Falta de informação condiciona comerciantes na preparação da Jornada Mundial da Juventude. Restaurantes e cafés dizem ao ECO esperar boa afluência de clientes e preparam menus a "preços acessíveis".
A um mês do arranque da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em Lisboa, os restaurantes e cafés queixam-se de que a informação transmitida pela organização é “dispersa”, “escassa” e a “conta-gotas”, o que dificulta a preparação dos negócios para o mega evento na capital. Ao ECO, os estabelecimentos antecipam uma boa afluência de clientes e alguns já preparam menus a “preços acessíveis”. Mas há também quem pondere fechar as portas e vender só para fora.
“Não tivemos grande informação da organização. A informação foi dispersa e a conta-gotas”, lamenta André Marques, diretor financeiro do “Mar Peixeiria”, um dos restaurantes situado junto ao Parque Tejo, onde irá decorrer a vigília dos peregrinos e a missa presidida pelo Papa Francisco, a 5 e 6 de agosto, respetivamente. “Nunca nos foi mostrado um programa com pés e cabeça, fixo e com mapa de como isto tudo vai ser”, acrescenta, referindo-se nomeadamente a um eventual condicionamento das estradas ao trânsito, que poderá “trocar as voltas” aos seus fornecedores.
“Vieram cá duas vezes: a primeira ainda muito no ar, a segunda com um pouco mais de informação, mas ainda não nos conseguiam explicar se há acesso direto aqui para o parque”, adianta o responsável financeiro do grupo, que detém também os restaurantes “Carneria”, “u.m.i Ásia” e “Forneria”, também localizados no Parque das Nações. Ainda assim, o grupo vai “tentar aproveitar ao máximo” o evento, estando, por isso, a “preparar um serviço um bocado diferente”.
Para esses dois dias, preveem colocar “umas bancas lá fora para servir com menus específicos” e vender também bebidas. A ideia passará por ajustar o serviço de cada um dos restaurantes, tendo em vista vender “coisas rápidas e simples”, como hambúrgueres, fatias de piza e “pokes ou combinados” a um “preço acessível”, explica.
No entanto, o grupo optou por não aderir à rede de restauração que irá disponibilizar refeições aos peregrinos e voluntários entre 1 a 6 de agosto. Criada através de um protocolo celebrado entre a organização da JMJ e a AHRESP – Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, conta com mais de 1.000 estabelecimentos inscritos, longe do objetivo “muito ambicioso” de superar os 2.500 estabelecimentos para servir a estimativa de mais de três milhões de refeições.
A rede é formada por “estabelecimentos da restauração tradicional, retalho alimentar, cadeias, restauração social (IPSS), coletiva (cantinas)”, detalha a organização da JMJ ao ECO, admitindo que, “caso seja necessário”, haverá “pontos estratégicos” dinamizados pela própria organização.
Os restaurantes aderentes terão um “símbolo identificativo da JMJ” e “só servirão refeições aos participantes que apresentem, para leitura no estabelecimento, o voucher digital (QR code, código de barras e/ou código numérico) que lhes é atribuído no momento do registo em Lisboa”, explica ainda a organização.
“Do conhecimento que temos, acho que ninguém aderiu. Vender a sete euros? Não somos o Mcdonald’s. É impensável”, atira André Marques, referindo que “o ticket médio” dos restaurantes do grupo “é entre os 20 e os 25 euros”. Embora os preços ainda não estejam definidos, o responsável garante que as refeições não deverão ultrapassar “os 10 a 15 euros, mais coisa, menos coisa”. “Já falámos com os fornecedores de bebidas, porque, à partida, por causa do calor, vamos necessitar. Já estamos a tentar abastecer-nos para esse período, mas pouco mais do que isso”, remata.
A falta de informação é igualmente referida por David Pinheiro, dono da “Hã… Burgueria Com Todos”, também localizada junto ao Parque Tejo. “Estamos completamente às cegas. A única coisa que aconteceu foi terem contactado para saber se queríamos fazer parte do slot de restaurantes para aderir ao protocolo”, diz, ao ECO, referindo que ainda não sabe “as horas e se os fornecedores vão poder fazer as entregas”.
Câmara antecipa “janelas horárias” para cargas e descargas
O atraso na divulgação do plano de mobilidade tem, aliás, suscitado críticas por parte dos autarcas. Na quinta-feira, a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares adiantou que “tem havido articulação com as câmaras municipais e com a empresa da Área Metropolitana que está a trabalhar neste plano”, bem como com as forças de segurança. Segundo Ana Catarina Mendes, o plano “será conhecido durante os próximos dias, isto é, entre o dia 10 e 14 de julho” para que os cidadãos possam saber quais “as artérias que vão estar condicionadas ao trânsito” durante a semana da JMJ.
Contactada pelo ECO, fonte oficial da Câmara Municipal de Lisboa (CML) aponta que as “questões relacionadas com a circulação automóvel” deverão constar no plano de mobilidade que é da “responsabilidade do Governo”, mas sublinha que a autarquia “foi ouvida e deu os seus contributos no processo”.
“O comércio vai estar aberto. Existem, no entanto, algumas situações em que os estabelecimentos, caso estejam dentro do perímetro do recinto dos eventos com o Papa Francisco, poderão ter limitações de funcionamento nesses dias, decorrentes do Plano de Segurança que as autoridades vão determinar para os eventos. Isso vai obrigar a algumas restrições nas cargas e descargas, já que os corredores pedonais por onde vão circular os peregrinos estão ainda por definir. Mas o princípio é tudo estar a funcionar”, adianta ainda fonte oficial da autarquia, sublinhando que “em breve” serão conhecidas as respetivas “janelas horárias” para cargas e descargas.
“Difícil mobilizar restauração com valores tão baixos”
Tal como André Marques, David Pinheiro enviou uma proposta de menu por um custo de 8,50 euros com bebida incluída, mas esta não foi aceite pela organização.“Disseram que estava desfasado e nós não conseguimos baixar”, explica, justificando que já tem “as margens esmagadas”. Ainda assim, o responsável tem boas expectativas para esses dias: “Vai ter tanta gente, que vão acabar por entrar”.
Apesar da “escassez de informação”, o dono da “Hã… Burgueria Com Todos” diz que, “além do reforço de stock”, a “única alteração” que vão fazer é não fechar o restaurante, mantendo-o aberto entre as 12h e as 22h. Quanto ao número de funcionários a trabalharem nesses dias, vai depender de terem ou não autorização para colocar uma esplanada extra.
Em declarações ao ECO, o presidente da Associação Nacional de Restaurantes afiança que chegou a alertar a organização da JMJ que “seria difícil mobilizar a restauração com valores tão baixos”. “Inicialmente, falaram em cinco euros, mas chamámos à atenção que era completamente impossível. Naturalmente, o que indicámos (foi) um valor sofrível, que seria entre 10 euros a 12 euros” por refeição. Além disso, Daniel Serra salienta que “a maior parte das queixas” dos seus associados “é a falta de informação”. “Mesmo do ponto vista da PSP, da câmara, ainda não há informação cabal se vão haver zonas encerradas ou não”, o que dificulta a preparação, aponta.
Uns metros à frente, também Luís Francisco, funcionário do restaurante “Paullu’s”, diz que “o patrão está a ver o que vai fazer”, mas sublinha que “eventualmente” terão de fechar o restaurante “e meter bancas lá fora com bifanas”. “Vai ser um pandemónio. Ninguém vai ter capacidade até para casas de banho”, atira.
Por sua vez, Nuno Vicente, dono do Rocket.bar, assegura que a maior aposta vai ser mesmo na venda de bebidas. “Vamos reforçar o stock em cerca de 20% e 30%”, afirma. Mas, uma vez mais, a falta de informação está na raiz das dificuldades de preparação para a semana da JMJ. “A informação que tenho é de pessoas que conheço que estão envolvidas no projeto”, conclui.
Porém, segundo a organização, existem orientações para a elaboração de ementas, que consistem em três tipos de menus: 2 EAT IN, em que a refeição é consumida num estabelecimento de restauração; 2 GO REST, que consiste em comida take away servida em unidose, mas apenas em centros de alimentação fixos (grandes restaurantes) ou provisórios (tendas); e 2 GO_SUPER, um menu grab&go servido exclusivamente em super e hipermercados. “As refeições serão pagas pela Fundação JMJ Lisboa 2023 de acordo com os menus negociados e acordados com cada estabelecimento“, indicou ao ECO fonte da organização.
A opinião é semelhante junto a outros dois estabelecimentos em Sacavém. “Estamos a preparar-nos internamente”, nomeadamente para ter “mais oferta de sandes, bolos, salgados e bebidas”, mas “não tivemos informações de nada”, conta Manuel Serrano, dono do café “Laranja”.
Ainda assim, ao contrário dos restantes comerciantes ouvidos pelo ECO, Manuel Serrano é cauteloso nas expectativas. “Estou de pé atrás porque quando foi a Expo 98 houve muita publicidade e depois deu-nos zero. É o que vai acontecer” na JMJ, atira. “Há muita coisa lá para baixo e eles ficam por ali”, completa a esposa.
Assim, o plano é “ver o andamento” da clientela, mas, mesmo assim, Manuel Serrano quer estar preparado para visitas inusitadas. “Até já falei com o meu fornecedor de café porque tenho os toldos todos feios e já lhe disse: ‘Imagina que vem aqui o Papa tomar o café e eu tenho os toldos assim’ É uma vergonha!”, brinca, antecipando uma mudança no estabelecimento.
Por sua vez, Júnior Ali, filho do dono do restaurante “Outra Loiça”, também em Sacavém, diz que não haverá grandes mudanças no seu negócio. “Não vai haver nenhum menu especial”, uma vez que trabalham à carta. “O meu pai disse para não encomendar nada até chegar a última quinzena de julho. Vamos ver como vai estar“, refere. Questionado sobre se eventualmente iria fechar portas e vender só para fora, o responsável descarta essa hipótese. “A comida não dá lucro. O que dá lucro é a bebida e sobremesa”, justifica.
Para as JMJ são esperadas cerca de 1,5 milhões de pessoas, sendo que o Governo prevê desembolsar 30 milhões de euros (sem IVA), enquanto as autarquias de Lisboa e Loures investem 35 e 10 milhões, respetivamente, num total de 75 milhões de euros entre as três entidades. Já do lado da Igreja Católica, o orçamento da Fundação da JMJ ronda os 80 milhões de euros, afirmou em fevereiro o bispo auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar.
O evento vai concentrar-se na capital, com os “pontos altos” a acontecerem no Parque Eduardo VII e no Campo da Graça (Parque Tejo). O presidente da Câmara de Lisboa anunciou recentemente a conclusão das obras de terraplanagem no Parque Tejo e disse que o polémico altar-palco, na zona ribeirinha, vai estar pronto até 9 de julho.
Na visita feita pelo ECO foi possível constatar que as primeiras casas de banho portáveis, com lavatórios no exterior, já começaram a ser montadas, bem como as antenas de telecomunicações. Quando falta um mês para aquele que é considerado um dos maiores eventos que Portugal já recebeu, a relva começa a florescer.
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Apesar da incerteza, restaurantes de Lisboa já preparam menus a preços “acessíveis” para a JMJ
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