“Nunca senti falta de solidariedade do primeiro-ministro. A decisão de demissão foi minha”, diz Pedro Nuno Santos
Pedro Nuno Santos reconheceu na comissão parlamentar de inquérito à TAP que o processo de indemnização à antiga administradora, que ditou a sua saída do Governo, não correu bem.
Pedro Nuno Santos, antigo ministro das Infraestruturas e Habitação, reconheceu na comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP que o processo de saída da antiga administradora executiva da TAP, Alexandra Reis, “correu mal”. Disse também que nunca sentiu falta de solidariedade do primeiro-ministro.
“É um processo que correu mal, mas foi ele que ditou a minha saída do Governo e me faz estar aqui no Parlamento“, afirmou Pedro Nuno Santos na sua intervenção inicial, que fez sem qualquer papel escrito.
André Ventura, deputado do Chega, perguntou ao ex-ministro se fazia um mea culpa e se considerava que tinha sido negligente. “Eu fiz o meu trabalho de boa-fé. As coisas não correram bem. E assumi a responsabilidade demitindo-me”, respondeu. Por várias vezes acusou André Ventura de estar mais preocupado em “falar para o eleitorado” do que em apurar a verdade.
“Tinha e tenho uma boa relação com o primeiro-ministro. Vou vendo muitas leituras sobre a minha relação com o primeiro-ministro e o ministro das Finanças. Nunca senti falta de solidariedade do primeiro-ministro. A decisão de demissão foi minha“, afirmou, respondendo a Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda.
“A indemnização a Alexandra Reis é menos de 1% do trabalho com a TAP e menos de 0,5% do trabalho do Ministério”, sublinhou, no entanto, o ex-governante que, na semana passada, foi ouvido sobre a TAP, mas na Comissão de Economia, após cinco meses de silêncio. Pedro Nuno Santos afirmou que ele próprio deu autorização à ex-CEO para a substituição de Alexandra Reis numa reunião com Christine Ourmières-Widener. “A reunião foi comigo, a sós, e dei autorização”, afirmou.
“Era para mim fundamental, independentemente da minha opinião sobre Alexandra Reis, ter uma comissão executiva coesa, coerente, em que a CEO se revia na totalidade dos seus membros. Esse é um direito que na medida do possível deve ser reconhecido aos CEO”, disse para justificar a decisão.
O ex-ministro deu como exemplo a entrada de Paulo Macedo na presidência executiva da Caixa Geral de Depósitos, em que este pode escolher a sua equipa, sendo indemnizados os administradores que tiveram que sair. Na equipa original de Christine Ourmières-Widener estavam administradores que não tinham sido escolhidos pela nova CEO. Um deles era Alexandra Reis.
O antigo governante disse que esteve envolvido no início do processo e depois só no fim. “Não sabia de tudo”. Disse aos deputados que “foi confrontado com um valor que achava alto” [1,5 milhões] e depois com outro que ainda achava alto [500 mil euros], mas que segundo o meu secretário de Estado não era possível baixar mais. Por isso dei o OK”, relatou.
“O valor é alto em qualquer país do mundo. Em Portugal ainda mais. Mas é uma empresa em que os administradores ganham muito. Sendo um valor alto é conducente com os salários praticados”, justificou.
Sobre a violação do Estatuto do Gestor Público na cessação de funções de Alexandra Reis, Pedro Nuno Santos escudou-se dizendo que não lhe foi apresentado “um enquadramento jurídico ou alternativa. Fui confrontado com um valor e dei a minha opinião pessoal”, disse na sua intervenção inicial.
“O processo decisório é formal”
O ex-ministro respondeu também às acusações de informalidade na tomada de decisões no ministério que liderou, depois da divulgação das mensagens de WhatsApp com o ex-secretário de Estado das Infraestruturas em que autoriza a indemnização. “As decisões no Ministério das Infraestruturas não são tomadas por WhatsApp. No Ministério das Infraestruturas e Comunicações comunicamos de muitas maneiras. Outra coisa é o processo decisório e o processo decisório é formal”, atirou.
Disse também que na altura não tinha informação de que não tinha existido diálogo com as Finanças sobre a saída da antiga administradora executiva.
“Não sabia que não tinha havido contacto entre o secretário de Estado das Infraestruturas e o Secretário de Estado do Tesouro. Era normal que tivesse falado”, reconheceu Pedro Nuno Santos. O antigo ministro sublinhou, no entanto, que Hugo Mendes, que foi ouvido na véspera na CPI, “não tinha que o fazer, como a IGF aqui o disse, como o ex-ministro João Leão o disse”. “Não é a tutela setorial que tem levar o processo às Finanças. As empresas é que expõem processos junto das duas tutelas”.
Pedro Nuno Santos quis justificar os comunicados que enviou. Primeiro o pedido de esclarecimentos à TAP, partilhado pelas Finanças, sobre o acordo com Alexandra Reis. “O pedido de esclarecimento é sobre aquilo que não sabia: como se chega àquele valor. Mesmo que soubesse, precisamos sempre uma resposta formal da TAP para remeter à Inspeção-Geral de Finanças (IGF) e esta iniciar o processo de fiscalização”, justificou.
Bernardo Blanco confrontou-o com o facto de os benefícios do acordo com Alexandra Reis constarem da mensagem que lhe foi enviada pelo secretário de Estado das Infraestruturas. “Um ano depois não tinha memória sobre o montante e aquela troca de mensagens”, justificou, reconhecendo que só mais tarde, ao revisitar com a sua equipa o processo, identificou as mensagens. O que o levou a fazer um segundo comunicado onde assume que teve conhecimento e autorizou a saída de Alexandra Reis. “Ando na política há muito tempo. Fazer dois comunicados de demissão com três semanas de intervalo… Se soubesse [das mensagens] ter-me-ia poupado”.
E porque não foi aproveitada a iniciativa de Alexandra Reis, que no dia 29 de dezembro pôs o lugar à disposição num e-mail enviado às tutelas, devido à saída da HPGP (de Humberto Pedrosa) da estrutura acionista da companhia aérea, que a tinha indicado? Pedro Nuno Santos salientou que Alexandra Reis mostrava vontade em ficar e que a considerava “competente”, pelo que não havia motivo para que saísse. Nenhum membro do Governo respondeu ao e-mail.
“Não sei se a saída era a custo zero se fosse eu a falar” com Alexandra Reis
Cinco dias depois, a ex-CEO da TAP comunicou na reunião com Pedro Nuno Santos a vontade em substituir a administradora, lembrou Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda. “Cada um sabe como se relaciona com as pessoas. Eu podia ter dito à CEO ‘não diga nada à Engenheira Alexandra Reis e eu vou-lhe responder que faz sentido ela ir-se embora’. O que diria isso sobre mim?”, respondeu.
“A partir do momento em que a engenheira Christine tem autorização vai falar com Alexandra Reis, com suporte do acionista”, defendeu. “Não considerou ter conversa franca com a administradora e conseguir a saída a custo zero”, questionou Paulo Moniz, do PSD. “Não sei se a saída era a custo zero se fosse eu a falar. Se havia disponibilidade para sair não é ter sido eu a falar que transforma uma saída por zero no pedido de uma indemnização de 1,5 milhões”, apontou.
André Ventura confrontou Pedro Nuno Santos com o comunicado enviado pela TAP à CMVM onde é comunicada a renúncia da antiga administradora, para abraçar novos desafios profissionais. “Eu não conhecia o acordo que as duas partes assinaram. E o comunicado era a tradução do acordo e da solução jurídica a que tinham chegado as duas partes”, justificou o antigo ministro.
“Não olhei para o comunicado da CMVM como sendo uma mentira”, acrescentou, referindo que na correção do comunicado pela TAP, feita por determinação do supervisor do mercado de capitais, mantém-se a referência a uma “renúncia”, acrescentando que esta aconteceu “por acordo”.
A passagem de Alexandra Reis para a NAV, pouco depois de sair da TAP, também foi tema. Pedro Filipe Soares confrontou o ex-ministro com o facto mês e meio depois ter sido sondada para o cargo. Pedro Nuno Santos garantiu que os dois processos não estão relacionados e que o nome foi sugerido pelo seu secretário de Estado, Hugo Mendes. O deputado do Bloco de Esquerda salientou que, segundo o Estatuto do Gestor Público, Alexandra Reis teria de devolver parte da indemnização.
O antigo ministro garantiu que não falou com Fernando Medina antes deste convidar Alexandra Reis para secretária de Estado do Tesouro, cargo em que tomou posse a 2 de dezembro de 2022. “Ele não pede a minha opinião antes de convidar Alexandra Reis. Soube [que ia para o Governo] no dia em que foi tornado público. Fiquei com pena pela NAV, mas fiquei a achar que o Governo tinha ganho uma excelente secretária de Estado do Tesouro”.
Pedro Nuno Santos começou com uma nota de humor, antes mesmo do início da audição. “Como são dez horas trouxe snacks. Eu partilho, sou socialista”. “Esta é uma audição difícil para mim, com temas desconfortáveis para mim. Mas era uma audição que ansiava há muito tempo. Passaram seis meses desde que que saí do Governo”, recordou.
Na última ronda da CPI, avisou que estaria de regresso em breve ao Parlamento. “Não sou candidato a nada. Vou ser deputado no dia 4 de julho”, disse Pedro Nuno Santos.
Parlamento vai ter acesso às faturas que Neeleman cobrou à TAP
Antes da audição foi aprovado um requerimento do PCP a pedir à TAP e ao Ministério das Finanças de toda a documentação, troca de correspondência e faturas que tenham eventualmente sido remetidas à TAP por David Neeleman ou suas empresas (incluindo DGN), ou pela Atlantic Gateway, referentes a serviços de assessoria prestados a David Neeleman ou às suas empresas. Bem como toda a documentação de pagamentos efetuados pela TAP a consultores externos, ou outras entidades, relativas ao processo de aquisição da TAP e de negociação dos contratos com a Airbus desde 2014 até ao presente.
Pedro Nuno Santos era secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares quando, em fevereiro de 2019, foi convidado por António Costa para ministro das Infraestruturas e Habitação, sucedendo a Pedro Marques. Manteve-se no cargo no Executivo seguinte, saindo a 4 de janeiro deste ano, na sequência do caso da indemnização de 500 mil euros brutos paga a Alexandra Reis para deixar a administração da TAP. É apontado como um dos mais fortes candidatos a uma futura liderança do PS.
A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP em fevereiro de 2022, mas vai recuar até à privatização da companhia em 2015. Tomou posse a 22 de fevereiro, estando a votação do relatório final prevista para 13 de julho.
(notícia atualizada às 22h03)
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