Pereira destaca a madeira como material mais sustentável de construção, pelo “seu excelente desempenho térmico”. “A legislação em alguns países da União Europeia está a evoluir para fomentar o uso da madeira, como no caso de França, que determina já que a madeira seja 50% da incorporação de materiais num edifício”, acrescenta.
Mas há outros detalhes que ajudam, como conceber os edifícios com bons isolamentos e vidros duplos, de forma a retirarem o máximo proveito dos ganhos solares e da ventilação natural. Por outro lado, considerar a eletrificação e fomentar a utilização de equipamentos como as bombas de calor, placas de indução para cozinhar, eletrodomésticos de classe A+ ou até superior. Tudo isso em combinação com painéis solares, sugere a Vanguard Properties.
Os edifícios podem e devem ser concebidos como NZEBs – Net ou Nearly Zero Energy Buildings [Edifícios Neutros ou Quase Neutros em Carbono], e isso não é difícil, se o edifício estiver bem concebido.
Em paralelo, a renovação e recuperação de edifícios é outra área que pode ajudar a diminuir o impacto ambiental da construção. No entanto, “a pegada ecológica não faz ainda parte do modus operandi do setor da construção enquanto elemento imprescindível na sua execução, perdendo lugar perante razões financeiras”, contrapõe Nuno Garcia. Embora identifique grandes projetos na área do retalho e de escritórios que são desenvolvidos com certificações ambientais de excelência, “nos empreendimentos residenciais é notório que os planos não contemplam esta circunstância, muito devido aos custos elevados associados à sua implementação”.
Incentivos fiscais à construção de projetos sustentáveis poderiam dar um empurrão a este tipo de construção. A Deco Proteste considera desejável criar equipas ao nível regional e/ou local para a avaliação das soluções adequadas ao edificado, ajudando na identificação e atuação junto dos casos mais prementes.
No que diz respeito à legislação, Collares Pereira indica que “o Regulamento para a Certificação Energética dos Edifícios está antiquado e necessita de ser urgentemente atualizado”, e a legislação do setor muitas vezes entra em conflito com os objetivos de descarbonização, por exemplo pela obrigatoriedade de se ter uma instalação de gás. Nuno Garcia acrescenta que o facto de não existir nenhuma exigência regulamentar para se obterem certificações de sustentabilidade também atrasa os esforços.
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Eficiência energética: o “primeiro combustível” está a perder fôlego
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