Exclusivo Governo de Passos validou negócio de Neeleman na TAP com parecer da Vieira de Almeida
No dia em que o Governo de Passos fechou a operação de privatização, a Vieira de Almeida entregou um parecer à TAP e para consulta da Parpública, que suporta juridicamente o uso dos fundos da Airbus.
A aquisição de 61% da TAP pela Atlantic Gateway de David Neeleman e a capitalização da companhia aérea, com base num negócio de compra de 53 aviões da Airbus, seria do conhecimento do acionista Estado, através da Parpública, empresa tutelada pelo Ministério das Finanças, à data liderado por Maria Luís Albuquerque.
Os 226,75 milhões de dólares em prestações suplementares que o empresário de nacionalidade norte-americana e brasileira colocou na TAP SGPS e que garantiram a privatização vieram diretamente da Airbus, como indica uma análise legal da Serra Lopes, Cortes Martins & Associados (SLCM) revelada pelo ECO. Dinheiro que terá sido entregue em contrapartida de um negócio de compra de 53 aviões ao fabricante europeu, fechado pelo próprio David Neeleman, e que segundo os advogados pôs a companhia aérea a pagar a sua própria capitalização, violando o Código das Sociedades Comerciais. O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) tem já a decorrer um inquérito com base nestes indícios.
Para aferir a legalidade da operação, foi pedido pela companhia aérea em 2015 um parecer jurídico à Vieira de Almeida (VdA), que além da TAP SGPS podia ser consultado pela Parpública, a empresa que gere as participações do Estado, tutelada pelo Ministério das Finanças e acionista da transportadora. O documento, a que o ECO teve acesso, tem a data de 12 de novembro de 2015, precisamente o dia em que se consumou a privatização, e refere expressamente a disponibilização dos “Fundos Airbus” à DGN de David Neeleman, e desta à Atlantic Gateway, para a capitalização da companhia aérea.
Refere também a desistência do contrato para o leasing de 12 aeronaves A350 e a celebração de outro para 53 novas aeronaves. Um negócio que terá lesado a TAP num valor que pode ascender a 444 milhões de euros, segundo a consultora Airborne.
O parecer indica de forma clara que, “segundo a Airbus, a disponibilização dos Fundos Airbus à DGN funda-se na relação comercial de longo prazo entre a DGN e a Airbus; no apoio ao turnaround plan da Atlantic Airways para a TAP, incluindo a renovação da frota (com aviões Airbus); a substituição da encomenda dos A350 por A330 Neo e a compra incremental de novos aviões A330neo e A320 neo”.
A Parpública era liderada desde o início de 2014 por Pedro Ferreira Pinto, nomeado por Maria Luís Albuquerque, que em julho do ano anterior tinha entrado para o lugar de Vítor Gaspar no Ministério das Finanças do primeiro Executivo de Pedro Passos Coelho. A secretária de Estado do Tesouro era Isabel Castelo Branco. Do lado da tutela setorial, a privatização foi conduzida pelo Ministério da Economia, liderado por António Pires de Lima, com o seu secretário de Estado das Infraestruturas, Sérgio Monteiro, a assumir o protagonismo. O decreto-lei da privatização, de 24 de dezembro de 2014, é assinado por Pedro Passos Coelho e os dois ministros referidos.
A 12 de junho de 2015 o Conselho de Ministros seleciona como vencedora da privatização a proposta da Atlantic Gateway, que além de David Neeleman é detida em 50,1% por Humberto Pedrosa. Pelas regras europeias uma companhia aérea não pode ser controlada por um acionista de fora da UE. Três dias depois, Sérgio Monteiro vem defender que a proposta de David Neeleman é aquela que “atende de forma mais conseguida e mais rápida os desafios que a empresa tem de enfrentar no curto prazo”, argumentando que representa “mais dinheiro, mais cedo no tempo para fazer face aos desafios de tesouraria que a TAP tem”.
No dia seguinte, a DGN assina um memorando de entendimento com a Airbus, que mais tarde vem a resultar na entrega dos 226,75 milhões de dólares e no negócio dos aviões, segundo a cronologia que consta da análise legal preparada para a TAP em agosto de 2022 pela Serra Lopes, Cortes Martins & Associados (SLCM). A 24 de junho, é celebrado o acordo de venda direta das ações da TAP entre a Parpública e a Atlantic Gateway. Tudo no espaço de 12 dias.
Privatização com novos protagonistas
Ainda que o processo já estivesse definido, a privatização será concretizada já no segundo Governo de Passos Coelho, com alguns novos protagonistas. Se Maria Luís Albuquerque se mantém como ministra das Finanças e Isabel Castelo Branco como secretária de Estado do Tesouro, na Economia passa a estar Miguel Morais Leitão, escolhido pelo CDS, com Miguel Pinto Luz, atual vice-presidente do PSD, como secretário de Estado das Infraestruturas.
O novo Executivo da coligação PSD/CDS aprova o fecho da operação contratualizada em junho a 12 de novembro, dois dias depois de o Governo ser chumbado pela esquerda na Assembleia da República. A resolução de Conselho de Ministros realça que “a entrada imediata de fundos na companhia constitui uma necessidade urgente, imperiosa e inadiável”, que a conclusão da privatização “viabiliza”. No final da reunião, Isabel Castelo Branco e Miguel Pinto Luz anunciam a decisão em conferência de imprensa. Três dias antes terá sido feita uma apresentação pela Atlantic Gateway onde é descrita a disponibilização dos fundos Airbus e o negócio dos aviões. A SLCM não indica, no entanto, quem esteve nessa apresentação.
Também a 12 de novembro são formalmente transmitidos da Parpública para a Atlantic Gateway os 61% da TAP e é eleito um novo conselho de administração, para onde entram Humberto Pedrosa, como chairman, e David Neeleman, como não executivo. Fernando Pinto mantém-se como CEO, sendo acompanhado na comissão executiva por David Pedrosa (filho de Humberto Pedrosa) e Maximilian Otto Urbahn. É já esta administração que aprova o cancelamento do contrato para os 12 A350 e aprova a aquisição de 53 novas aeronaves, após parecer favorável do conselho fiscal, onde tinham assento Sérgio Rodrigues, a Baker Tilly, PG & Associados e Maria Susana Almeida Rodrigues.
Aquela é também a data do parecer da Vieira de Almeida, que ao contrário da SLCM considera não existir uma violação do artigo 322.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), que proíbe uma sociedade de conceder empréstimos ou, por qualquer forma, fornecer fundos ou prestar garantias para que um terceiro subscreva ou, por outro meio, adquira ações representativas do seu capital. A sociedade advogados argumenta que a DGN e a AG não estão a usar os Fundos Airbus para comprar as ações da TAP mas para realizar a capitalização.
A Vieira de Almeida entende também que não existe uma violação do artigo 397.º, que estabelece a proibição da realização de determinados negócios entre a sociedade e outras das quais os seus administradores também sejam administradores. Isso só aconteceria “se a aquisição futura dos aviões pela TAP SA no âmbito do contrato não fosse realizada a preços de mercado”. A documentação entregue pela TAP à sociedade de advogados juntava a avaliação de três appraisers para o valor das aeronaves a receber, indicando que o preço cobrado pela Airbus estava abaixo do valor de mercado. O que veio a ser contestado em 2022 pela Airborne, que discorda do método de avaliação adotado, concluindo que a TAP pagou mais do que as concorrentes pelas mesmas aeronaves.
A Vieira de Almeida realça que a sua análise é estritamente jurídica, não se pronunciado sobre o mérito económico ou financeiro da capitalização ou da utilização dos Fundos Airbus. A análise também não inclui a ponderação do risco jurídico ou do impacto financeiro na TAP SGPS e suas subsidiárias decorrentes da estrutura contratual erigida pela DGN, a AG e a Airbus com vista à disponibilização dos fundos. Observa ainda que não tem capacidade para verificar a idoneidade dos appraisers ou a qualidade das suas avaliações.
Em outubro do ano passado, depois de o atual Governo ter enviado a nota legal da SLCM e a avaliação Airborne para o Ministério Público, David Neeleman veio garantir que toda a estrutura contratual relativa à compra dos novos aviões entre a Airbus, Atlantic Gateway e TAP, bem como todos os passos necessários, “foram dados a conhecer aos intervenientes e decisores relevantes, em momento anterior à privatização e no momento da reorganização acionista e foram, como tinha de ser, objeto de análise posterior pelo Tribunal de Contas”. Os juízes não identificaram qualquer irregularidade.
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