Pedido de Neeleman para partilhar informação sigilosa destapou Fundos Airbus

Airbus pediu acesso ao Acordo de Venda Direta na privatização de 2015. Parpública quis saber o motivo. Foi assim que ficou a saber do negócio de aviões que capitalizou a TAP.

O relatório preliminar da CPI à TAP faz uma linha do tempo sobre o polémica capitalização da companhia aérea pela Atlantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa, com recurso a um financiamento da Airbus por troca de um negócio de compra de aviões. O mecanismo só foi revelado depois de um pedido à Parpública para partilhar informação sigilosa com o fabricante de aviões, sustenta o documento.

O consórcio Atlantic Gateway apresentou uma proposta vinculativa à Parpública para comprar uma posição maioritária na privatização da TAP a 15 de maio de 2015. Nela estava prevista um monetização da desistência do contrato com a Airbus para a desistência da encomenda de 12 aviões A350. A proposta foi rejeitada, com a entidade pública à data acionista única da companhia aérea a apontar as reservas dos consultores jurídicos externos de que esta forma de capitalização poderia “configurar uma forma de assistência financeira”, proibida pela lei.

A 5 de junho de 2015, a holding de David Neeleman e Humberto Pedrosa apresenta uma nova proposta, em que deixa cair a monetização do contrato. Sete dias depois a Atlantic Gateway é selecionada como a vencedora da privatização, ficando para trás a proposta de Germán Efromovich, que aportava menos capital à TAP e demorava mais tempo a fazê-lo.

A 24 de junho, a Atlantic Gateway remete uma carta à Parpública onde explica os mecanismos da capitalização, condição essencial da privatização, garantindo que ela seria feita com capitais próprios das empresas de David Neeleman (DGN) e do empresário Humberto Pedrosa (HPGB), proprietário do grupo Barraqueiro. “Todos os montantes a serem injetados pelo Grupo Barraqueiro e pela DGN (…) são capitais próprios e, como tal, não existe necessidade de recorrer a financiamento externo”, diz a missiva. No mesmo dia é assinado o Acordo de Venda Direta (VDR) e o Acordo de Compromissos Estratégicos entre a Atlantic Gateway e o Estado, selando o caminho para a venda da TAP ao consórcio.

Todos os montantes a serem injetados pelo Grupo Barraqueiro e pela DGN (…) são capitais próprios e, como tal, não existe necessidade de recorrer a financiamento externo.

Carta da Atlantic Gateway à Parpública

Entretanto, a 16 de junho, já David Neeleman (DGN) tinha assinado um memorando de entendimento com a Airbus, que contemplava não só a desistência dos A350 como uma encomenda de 53 novas aeronaves da família A320 e A330. No âmbito do negócio, o fabricante europeu disponibilizava 226 milhões de dólares que tinham de ser obrigatoriamente usados para capitalizar a TAP.

Nesta fase, alega a versão preliminar do relatório da CPI, da responsabilidade da deputada socialista Ana Paula Bernardo, a Parpública não tinha ainda conhecimento dos chamados Fundos Airbus.

A “descoberta” só aconteceu na sequência de uma carta enviada a 19 de agosto de 2015 pela Atlantic Gateway à Parpública, em que a holding de David Neeleman e Humberto Pedrosa pede para partilhar o Acordo de Venda Direta, um documento sigiloso, com a Airbus. A Parpública responde a 6 de setembro, pedindo à Atlantic Gateway que esclareça os motivos do pedido: “Apreciaríamos bastante que pudessem detalhar as razões particulares porque a Airbus precisa de aceder ao Acordo de Venda Direta”.

A 15 de setembro é a própria Airbus que explica a disponibilização dos fundos, que “são apresentados como ”upfront cash credit”, nota o relatório. “Não há referências à capitalização da TAP”, mas há referências à desistência do contrato para aquisição dos A350 e aquisição de novos aviões, descreve o documento. Só um mês depois é que a Parpública faz um pedido de esclarecimentos à Atlantic Gateway, que é respondido no dia seguinte.

A privatização consuma-se a 12 de novembro, com um parecer da Vieira de Almeida que valida a forma de capitalização com recurso aos Fundos Airbus, dois dias depois de o programa do segundo Governo de Passos Coelho ter sido rejeitado pela esquerda no Parlamento.

Sérgio Monteiro, que foi secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações entre 2011 e 2015, afirmou na CPI que o Governo só teve conhecimento dos Fundos Airbus a 16 de setembro de 2015, tendo a informação lhe sido transmitida pela Parpública.

O relatório preliminar conclui que as propostas apresentadas em maio e junho pela Atlantic Gateway “são omissas em relação ao mecanismo de capitalização que só mais tarde viria a ser conhecido como ‘Fundos Airbus’“. A informação transmitida de que a capitalização seria feita com recurso a capitais próprios, “na verdade, não se verificou”, tendo a Parpública dado a sua anuência à utilização dos ditos fundos.

Em 2022, o Governo enviou para o Ministério Público uma análise legal da Serra Lopes Cortes Martins que conclui que a capitalização terá sido ilegal e uma auditoria da Airborne Capital que aponta para que a TAP tenha sido lesada no contrato da compra de aviões face aos concorrentes. Foi aberto um inquérito que ainda decorre.

Na resposta por escrito à CPI, David Neeleman, garante que os “qualificados ‘fundos Airbus’ foram integralmente utilizados na capitalização da TAP” e permitiram a sobrevivência da companhia. “As necessidades de capitalização eram de tal forma urgentes e indisputáveis, que logo em 2015 e 2016 esses fundos foram utilizados e consumidos pela TAP no pagamento de salários e nas suas necessidades imediatas de tesouraria. Tais fundos, em conjunto com as outras prestações acessórias e o empréstimo da Azul, salvaram a TAP de uma insolvência imediata“.

Até posso entender que no contexto de um processo de reestruturação da TAP, como o que está a decorrer, pretendam renegociar com a Airbus os preços então acordados, mas não posso aceitar que o façam à custa da minha honra e reputação”, escreve também David Neeleman. “Eu não fiz um mau negócio para a TAP, não prejudiquei a empresa e jamais – como já ouvi dizer e escrever – ‘recebi luvas’ ou comissões pelo negócio com a Airbus. Tal suspeita é insultuosa e inaceitável.”

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