Estagiários a serem pagos: a indignação que indigna

E se é certo que alguns advogados em prática individual vivem com algum aperto financeiro, certo é também que muitos patronos aproveitam este estágio para ter ali mão de obra a custo zero.

No já famoso e contestado processo de alteração da Lei das Associações Públicas Profissionais, e com alteração dos respetivos estatutos de cada Ordem profissional, um ponto salta logo à vista e tem sido alvo de destaque (e de críticas!).

Diz o diploma – já aprovado em Conselho de Ministros e que segue agora para aprovação na Assembleia da República – que todos os advogados estagiários vão agora ter de ser remunerados. A justificação do Governo é a de garantir maior transparência e combater o trabalho precário. Obrigando, assim, as ordens profissionais, a atribuir uma remuneração mínima mensal de 950 euros, valor equivalente ao salário mínimo acrescido de 25%. O objetivo do Governo foi o de “garantir que nenhum jovem licenciado ganhe o salário mínimo “, como explicou a ministra. Uma medida que – no meio de toda esta pressa que tem sido uma constante do Governo a legislar nesta questão – faz todo o sentido.

Mas desde logo os líderes das várias ordens profissionais consideraram que esta medida pode ter o efeito contrário ao que é esperado pelo Governo. Em concreto, são os bastonários dos advogados e dos solicitadores e agentes de execução que estão contra a medida porque defendem que a maioria dos patronos não vai ter dinheiro para pagar aos estagiários.

E em última instância, os prejudicados serão os jovens licenciados que vão ver dificultado o acesso à profissão, argumentam. Um argumento falacioso já que a precariedade dos advogados não pode começar desde logo no início da carreira. E se é certo que alguns advogados em prática individual vivem com algum aperto financeiro, certo é também que muitos patronos aproveitam este estágio para ter ali, à mão de semear, mão de obra a custo zero. O que não acontece nas sociedades de advogados de média e grande dimensão, já que todos os estagiários são remunerados ao longo dos três anos de estágio (que agora também será mais curto, com duração obrigatória até 12 meses).

Vejamos: a Ordem dos Advogados só em receitas de estágios com o pagamento da taxa de inscrição, estima receber em 2023 mais de dois milhões de euros (2.153.961 euros). Dados de 2022 apontam que em Portugal existem mais de 4 mil advogados estagiários inscritos na OA e nem todos com boas condições laborais, a par com elevados gastos para Ordem, desde inscrição, provas escritas e orais, seguros e togas. A única contribuição que estão isentos de pagar, enquanto realizam o estágio, é a para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores. Feitas as contas, do início ao fim do estágio, um jovem licenciado tem de pagar dois mil euros. Além da inscrição, o estagiário ainda tem de pagar 15 euros por mês, de quotas à OA. No que toca à Ordem dos Advogados, cujo mandato tem sido marcado pela preocupação dos direitos sociais dos advogados, não se entende como é que a primeira palavra de apoio não seja para os jovens em início de carreira.

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