As sanções internacionais à federação russa. Os alvores de um novo capítulo da Ordem Jurídica Mundial

  • Paulo Saragoça da Matta
  • 20 Julho 2023

Não raro, contudo, principalmente as Guerras ocorridas em solo europeu, acabaram por ser os motores de fortíssimas evoluções sociais, artísticas, económicas, tecnológicas e… jurídicas.

É constatação óbvia que as Guerras são dos eventos mais traumáticos que se podem viver. Seria ocioso tentar elencar todos os malefícios, tragédias, desgraças e sofrimento que trazem, seja colectiva, seja pessoalmente, para todos quantos são esmagados pelas vontades soberanas beligerantes.

Não raro, contudo, principalmente as Guerras ocorridas em solo europeu, acabaram por ser os motores de fortíssimas evoluções sociais, artísticas, económicas, tecnológicas e… jurídicas. Evoluções, pois, apesar da regressão temporária que causam, a experiência da Guerra aguça o engenho, desperta a semente da mudança de pensamentos.

Olhando para o “Jurídico”, é inequívoco que, com as duas Grandes Guerras do Século XX, o Direito se desenvolveu muitíssimo, principalmente quanto à consciência da “humanidade” ínsita em todos e cada um de nós. Deixámos de nos bastar com elencos formais de Direitos e Garantias, desenvolvemos estruturas e mecanismos de afirmação prática dos mesmos, procurámos garantir que as declarações não fossem wishfull thinking, criámos estruturas orgânicas de gestão da ordem jurídico-política mundial, etc.

Não vai ser diferente com a “Guerra da Ucrânia”! Logo nos alvores dela se anteviu qual seria o plus que traria a nível jurídico-político: a efectivação do princípio de o agredido ser indemnizado pelo agressor, face a uma guerra “ilícita”.

Com a aplicação de sanções económicas internacionais à Federação Russa, foi inequívoco o objectivo imediato de dissuadir a continuação da agressão; porém, o objectivo mediato foi para nós também evidente: permitir o ressarcimento do agredido pela destruição quase total de vastas áreas do seu território, incluindo infraestruturas fulcrais, essenciais à sobrevivência do Estado Ucraniano, mas também ao comércio mundial e a vastas populações de outras partes do Globo.

E será assim que acontecerá! Não se sabe ainda é como.

Na verdade, o Direito Internacional Geral, o D. I. Convencional, o Direito interno de muitos Estados Ocidentais, já previam e já executaram sanções a pessoas singulares sancionadas pela prática de actos ilícitos, ou a quem foram impostas obrigações de ressarcimento ou de perda de bens ou produtos da prática desses ilícitos. De que os casos de crime de branqueamento de capitais são exemplo maior e de fácil enquadramento. São conhecidos os congelamentos de bens, estamos habituados às disputas jurídicas desenvolvidas pelos titulares dos bens congelados, bem como aos processos penais, cíveis ou administrativos que dão como provada a existência de um “ilícito” que é pressuposto das “perdas”.

Com o que os sistemas normativos nunca tinham sido confrontados é, porém, a situação muito específica da Guerra da Ucrânia: em que o sancionado é um Estado soberano, sujeito de direito internacional público por excelência, dotado de imunidades e prerrogativas jurídicas e judiciais que nenhum Estado aceita perder; e em que os bens alvo da sanção de “congelamento” gozam de igual imunidade. O grande desafio, que trará mais uma evolução jurídica global, é mesmo este: discutir as imunidades e prerrogativas dos Estados nestas circunstâncias; aquilatar da necessidade da Sentença Judicial final para a declaração de perda dos bens ou não; aceitar, contra todos os princípios (ou criar mecanismo que permita aceitar), a transmutação dos bens, instrumentos e produto (da meramente alegada e eventual prática de ilícito), em capital ressarcitório do Estado lesado. E é da mais embrenhada reflexão sobre todos estes problemas fundamentais, que agora desenvolvemos, que nascerá um novo capítulo da ordem jurídica mundial.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

  • Paulo Saragoça da Matta
  • Sócio da DLA Piper

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