O relatório preliminar da comissão de inquérito à TAP em 10 conclusões

As 180 páginas do relatório preliminar passam em revista quase uma década de gestão da TAP e intervenção dos Governos. Conheça as principais conclusões.

O relatório preliminar da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP debruça-se ao longo de seis capítulos e 180 páginas sobre os momentos relevantes da vida da companhia aérea desde 2015, tirando conclusões sobre muitos deles. Quase sempre simpáticas para o Governo e não tanto para o PSD ou os antigos gestores.

A deputada Ana Paula Bernardo, responsável pelo relatório, afirmou esta quarta-feira em conferência de imprensa que o documento “não é a versão do Partido Socialista”. A opinião da oposição é bem diferente, considerando que se trata de uma “farsa”, uma “ficção” e um “branqueamento” da responsabilidade do Governo. Conheça as principais conclusões.

1. Gestores responsáveis por falta de contratos de gestão

A TAP passou a ser detida maioritariamente pelo Estado (72,5%) em outubro de 2020, tornando-se uma empresa pública. Para os administradores executivos, isso significa ter de cumprir o Estatuto do Gestor Público (EGP), que obriga à celebração de acordos de gestão no prazo de três meses após o início de funções. Nas audições, foi patente que existiu uma iniciativa do anterior presidente do conselho de administração, Manuel Beja, para que eles fossem celebrados, havendo, no entanto, a vontade que estes incluíssem um seguro de responsabilidade civil para os gestores, algo a que o Governo não anuiu. Foi também referido que em várias outras empresas públicas não existem contratos de gestão.

A CPI constata que “se verificou o exercício de funções de administração sem a correspondente celebração do contrato de gestão dentro do prazo legalmente estabelecido”, mas assaca as responsabilidades à equipa liderada por Christine Ourmière-Widener.

“Competia aos administradores da TAP submeterem a proposta de Contrato de Gestão à UTAM [Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial], conforme previsto no EGP”, conclui o relatório preliminar. “A questão dos seguros dos administradores, apontado pelo PCA, deveria ter sido tratada de forma autónoma, não podendo ser aceite como justificação para o não cumprimento dos prazos legais da apresentação desses contratos de gestão”, acrescenta.

As tutelas, o Ministério das Infraestruturas e o Ministério das Finanças, a quem também compete zelar pela celebração dos contratos de gestão, passam com uma admoestação, dirigida sobretudo para a UTAM: “A CPI não encontrou quaisquer evidências de iniciativas por parte das tutelas, e mais concretamente da UTAM, no sentido de sinalizar ao conselho de administração a necessidade de cumprimento dos prazos”.

2. Saída ilegal de Alexandra Reis é culpa da CEO

A saída de Alexandra Reis da TAP com uma indemnização bruta de 500 mil euros brutos foi o caso que levou à constituição da CPI. O Governo passa praticamente incólume. O relatório preliminar conclui que o Ministério das Finanças nada sabia sobre o acordo para a cessação de funções da antiga administradora executiva, como ficou demonstrado nas audições, mas também sublinha que o Ministério das Infraestruturas não dispunha de toda a informação sobre o processo.

Christine Ourmières-Widener, CEO da TAP, em declarações à imprensa - 02MAR23
Christine Ourmières-Widener, ex-CEO da TAP.Hugo Amaral/ECO

Nem o ministro, Pedro Nuno Santos, nem o secretário de Estado, Hugo Mendes, “conheciam o clausulado do acordo, ainda que conhecessem a discriminação das várias parcelas englobadas no montante da indemnização”, refere o documento da responsabilidade da deputada socialista Ana Paula Bernardo.

A responsabilidade é apontada essencialmente à antiga CEO. “O processo de cessação de funções na TAP da Alexandra Reis, tanto quanto a CPI conseguiu apurar, partiu de exclusiva vontade e iniciativa de Christine Ourmières-Widener, foi por ela integralmente gerido e, só num momento final e depois de concluído o processo negocial, foi dado a conhecer a todos os membros do conselho de administração.

3. Ida de Alexandra Reis para a NAV sem relação com saída da TAP

Alexandra Reis chegou a colocar o lugar à disposição no final de 2021, quando Humberto Pedrosa, que a tinha proposto inicialmente para a administração, deixou de ser acionista da TAP SA. O Governo manteve-a no cargo, reconhecendo a sua competência, para poucos dias depois, no início de janeiro, a CEO pedir a Pedro Nuno Santos a sua saída. O que aconteceu a 4 de fevereiro. A 22 de março estava já a ser sondada por Hugo Mendes para presidir à NAV, a entidade responsável pela gestão do tráfego aéreo, cargo onde tomou posse no final de junho.

Alexandra Reis, antiga administradora da TAP e ex-presidente da NAV.ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Não existem evidências de qualquer conexão entre a saída da TAP e o convite e respetiva nomeação para a NAV. Todas as declarações sobre esta matéria, como as de Hugo Mendes, Christine Ourmières-Widener e da própria Alexandra Reis, apontam para o desconhecimento de tal possibilidade, aquando do processo de renúncia na TAP”, conclui o relatório. “O perfil, as sólidas competências e o conhecimento profundo do setor por parte de Alexandra Reis foram os motivos apontados pelos então governantes para esta escolha”, acrescenta.

4. Demissões de ex-CEO e chairman seguiram normativos existentes

A demissão de Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja, anunciada a 6 de março pelos ministros das Finanças e das Infraestruturas, foi acompanhada do anúncio do sucessor: Luís Rodrigues. A base legal gerou polémica, chegando a falar-se da existência de um parecer jurídico que sustentava as demissões, que afinal não existia.

O relatório afirma que os ministros apenas anunciaram a “intenção” de demitir os gestores e defende a lisura de todo o processo: “Decorreu segundo os normativos existentes, nomeadamente o direito a contraditório“. “A Deliberação Unânime por Escrito explicita o despedimento de ambos os administradores, com ‘fundamento nas violações graves da lei e dos estatutos que lhe são indevidamente imputáveis’”, sublinha.

5. Lacunas na informação prestada pela TAP

Aos ex-gestores da TAP são também apontadas falhas na prestação de informação. Uma delas diz respeito à não integração no relatório de contas de 2020 da indemnização paga a Antonoaldo Neves. O antigo CEO, que saiu em setembro de 2020, recebeu 156 mil euros, que segundo o departamento de recursos humanos da TAP dizem respeito aos montantes devidos até ao termo inicialmente previsto do mandato, onde se incluem 32 mil euros de férias não gozadas.

Apresentação dos resultados anuais de 2018 da TAP - 22MAR19
Antonoaldo Neves, ex-CEO da TAP.Hugo Amaral/ECO

A outra falha acontece já com Christine Ourmières-Widener à frente da companhia e diz respeito à informação divulgada ao mercado sobre a renúncia de Alexandra Reis, onde não constava a menção à existência de um acordo. O comunicado foi corrigido por determinação da CMVM, existindo um processo de contraordenação, para apuramento de eventual responsabilidade contraordenacional da TAP.

“Não foram identificadas outras situações que comprovem a existência de informação inadequada ou imprecisa prestada pela TAP ao acionista Estado”, refere o relatório.

6. Práticas discriminatórias no pagamento de prémios

O relatório aponta o dedo à atribuição de prémios no período de gestão privada da TAP, nomeadamente ao facto de nos anos de 2016 e 2017 ter sido “decidido atribuir prémios, os quais nem sempre surgem plenamente associados a cumprimento de metas anteriormente definidas”. É o caso dos 236.000 mil euros pagos a Fernando Pinto, antigo CEO, e dos 207.000 recebidos por Max Urbahn, antigo administrador executivo, para “aparentemente garantir compromissos anteriormente assumidos pelo presidente da comissão executiva e aos membros da sua equipa, vinda do Brasil”.

Para além de considerarmos esta prática discriminatória, também não é adequado fixar os critérios de desempenho anuais após o termo do ano em apreço“, assinala o documento.

A pertinência de manter uma comissão de vencimentos na TAP é questionada: “Num quadro em que a empresa TAP é detida a 100% pelo Estado, em que os seus administradores estão sujeitos ao EGP e o exercício do seu mandato sujeito à celebração de um contrato de gestão que, assim exista, deve definir remunerações, benefícios, metas e objetivos, não é apreensível o motivo que possa justificar a manutenção de uma comissão de vencimentos“.

7. Relatório rejeita ingerência na gestão corrente da TAP

A existência de pressões do Governo sobre a gestão da TAP foi um dos temas que dominou a comissão parlamentar de inquérito (CPI). A versão preliminar do relatório rejeita que tenha existido ingerência na gestão corrente. Quando existiu, havia razões que o justificavam.

Não se registam situações com relevância material que evidenciem uma prática de interferência na gestão corrente da empresa por parte das tutelas. Com efeito, a generalidade dos depoimentos aponta para a inexistência de interferência ou ingerência política das tutelas na gestão corrente da empresa”, conclui o documento.

Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP - Audição de Pedro Nuno Santos, antigo ministro das Infraestruturas e da Habitação - 15JUN23
Audição de Pedro Nuno Santos, antigo ministro das Infraestruturas e da Habitação, na CPI à TAP.Hugo Amaral/ECO

O relatório também relativiza as situações apontadas como alegados exemplos de interferência política durante as audições. Ou se tratam de “iniciativas de membros da Administração da TAP solicitando à tutela uma orientação ou tomada de decisão sobre assunto concreto. É o caso do pedido de alteração de voo de Sua Excelência o Presidente da República por iniciativa da agência de viagens e da CEO da TAP”.

Ou então “situações em que a tutela intervém quando uma decisão de gestão da administração assumiu repercussões políticas, num contexto delicado da vida da empresa e dos enormes sacrifícios que estavam a ser impostos aos trabalhadores, como os cortes salariais e os despedimentos. É o caso da substituição da frota automóvel“.

8. Críticas à privatização feita por Passos Coelho

A CPI tinha como objeto a tutela pública da gestão da TAP entre 2020 e 2022, mas recuou até 2015, o que foi justificado pela relatora com a necessidade de ter a fotografia completa dos acontecimentos que conduziram à situação da companhia aérea. Porquê 2015? Foi quando foi feita a última privatização, conduzida e concretizada pelos Governos de Passos Coelho.

A discordância da esquerda sobre a aprovação da privatização da TAP a 12 de novembro de 2015, dois dias depois de o programa do Governo de Passos Coelho ter sido chumbado no Parlamento, não é nova. Mas a versão preliminar do relatório da comissão parlamentar de inquérito, entregue na terça-feira perto da meia-noite, não poupa nas críticas.

Apresentação do livro "Vento Suão Portugal e a Europa" de Carlos Moedas - 18FEV20
Pedro Passos Coelho, antigo primeiro-ministro.Hugo Amaral/ECO

Entende-se que, no contexto político que se vivia no momento, a reprivatização não deveria ter sido concluída naquela data“, conclui taxativamente o relatório da responsabilidade da deputada socialista Ana Paula Bernardo.

As “cartas de conforto” enviadas aos bancos portugueses credores da TAP, para viabilizar a privatização, foram um dos temas que geraram discórdia entre PS e PSD. O relatório sublinha que as garantias asseguradas nessas cartas “investiram o Estado numa posição materialmente similar à qualidade de acionista único, como refere o Tribunal de Contas”. Ou seja, colocaram o risco do lado do Estado.

9. Atlantic Gateway fez capitalização sem fundos próprios

O relatório debruça-se também sobre o recurso aos chamados “Fundos Airbus”, pagos pelo fabricante europeu a David Neeleman no âmbito do negócio de renovação da frota, e que o empresário usou para capitalizar a TAP na privatização em 2015.

O documento conclui que as propostas apresentadas em maio e junho pela Atlantic Gateway para a compra de 61% da companhia aérea “são omissas em relação ao mecanismo de capitalização que só mais tarde viria a ser conhecido como ‘Fundos Airbus’“. Só em setembro a holding de David Neeleman e Humberto Pedrosa explicam à Parpública, a acionista da TAP, a verdadeira origem dos 226 milhões de dólares que iriam colocar na TAP.

O relatório assinala que a Atlantic Gateway assegurou que a capitalização seria feita com capitais próprios, “o que, na verdade, não se verificou”.

10. 55 milhões pagos a Neeleman são culpa do PSD

Os acionistas privados opuseram-se ao auxílio de emergência de 1,2 mil milhões de euros que a TAP recebeu em junho de 2020, no âmbito da pandemia, porque abria a possibilidade de ser convertido em capital diluindo a sua participação. Para evitar um litígio que pusesse em causa a salvação da companhia, o Governo avançou para a compra da posição de 22,5% de David Neeleman.

A versão preliminar do relatório sustenta que o Governo não tinha alternativa a negociar a saída do empresário, e sustenta que os 55 milhões pagos a David Neeleman resultam “de uma negociação até um ponto de entendimento entre as partes”.

Como foi reconhecido por vários depoimentos na CPI, incluindo de ex-ministros, caso a TAP fosse nacionalizada o empresário americano Neeleman teria o direito a receber os cerca de 220 milhões de prestações acessórias colocados na empresa pela Atlantic Gateway. Uma possibilidade prevista no Acordo Parassocial de 2017, assinado com o Governo PS, como o PSD e antigos governantes da direita salientaram.

O documento sustenta, no entanto, que “a componente relativa às prestações acessórias resulta do direito originário adquirido em 2015 com a assinatura do Acordo de Venda Direta e do Acordo de Estabilidade Económica e Financeiro [celebrado no tempo de Passos Coelho], que nesta dimensão não sofreu alterações no Acordo Parassocial de 2017″.

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