Pedro Nuno Santos contraria Neeleman e defende auditoria feita pela TAP. “Não é um papel, como aqui já ouvi”, disse
Pedro Nuno Santos reconheceu na comissão de inquérito que o acordo parassocial assinado pelo Governo PS obrigou a pagar 55 milhões a Neeleman.
Pedro Nuno Santos, ex-ministro das Infraestruturas, defendeu esta quinta-feira na comissão parlamentar de inquérito à TAP a auditoria feita pela companhia aérea ao negócio de aviões com a Airbus, onde se conclui que a transportadora portuguesa ficou a pagar mais do que as concorrentes pelas aeronaves e terá pago a sua própria capitalização.
Os chamados “fundos Airbus” têm sido um dos temas mais focados na comissão de inquérito, sendo defendidos pelos ex-governantes do PSD e criticados pelos do PS. Pedro Nuno Santos não foi exceção.
“Eu tendo a confiar na auditoria pedida pela TAP. A TAP não pede a auditoria porque o Governo pediu. A TAP pede a auditoria porque concluiu que está a pagar mais do que os concorrentes pelos aviões. Não é um papel, como aqui já ouvi“, disse o ex-ministro, referindo-se à audição de Pires de Lima, antigo ministro da Economia, que defendeu a validade das avaliações feitas por três entidades em 2015.
A Atlantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa, assumiu na compra de 61% da TAP em 2015 o compromisso de capitalizar a companhia aérea com 226,75 milhões de dólares. Dinheiro que foi entregue ao empresário de nacionalidade brasileira e americana pela Airbus, no âmbito da desistência de um contrato para a compra de 12 aviões A350 e a aquisição de 53 aeronaves da família A320 e A330.
Uma análise legal da Serra Lopes, Cortes Martins & Associados, pedida pela TAP em 2022 e noticiada pelo ECO, considera que a capitalização poderá ser ilegal, por a companhia ter financiado a sua própria capitalização ao pagar mais do que as concorrentes pelos aviões. Uma avaliação pedida pela transportadora em 2022 à Airborne Capital, uma consultora irlandesa, conclui que a TAP estará a pagar até mais 254 milhões de dólares pelas aeronaves. A transportadora pediu também um parecer à britânica Norton Rose Fulbrigt, para avaliar a possibilidade de o contrato com a Airbus ser contestado em Londres.
“Ouvi aqui a desvalorização dessa auditoria. Se as avaliações são relevantes e não as podemos desconsiderar, também não podemos desconsiderar a auditoria da TAP”, argumentou Pedro Nuno Santos, lembrando que a Airborne Capital é uma “auditora especializada em aviação”.
Bruno Dias, do PCP, questionou o ex-ministro sobre uma carta da Airbus enviada na altura em que esta refere que os 227 milhões, entregues a David Neeleman, se tratavam de um desconto pela magnitude da encomenda de aeronaves. “O desconto comercial é da TAP. O desconto comercial não é dado ao patrão ou ao acionista”, afirmou. “Quanto mais olhamos para o negócio dos fundos Airbus com mais dúvidas ficamos sobre as prestações acessórias ficarem por 30 anos na empresa e de quem seriam”, acrescentou.
A intervenção de Pedro Nuno Santos foi também uma resposta a David Neeleman, que num artigo publicado no Observador defende-se das acusações e critica a auditoria da TAP.
“Os ex-governantes ouvidos na CPI contrapõem e geram antes uma obsessão pública por uma avaliação que é tudo menos independente, que foi encomendada em 2022, pelo Governo do PS, através da própria TAP, numa altura em que estava já claro para o Governo atual que a intervenção pública na TAP tinha sido uma decisão ruinosa para o Estado português”, escreve o antigo acionista da TAP.
“Uma avaliação que é opaca, com critérios que ninguém conhece, que não foi tornada pública e que provavelmente usou como referencial preços pós-pandemia. Também não sabemos se os preços dos aviões são sequer comparáveis. São preços com ou sem recheio? E com que tipo de recheio? E as datas da encomenda e das 53 entregas são similares? No preço de um avião há tantas variáveis que podem resultar em diferenças de milhões para o mesmo modelo. E sem conhecermos a dita avaliação é impossível responder a ela”, acrescenta.
É “muito conveniente para quem quer diabolizar o investidor estrangeiro e passar a mensagem de que o “mau” do empresário americano privado (que levou a companhia de um valor negativo de 512 milhões até ao valor positivo de 1.000 milhões sem um euro de investimento público) é o culpado da ruinosa gestão pública da TAP”, argumenta David Neeleman.
Ex-ministro admite que acordo parassocial condicionou negociação
Em 2020, já depois da pandemia, o Governo aprovou um empréstimo de emergência de 1,2 mil milhões para a TAP, convertível em capital. A Atlantic Gateway foi contra e chegou a ser chumbado pelo conselho de administração, numa reunião em que os seis administradores nomeados pelo Estado votaram a favor e os 6 dos privados se abstiveram, precisou o ex-ministro.
O motivo prendeu-se com divergências com o Governo em relação a “questões de que o Estado não queria abdicar” sobre o reforço do controlo da empresa. A oposição dos privados obrigou a negociar a saída de David Neeleman do capital, pagando 55 milhões de euros.
Pedro Nuno Santos explicou, como já fizera na semana passada na Comissão de Economia, que o valor resultou de uma negociação mediada pelos advogados e que o valor foi “o ponto de encontro” a que se chegou.
O ex-ministro reconheceu que a Atlantic Gateway poderia reclamar em tribunal o pagamento de 224 milhões de euros em prestações acessórias, possibilidade que lhe foi conferida pelo acordo parassocial assinado no âmbito da recompra de parte do capital da TAP pelo Governo de António Costa em 2017. “Obviamente decorre da interpretação jurídica que foi feita do acordo parassocial”, assumiu. Este tem sido um dos pontos em que a direita mais tem insistido para criticar a opção do PS.
Na negociação com David Neeleman, a nacionalização da companhia aérea esteve em cima da mesa. “A ameaça de nacionalização não era bluff. Nós não queríamos nacionalizar a empresa, mas o mais importante era não deixar a empresa fechar“, garantiu.
Pedro Nuno Santos era secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares quando, em fevereiro de 2019, foi convidado por António Costa para ministro das Infraestruturas e Habitação, sucedendo a Pedro Marques. Manteve-se no cargo no Executivo seguinte, saindo a 4 de janeiro deste ano, na sequência do caso da indemnização de 500 mil euros brutos paga a Alexandra Reis para deixar a administração da TAP. É apontado como um dos mais fortes candidatos a uma futura liderança do PS.
A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP em fevereiro de 2022, mas vai recuar até à privatização da companhia em 2015. Tomou posse a 22 de fevereiro, estando a votação do relatório final prevista para 13 de julho.
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