14 administradores da TAP receberam nove milhões de euros em indemnizações
O antigo ex-secretário de Estado nega ter dado ordens à CEO da TAP para ignorar o Ministério das Finanças e diz que foi "infeliz" na resposta sobre voo de Marcelo.
Hugo Mendes, antigo secretário de Estado das Infraestruturas, considera “ridículo” achar que proibiu interação da TAP com o Ministério das Finanças, penaliza-se sobre a reação ao pedido para alterar voo do Presidente da República e defende saída de Alexandra Reis com a necessidade de “empoderar” a ex-CEO, Christine Ourmières-Widener.
O antigo governante, braço direito de Pedro Nuno Santos, fez uma longa intervenção inicial na comissão de inquérito, esta quarta-feira, onde tentou explicar os casos em que teve intervenção e rebater algumas das acusações deixadas na comissão parlamentar de inquérito à TAP. Uma delas é de que deu instruções à ex-CEO da TAP e ao presidente do conselho de administração para que a sua interação com o Governo passasse apenas pelo Ministério das Infraestruturas.
“É ridícula a afirmação de que queria impedir a TAP de comunicar com Finanças”, afirmou. Hugo Mendes disse que a troca de mensagem com Christine Ourmière-Widener, onde é dada a instrução para as Infraestruturas ser sempre a “porta de entrada” no Governo, dizia respeito a uma interação tida pela companhia com o Ministério do Trabalho, sem que tivesse conhecimento. Relatou que o mesmo aconteceu com a Administração Interna, Defesa e Negócios Estrangeiros.
Leu também a continuação da troca de mensagens, em que afirma a Christine Ourimières-Widener que a tutela “operacional e laboral” é o Ministério das Infraestruturas e a “financeira” são as Finanças. A tese alimentada sobre ter sido dada uma instrução para o contacto da TAP ser apenas com as Finanças “é absurda, grave e irresponsável”, reiterou, depois de ter sublinhado a “intensa cooperação que sempre existiu entre as tutelas”.
Uma relação que se tornou menos frequente após a aprovação do plano de reestruturação da companhia aérea, em dezembro de 2021. Apesar dela, Hugo Mendes não deu conta às Finanças do acordo para a saída da ex-administradora Alexandra Reis e o pagamento de uma indemnização de 500 mil euros. E, neste caso, reconheceu que falhou. “A verdade é que por uma questão de boa articulação política eu devia ter comunicado com as Finanças”, assume.
A verdade é que por uma questão de boa articulação política eu devia ter comunicado com as Finanças.
O ex-governante considerou, no entanto, que a decisão sobre o acordo de renúncia cabia à administração da TAP e que o Governo confiou no assessor jurídico da companhia, a SRS Legal. “Eu não estava e não me queria imiscuir nos pormenores jurídicos e nunca foram levantados riscos jurídicos”, afirmou. “Não me passava pela cabeça que não estava a ser seguido o enquadramento jurído correto”. No início de março, a Inspeção-Geral de Finanças concluiu que o acordo de saída de Alexandra Reis era ilegal, por violar o Estatuto do Gestor Público.
Hugo Mendes remeteu as responsabilidades para a companhia aérea e o seu departamento jurídico, considerando que “a camada de compliance da empresa falhou”.
Hugo Mendes justificou a aceitação da proposta para a saída da antiga administradora com a necessidade de “empoderar a autoridade da CEO na liderança da sua equipa”, face ao desejo de substituir uma vogal que não escolhera e com quem não tinha um alinhamento estratégico.
“Não somos nós que mandamos na comissão executiva. É a líder da comissão executiva. Demos a autoridade para a presidente da comissão executiva escolher parte da sua equipa”, dando-lhe condições para gerir a empresa num momento “duríssimo”, defendeu.
Hugo Mendes foi também confrontado com a ida de Alexandra Reis para a NAV, depois de sair com uma indemnização da TAP, que teve de devolver em boa parte. “Não há qualquer relação entre a saída da TAP e entrada na NAV. A NAV estava sem presidente e era preciso encontrar uma solução”, respondeu, sublinhando a competência da antiga administradora.
13 administradores receberam 8,5 milhões
Bernardo Blanco, deputado da Iniciativa Liberal, questionou Hugo Mendes sobre outras indemnizações pagas na companhia aérea e revelou que 13 antigos administradores que saíram da companhia entre 2020 e 2023 receberam 8,5 milhões de euros, incluindo Alexandra Reis. Juntando um outro administrador que saiu em 2017, a soma sobe para 9,3 milhões. Os dados constam de uma auditoria à EY sobre remunerações e indemnizações pagas na companhia, que já foi entregue à CPI. O ex-secretário de Estado respondeu que desconhece e não deu autorização a outras indemnizações.
“A gestão de Antonoaldo Neves [o CEO anterior] tinha bastante autonomia. Acharia estranho que alguma dessas indemnizações tenha sido paga após o Estado ter recuperado o controlo acionista [em julho de 2020]”, afirmou.
O deputado da Iniciativa Liberal acrescentou ainda que no mesmo período saíram da companhia aérea 296 pessoas que receberam indemnizações superiores a 100 mil euros, totalizando cerca de 40 milhões de euros. A conta inclui os trabalhadores que saíram devido ao plano de reestruturação implementado com a pandemia.
Hugo Mendes assumiu ainda que errou na resposta a um email da ex-CEO da TAP em que esta questiona sobre um pedido, recebido da agência de viagens que trabalha com a Presidência da República, para alterar um voo onde seguiria Marcelo Rebelo de Sousa. “Penalizo-me pelo comentário que fiz à CEO sobre a viagem do Presidente da República. Não devia ter partilhado opinião no conteúdo e na forma“, afirmou. “Limitei-me a partilhar uma opinião. Foi sem dúvida infeliz, mas não dei nenhuma instrução“, acrescentou.
Na altura, Hugo Mendes sensibilizou Christine Ourmières-Widener para a importância do apoio do Presidente da República ao plano de reestruturação. A ex-CEO decidiu não alterar o voo.
O ex-secretário de Estado afirmou que o ministério teve imensas pressões políticas, de agentes económicos e da sociedade civil, nomeadamente em relação às rotas. “Nunca cedemos a pressão externa nem fizemos pressão interna. Quem decide para onde a TAP voa é a comissão executiva”, garantiu.
Elogios a Frederico Pinheiro
Bernardo Blanco quis saber qual a opinião de Hugo Mendes sobre o antigo adjunto de Pedro Nuno Santos e depois de João Galamba, Frederico Pinheiro, que depois de exonerado foi ao Ministério das Infraestruturas buscar o seu computador, envolvendo-se em agressões. O ex-secretário de Estado deixou vários elogios.
“É uma pessoa inteligentíssima, versátil, rápida, um trabalhador incansável, preparadíssima no setor“, descreveu Hugo Mendes, sublinhando o seu “pensamento crítico” e capacidade de transmitir opiniões discordantes. “Sobre ser violento nunca me apercebi de nada. Quando chegava às reuniões cumprimentava toda a gente com um sorriso”, disse.
“Tenho a melhor das opiniões. Trabalhei com ele durante seis anos. Só lhe reconheço qualidades. Um excelente adjunto”, reiterou mais tarde, questionado pelo PSD.
Hugo Santos Mendes foi secretário de Estado das Infraestruturas de Pedro Nuno Santos entre 30 de março de 2022 e 4 de janeiro de 2023. Demitiu-se na sequência do caso da indemnização de 500 mil euros à antiga administradora Alexandra Reis. No Executivo anterior, tinha sido Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, também com o ministro das Infraestruturas e Habitação, de quem foi chefe de gabinete entre 2019 e 2020. Licenciado em Sociologia e mestre em Políticas Públicas pelo ISCTE, começou a trabalhar em governos socialistas em 2006, como assessor da Ministra da Educação.
A audição do antigo braço direito de Pedro Nuno Santos é a primeira de uma série de audições de peso esta semana, as últimas da CPI. Amanhã será a vez do antigo ministro das Infraestruturas e na sexta-feira do ministro das Finanças, Fernando Medina.
A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP em fevereiro de 2022, mas vai recuar até à privatização da companhia em 2015. Tomou posse a 22 de fevereiro, estando a votação do relatório final prevista para 13 de julho.
(notícia corrigida às 18h20 com dados sobre pagamentos a administradores. Artigo atualizado às 20h21)
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