Relatório da CPI à TAP critica privatização feita por Passos Coelho. “Não devia ter sido concluída naquela data”

A versão preliminar do relatório da CPI à TAP critica o processo de privatização conduzido pelo Governo de Passos Coelho, fechado já depois do chumbo do seu programa no Parlamento pela esquerda.

A discordância da esquerda sobre a aprovação da privatização da TAP a 12 de novembro de 2015, dois dias depois de o programa do Governo de Passos Coelho ter sido chumbado no Parlamento, não é nova. Mas a versão preliminar do relatório da comissão parlamentar de inquérito, entregue na terça-feira perto da meia-noite, não poupa nas críticas. Legitima também os 55 milhões pagos a Neeleman.

Entende-se que, no contexto político que se vivia no momento, a reprivatização não deveria ter sido concluída naquela data“, conclui taxativamente o relatório da responsabilidade da deputada socialista Ana Paula Bernardo.

O documento refere também que “a 12 de novembro, num contexto de instabilidade política originada pela aprovação de uma moção de rejeição ao programa do Governo dois dias antes, o processo conhece uma profunda alteração e uma inusitada aceleração“, dando conta dos vários passos dados:

  • a última resposta da Atlantic Gateway [que adquiriu 61% da TAP] aos esclarecimentos solicitados pela Parpública, cujo registo de entrada é posterior à assinatura do acordo de conclusão;
  • os pareceres da Vieira de Almeida & Associados e da PWC;
  • a aprovação da Resolução do Conselho de Ministros 91-A/2015, que aprova a minuta do acordo de venda;
  • a celebração dos dois acordos – relativo à estabilidade económica e financeira da TAP e de realização da conclusão;
  • a emissão do despacho de autorização de emissão das “cartas de conforto” às instituições financeiras e envio das mesmas às instituições financeiras.

As “cartas de conforto” enviadas aos bancos portugueses credores da TAP foram um dos temas que geraram discórdia entre PS e PSD. O relatório sublinha que as garantias asseguradas nessas cartas “investiram o Estado numa posição materialmente similar à qualidade de acionista único, como refere o Tribunal de Contas”. Ou seja, colocaram o risco do lado do Estado.

Já sobre a recompra feita pelo Governo de António Costa em 2017, que colocou novamente em mãos públicas 50% do capital, o relatório sublinha que “o risco do Estado tornou-se proporcional à sua participação, subsistindo, ainda assim, responsabilidades significativas para o Estado, como também reconhece o Tribunal de Contas”. De resto, não há quaisquer críticas à operação.

A versão preliminar do relatório legitima também os 55 milhões pagos a David Neeleman para sair do capital da TAP em 2020, na sequência da pandemia. Sustenta que o Governo não tinha alternativa a negociar a saída do empresário, de forma a viabilizar a injeção de emergência de 1,2 mil milhões de euros na companhia e garantir a sua salvação. O valor pago a Neeleman “resulta de uma negociação até um ponto de entendimento entre as partes”.

Caso a TAP fosse renacionalizada, Neeleman teria o direito a receber os cerca de 220 milhões de prestações acessórias colocados na empresa pela Atlantic Gateway, possibilidade prevista no Acordo Parassocial de 2017, assinado com o Governo PS.

O documento sustenta, no entanto, que “a componente relativa às prestações acessórias resulta do direito originário adquirido em 2015 com a assinatura do acordo de venda direta e do acordo de estabilidade económica e financeiro [celebrado em 2015] que nesta dimensão não sofreu alterações no Acordo Parassocial de 2017″.

Capitalização sem recurso a fundos próprios

O relatório debruça-se também sobre o recurso aos chamados “Fundos Airbus”, pagos pelo fabricante europeu a David Neeleman no âmbito do negócio de renovação da frota, e que o empresário usou para capitalizar a TAP. O documento assinala que a Atlantic Gateway assegurou que a capitalização seria feita com capitais próprios, “o que, na verdade, não se verificou“.

A CPI apurou “que a lista de evidências reportada pelo Tribunal de Contas difere da listagem de documentação identificada pela Parpública como tendo sido enviada ao Tribunal, uma vez que na lista do Tribunal não constam referências aos Fundos Airbus”. O Tribunal de Contas vai incluir a avaliação do processo de capitalização e da sua relação com a Airbus, na nova auditoria já anunciada.

Os partidos com assento na CPI têm até dia 10 de julho para apresentar propostas de alteração ao relatório da responsabilidade da deputada socialista Ana Paula Bernardo, que fará esta quarta-feira às 10h00 uma conferência de imprensa para apresentação das conclusões.

A apresentação e discussão da versão final está agendada para dia 13. Segue-se a apreciação do documento no plenário da Assembleia da República, prevista para dia 19.

A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP, mas abordou também a privatização de 2015, a recompra de parte do capital pelo Estado em 2017, a compra da participação de David Neeleman em 2020, o plano de reestruturação aprovado em 2021 ou a demissão da antiga CEO.

Ao longo de três meses realizaram-se 46 audições presenciais, que duraram cerca de 170 horas, foram pedidos 10 depoimentos por escrito e dezenas de documentos ao Governo, à TAP e a outras entidades.

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