Setor imobiliário aprova revisão da taxa de esforço, mas alerta para riscos de endividamento
Agências e consultoras imobiliárias antecipam possibilidade de maior endividamento das famílias ou de nova bolha imobiliária, mas sublinham importância da medida em especial para os jovens.
A revisão do cálculo da taxa de esforço no acesso ao crédito à habitação, anunciada no fim de semana pelo Banco de Portugal (BdP), está a ser vista com bons olhos pela generalidade dos operadores do setor imobiliário. Ainda assim, ao ECO, agências e consultoras imobiliárias alertam para a possibilidade de consequências como um eventual endividamento excessivo das famílias, um aumento do risco de incumprimento ou até uma nova bolha imobiliária.
“Faz sentido revermos a recomendação macroprudencial“, afirmou Clara Raposo, vice-governadora do banco central, em entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios, assinalando que há “vontade” de a decisão vir a ser tomada ainda este ano, de modo a permitir que mais famílias possam aceder a crédito.
A taxa de esforço, de acordo com o BdP, corresponde à “proporção do rendimento de um agregado familiar afeto ao pagamento de um empréstimo“, que visa “medir a capacidade do agregado em cumprir as responsabilidades assumidas com um empréstimo”. Atualmente, a recomendação do BdP é que a taxa de esforço não ultrapasse, no máximo, os 35%.
Num comentário enviado ao ECO, o CEO da Century 21, Ricardo Sousa, lembra que já defende esta revisão “desde o início do ano”. “Num contexto de taxas de juro negativas, o procedimento de simular taxas de esforço com valores superiores à taxa de referência era fundamental, porque a subida dos juros seria inevitável”, nota.
Mas, contrapõe Ricardo Sousa, tendo em conta que a Euribor está nos 4%, “impor um stress adicional de 3% eleva de tal forma a taxa de esforço que retira a muitas famílias e jovens a possibilidade de aceder a um crédito à habitação“.
“A revisão das condições de acesso ao crédito à habitação será uma medida benéfica, se houver uma abrangência maior de famílias que desta forma não fiquem inibidas de recorrer ao crédito à habitação”, diz, por sua vez, Patrícia Barão, Head of Residential da consultora JLL.
“Todas as medidas que surjam no sentido de facilitar o acesso ao crédito e à compra de casa são positivas e serão sempre apoiadas por nós”, diz o CEO da Era Portugal. “De facto, o sistema de avaliação que estava implementado no cálculo da taxa de esforço era conservador e impedia o acesso a muitas famílias. Assim sendo, esta medida em particular é, sem dúvida, positiva, mas creio que surtirá pouco efeito de forma isolada“, admite Rui Torgal.
“Quando avaliamos o peso fiscal na compra da casa, nomeadamente impostos de selo e de transação, percebemos que a via mais direta para facilitar o acesso à compra de casa prende-se com os impostos diretos associados às transações. Para os portugueses sentirem um real impacto no acesso à habitação, esta medida terá de ser acompanhada por outro tipo de incentivos fiscais para cidadãos portugueses”, sugere o responsável da Era.
Já a responsável da JLL chama a atenção para a necessidade de existir uma “partilha de risco entre as famílias e as instituições financeiras”, embora “não se perspetive um regresso às condições anteriores a 2018”. Desta forma é possível fazer “uma análise do risco associado” a determinada família, para se “garantir a viabilidade e liquidez da mesma em fazer face aos encargos que são assumidos num dado momento”, aponta.
Já Miguel Mascarenhas, que lidera a Imovendo, é mais cauteloso, assinalando que “a alteração da taxa de esforço no crédito à habitação pode ter riscos e consequências que devem ser sempre cuidadosamente considerados”. Ainda que, no curto prazo, possa estimular o setor da construção, impulsionar a economia e aumentar a procura de imóveis, rever a taxa de esforço poderá ao mesmo tempo levar a um “endividamento excessivo por parte das famílias, um possível aumento do risco de incumprimento, um aumento nas taxas de juros pelo aumento de risco de incumprimento e, com isso, um impacto negativo na estabilidade financeira”, argumenta.
O CEO da Imovendo considera também que, a longo prazo, a medida do BdP pode contribuir para uma nova bolha imobiliária e fazer com que as taxas de juro continuem a subir. “Para um mercado imobiliário ser saudável é importante ter um crédito à habitação acessível e ao mesmo tempo garantir a estabilidade do mesmo”, afirmou Miguel Mascarenhas, em declarações ao ECO.
“Porquê agora?”. A questão é colocada pelo presidente da APEMIP – Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal, que considera que “quando os bancos admitem alargar o âmbito da taxa de esforço de quem recorre a um crédito hipotecário, estão a dar um sinal de que confiam no valor dos imóveis, porque é a garantia que têm quando alguém não consegue cumprir com a sua responsabilidade de pagamento”.
Para Paulo Caiado, “todos ganham” se a decisão do banco central se traduzir num aumento do número de transações imobiliárias. “Ganha o Estado, porque arrecada mais impostos, e ganham as pessoas em geral, porque a economia mostra-se mais ativa e há mais fluxos económicos que beneficiam todos”, afirma o presidente da APEMIP ao ECO.
Não obstante, “é fundamental acautelar que daí não resulta nenhum risco excessivo”, nomeadamente no que toca ao endividamento das famílias, sublinha, ressalvando, porém, que os dados do BdP mostram que não houve alterações significativas no crédito malparado no primeiro semestre deste ano, o que significa que “aquele temor da dificuldade que as taxas de juro poderiam representar para muitas famílias, não teve, felizmente, o nível de impacto que se pensou que poderia ter”.
Quando os bancos admitem alargar o âmbito da taxa de esforço de quem recorre a um crédito hipotecário, estão a dar um sinal de que confiam no valor dos imóveis, porque é a garantia que têm quando alguém não consegue cumprir com a sua responsabilidade de pagamento, são os imóveis que serviram como garantia.
Da parte da Confidencial Imobiliário, o CEO Ricardo Guimarães considera a medida “muito bem-vinda”, embora tivesse “sido desejável se fosse tomada mais cedo”. “Vai ajudar, em especial, os jovens“, que têm sido os “grandes prejudicados” pelo “ciclo de desequilíbrios do mercado”, nomeadamente o aumento das rendas e dos juros, acrescido da taxa de esforço, realça.
O responsável de uma das maiores bases de dados do setor destaca a importância da regra definida pelo banco central em 2018, de avaliar o rendimento para o cenário hipotético de aumento das taxas de juro em três pontos percentuais, porque se antecipou “um certo stress das famílias ou incapacidade de cumprimento”.
Atualmente, explica, “esse stress existe, evidentemente, mas o incumprimento é reduzido porque as famílias foram testadas” para o cenário de subida de juros. Agora, a regra “tornou-se obsoleta”, pois não é “muito razoável”, com a Euribor nos 4%, somar mais 3% da taxa de esforço e ainda o spread.
“Tudo o que seja rever esta regra, é reduzir essa tensão e abrir a possibilidade acesso. Diria que é mesmo um imperativo, não só pela situação que o mercado vive de dificuldade de acesso, como porque os pressupostos que estiveram na base da sua implementação hoje não se verificam, com os cenários de médio prazo a perspetivarem o início da redução da tendência de subida da Euribor e à medida também que a inflação estabilize”, conclui Ricardo Guimarães.
Por fim, a RE/MAX Portugal diz que “está ainda a analisar os possíveis impactos diretos e indiretos” que a medida anunciada pelo BdP terá.
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