Os pequenos investidores são (novamente) o elo mais fraco

Ao cancelar a antiga série de Certificados de Aforro o Governo consegue 2 coisas: retirar pressão aos bancos para subirem a taxa de juro dos depósitos e condicionar fortemente a poupança das famílias.

O Governo decidiu suspender a anterior série de Certificados de Aforro a 2 de junho porque, segundo o Executivo, o Estado estava a ter um custo demasiado elevado face aos preços praticados no mercado secundário de dívida.

“Havia a necessidade de adequar a taxa de remuneração dos certificados ao nível da remuneração dos restantes financiamentos da República”, referiu João Nuno Mendes, secretário de Estado das Finanças, um dia após o Governo ter anunciado a suspensão da Série E.

O governante revelou, inclusive, que a Agência de Gestão da Dívida Pública – IGCP “tem feito um enorme esforço para acomodar a extraordinária procura de subscrição de Certificados que temos tido”, sublinhando que a estimativa do Governo para o ano inteiro era “fazer cerca de 3,5 mil milhões de euros” e que, em cinco meses, tem mais de 10 mil milhões de euros.

A forte procura por estes títulos de dívida pública desenhados exclusivamente para o retalho não surge por acaso. Tem sido alimentada por uma escalada da subida das taxas de juro que, em menos de um ano, levou os Certificados de Aforro a abandonar uma remuneração de 0,41% em janeiro de 2022 para 3,5% desde março deste ano.

O argumento do Governo é plausível: atualmente, mais de dois terços do stock aplicado em Certificados de Aforro é constituído por títulos da Série E que estão a pagar entre 3,5% e 4,5% aos seus titulares.

Nas contas do Estado, somente o investimento em Certificados de Aforro da Série E traduz-se, em média, numa fatura de 807 milhões de euros em juros por ano. Trata-se de um montante equivalente a quase o dobro do somatório de juros das quatro séries anteriores.

Os números dão força ao argumento do Governo de que o Estado estava a pagar demasiado para se financiar através da Série E e que, por isso, o melhor seria suspender a sua emissão. Mais ainda quando a curva de rendimentos da República mostra que caso o Estado quisesse ir ao mercado financiar-se até 10 anos poderia contar com um custo abaixo dos 3%.

Porém, as contas a fazer devem ser mais amplas que uma simples comparação entre os 3,5% da taxa de juro base máxima da anterior série de Certificados de Aforro e os 3% que poderá obter caso fosse ao mercado. É preciso ter em consideração algo que pesa tanto e tão recorrentemente no bolso dos consumidores: impostos. Mais precisamente, uma taxa de imposto de 28%.
Porque os Certificados de Aforro são comprados por residentes, sempre que o Estado paga 3,5% de juros acaba por ficar com 28% deste valor. Assim, num investimento a 10 anos na anterior Série E, em vez de o Estado ter um custo médio anual de 4,25% (taxa de juro efetiva bruta) está, na verdade, a ter um custo de 3,06%. Isto significa que, em termos líquidos, a fatura dos 807 milhões de juros anuais da Série E baixa, grosso modo, para 581 milhões de euros.

Além disso, e independentemente de o Estado considerar ou não importante aumentar a percentagem de dívida pública na posse de residentes – atualmente está nos 15%, quase o dobro do verificado em 2014 –, não deixa de ser lamentável que, mais uma vez, sejam os pequenos investidores o elo mais fraco desta equação. Não apenas no presente, que ficam sem acesso a um produto com capital garantido com uma taxa de juro atrativa, mas sobretudo no futuro, dado que a nova série é muito menos rentável do que a anterior.

É certo que qualquer solução encontrada pelo Governo para mitigar a subida do custo da dívida pela emissão de Certificados de Aforro seria alvo de críticas, mas colocar o ónus para o futuro sobre os pequenos investidores, reduzindo drasticamente a remuneração deste produto financeiro, não parece ser a solução mais sensata.

É bom lembrar que em dezembro de 1960, o Decreto-Lei que autorizou a emissão dos primeiros Certificados de Aforro, e que posteriormente resultou na emissão da Série A, referia que estes produtos seriam criados “com o objectivo de estimular o espírito de previdência” e de “conceder uma aplicação remuneradora aos pequenos capitais, sem que estejam sujeitos às oscilações do mercado de títulos.”

Na altura, a taxa de poupanças das famílias portuguesas era de 9,8%, tendo subido até ao valor recorde de 31,1% em 1972. No final do ano passado, a taxa de poupança das famílias era de 6,1%, menos 3,8 pontos percentuais face aos 9,9% em 2021.

É também importante relembrar que, ao baixar a remuneração dos Certificados de Aforro, o Estado retira também pressão aos bancos para subirem as taxas de juro dos depósitos, que são concorrentes diretos destes títulos de dívida do Estado: se até sexta-feira contavam-se apenas três depósitos mais rentáveis do que os Certificados de Aforro, agora são quase 30.

Sublinhe-se que em abril, a taxa de juro dos depósitos em Portugal continuava a ser a segunda mais baixa entre os países da Zona Euro. E em maio, apesar de a taxa de juro dos novos depósitos terem superado a fasquia de 1%, continuava a ser metade da taxa de juro média dos depósitos oferecida pelos bancos da Zona Euro. E assim, mais uma vez, também os pequenos aforradores, que maioritariamente têm as suas poupanças aplicadas em depósitos, voltam a sair prejudicados.

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