“Se fomos todos enganados temos de tirar consequências” dos fundos Airbus para a TAP, diz Pires de Lima

António Pires de Lima, ex-ministro da Economia, diz que se os 53 aviões comprados pela TAP tiverem sido comprados acima do preço de mercado a capitalização foi ilegal. Mas não é essa a sua opinião.

Já lhe chamaram “doação”, “desconto comercial”, “contribuição” e “cash credit“. Os fundos oriundos da Airbus que David Neeleman usou para capitalizar a TAP na privatização de 2015 têm sido um dos temas quentes da comissão parlamentar de inquérito. Pires de Lima, antigo ministro da Economia, traçou uma linha: se os aviões comprados pela companhia aérea chegaram a preço de mercado foi tudo legal, como acredita. Se vieram mais caros, “é preciso tirar consequências”.

A Atlantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa, assumiu na compra de 61% da TAP em 2015 o compromisso de capitalizar a companhia aérea com 226,75 milhões de euros. Dinheiro que foi entregue ao empresário de nacionalidade brasileira e americana pela Airbus, no âmbito da desistência de um contrato para a compra de 12 aviões A350 e a aquisição de 53 aeronaves da família A320 e A330.

Uma análise legal da Serra Lopes, Cortes Martins & Associados, pedida pela TAP em 2022 e noticiada pelo ECO, considera que a capitalização poderá ser ilegal, por a companhia ter financiado a sua própria capitalização ao pagar mais do que as concorrentes pelos aviões. Uma avaliação pedida pela transportadora em 2022 à Airborne Capital, uma consultora irlandesa, conclui que a TAP estará a pagar até mais 254 milhões pelas aeronaves.

Já o parecer da Vieira de Almeida que o Governo usou para suportar a privatização em 2015 considera que a operação só violaria a lei “se a aquisição futura dos aviões pela TAP SA no âmbito do contrato não fosse realizada a preços de mercado”. As avaliações apresentadas à altura apontavam, pelo contrário, para um desconto.

“Os pareceres da Vieira de Almeida e da Serra Lopes Cortes Martins vão no mesmo sentido. Se os aviões tivessem chegado à TAP acima do preço justo existiria uma situação de assistência financeira, que é ilegal”, afirmou, assinalando, no entanto, que as avaliações de três entidades realizadas em 2015 garantiam que o negócio foi feito a preço de mercado ou mesmo com um desconto, que quantificou em 4%.

“Se amanhã se viesse a comprovar que os aviões foram comprados acima do preço de mercado e portanto foi a TAP que financiou a Airbus, que por sua vez financiou o senhor Neeleman”, então “estamos perante uma capitalização que não foi capitalização nenhuma”, considerou. “Se fomos todos enganados temos de tirar consequências”, afirmou. “Ainda bem que há instituições, e o Ministério Público, que estão a fazer averiguações”.

A esquerda confrontou Pires de Lima com o facto de o alegado desconto na compra dos aviões ter ido parar à DGN de David Neeleman em vez de diretamente à TAP.

“Eu acho que se põe com ligeireza em causa a Airbus neste processo. É uma empresa detida por Estados europeus e cotada em bolsa. Tenho dificuldade em acreditar que a Airbus se expusesse a fazer um negócio atribuindo a um acionista aquilo que no seu entendimento seria de um cliente seu. Seria um risco reputacional muito sério para a Airbus”, argumentou.

Tenho dificuldade em acreditar que a Airbus se expusesse a fazer um negócio atribuindo a um acionista aquilo que no seu entendimento seria de um cliente seu.

António Pires de Lima

Ex-ministro da Economia

A explicação racional é que a Airbus foi muito beneficiada com a compra de aviões que consta do plano estratégico e o senhor Neeleman usou-se disso. Negociou com Airbus que uma parte do dinheiro que a Airbus ia ganhar devia ser usada para o financiar a ele na capitalização da TAP”, conclui. “O senhor Neeleman apropriou-se de 227 milhões que eram da Airbus”, vaticina. Fez até umas contas rápidas, apontando um valor de 3 mil milhões para o contrato dos A350 e de 6 a 7 mil milhões para a encomenda de 53 aviões.

“O facto de o dinheiro vir da Airbus não significa um crime. O facto de David Neeleman, um empresário hábil, ter ido buscar o dinheiro à Airbus, não é crime”, atirou.

Pires de Lima contesta também a avaliação da Airborne Capital, apesar de afirmar que não conhece o estudo. “A informação que vou tendo é que é mais um parecer relativamente pouco fundamentado do que uma auditoria. Se fosse verdade esse estudo estaria a pôr em causa a honorabilidade do senhor Neeleman, do senhor Pedrosa, de quem os assessorou, da Airbus, do conselho de administração da TAP e dos administradores que vieram depois”, defendeu o ex-governante.

O atual CEO da Brisa avança uma eventual explicação para o relatório pedido à consultora irlandesa. “No âmbito do processo de reestruturação foi pedido à administração para reduzir custos junto de todos os administradores. Considero normal que um conselho de administração, com este mandato, tenha procurado cortar custos não só nos trabalhadores mas também nos fornecedores e tenham procurado matéria para renegociarem contratos. A Airbus é um dos principais fornecedores, se não o principal fornecedor da TAP”, sustentou.

“Quando a privatização foi decidida nós não tínhamos conhecimento dos fundos Airbus”, sublinhou o ex-ministro da Economia. “Algures na segunda quinzena de setembro [de 2015] fui informado pelo secretário de Estado Sérgio Monteiro da intenção da Atlantic Gateway usar fundos da Airbus para assegurar a quase totalidade da capitalização. Tanto para o Sérgio Monteiro como para mim estava claro que esses fundos da Airbus não podiam nunca ser financiados pela TAP. Nunca podiam significar um custo maior para os 53 aviões comprados”, sustentou.

Pires de Lima assinalou ainda que “o compromisso que a Atlantic Gateway assumiu connosco e que está nas cartas anexas de 24 de junho são independentes dos fundos Airbus. Se o senhor Neeleman não tivesse chegado a acordo com a Airbus para este mecanismo teria a obrigação de comprar a TAP à mesma“, argumentou.

Hugo Costa, do PS, confrontou ainda Pires de Lima com o facto de na mesma altura em que fechou o acordo com a Airbus, a brasileira Azul, de que Neeleman era acionista e presidente, também ter acordado com a fabricante uma encomenda de aeronaves. “Não tenho conhecimento. Suponho que sejam processos independentes. Se isso aconteceu não me parece que senhor Neeleman tenha cometido qualquer crime”, afirmou o atual CEO da Brisa.

Os socialistas lembraram ainda que o segundo Governo de Passos Coelho fechou a privatização dois dias depois de ter sido chumbado pela esquerda no Parlamento, esquerda essa que era contra a privatização. “Não é muito fácil ao PS procurar dar lições de ética ao Dr. Pedro Passos Coelho e ao Governo PSD/CDS”, respondeu o ex-ministro. “Vou ignorar a sua provocação porque estamos numa comissão parlamentar de inquérito“, retorquiu Hugo Costa.

Pires de Lima deu ainda os parabéns ao Governo socialista por ter mudado de opinião e estar agora “tão empenhado em privatizar a TAP no segundo semestre de 2023”. Uma operação que vai acontecer em “circunstâncias muito diferentes”. “A TAP agora tem capital em abundância”, como assinalaram Mário Centeno e João Leão, disse.

António Pires de Lima foi ministro da Economia do Governo PSD/CDS entre 2013 e 2015, estando em funções quando foi preparado o processo de privatização de 61% da TAP à Atlantic Gateway de David Neeleman e Humberto Pedrosa. A operação foi fechada a 12 de novembro já no segundo (e curto) Executivo de Passos Coelho, com Miguel Morais Leitão como ministro. Com uma longa carreira de gestor, o atual CEO da Brisa já tinha sido ouvido sobre a companhia aérea no início de abril, mas na Comissão de Economia e Obras Públicas.

A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP em fevereiro de 2022, mas vai recuar até à privatização da companhia em 2015. Tomou posse a 22 de fevereiro, estando a votação do relatório final prevista para 13 de julho.

(notícia atualizada às 20h03)

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