TAP pagou a mais por aviões Airbus ou teve um desconto? O que dizem as avaliações

Saber se a TAP pagou acima do mercado ou abaixo do mercado marca a fronteira entre a capitalização da companhia aérea por David Neeleman e Humberto Pedrosa em 2015 ter sido legal ou ilegal.

O milionário negócio da compra de 53 aviões Airbus para a TAP fechado por David Neeleman e os fundos disponibilizados pelo fabricante ao empresário americano foram um dos temas mais debatidos e controversos na comissão parlamentar de inquérito (CPI). Afinal a companhia adquiriu as aeronaves com um desconto ou pagou a mais?

A renovação da frota da TAP foi fechada por David Neeleman com a Airbus antes ainda da venda de 61% da companhia aérea portuguesa à Atlantic Gateway (AG). A reprivatização foi concretizada pelo Governo a 12 de novembro de 2015 e no dia seguinte a TAP substitui-se à DGN (de Neeleman) no contrato com o fabricante europeu.

Nesse mesmo dia 12, a Parpública, acionista da transportadora, recebe uma carta da Atlantic Gateway, entregue na CPI, em que explica o negócio dos aviões. Nela constam as avaliações às aeronaves pedidas a três entidades (appraisers): Ascend, Avitas e Collateral Value, que calcularam o fair market value (valor de mercado justo) para os três modelos encomendados. Os números a que chegam ficam sempre abaixo do acordado por Neeleman com a Airbus.

Para cada um dos 15 aviões A320neo ficou definido um preço de compra de 45 milhões (em dólares de 2015), que fica 5,7% abaixo da avaliação média de 47,7 milhões atribuída pelos três appraisers. Os 24 A321neo foram vendidos por 51,3 milhões a peça, menos 6% do que o valor de mercado de 54,6 milhões da média das avaliações. Os 14 A330-900 tinham um custo unitário de 105,6 milhões de dólares, menos 7,1% do que os 113,7 milhões na conta feita pelos avaliadores.

Sete anos depois, a TAP, suspeitando que estava a pagar mais pelas aeronaves do que as concorrentes, pediu uma análise à consultora irlandesa Airborne Capital, noticiada pelo ECO, cuja abordagem foi justamente perceber a diferença face a outras empresas rivais. “O melhor ponto de referência para perceber se os preços de compra foram competitivos seriam os preços conseguidos por outras companhias junto da Airbus”, sustenta a consultora, que faz também leasing de aviões (lessor).

A visão da Airborne é que os preços a que a TAP se comprometeu para as encomendas de aviões são substancialmente superiores à dos seus pares.

Relatório da Airborne Capital

“A visão da Airborne é que os preços a que a TAP se comprometeu para as encomendas de aviões são substancialmente superiores à dos seus pares”, pode ler-se no relatório de nove páginas entregue à companhia aérea em agosto de 2022. A comparação foi feita com dez outras encomendas para o mesmo tipo de aeronaves, que “vão desde contratos para várias centenas de aviões a negócios de dezenas de aviões, celebrados entre 2011 e 2021. Ainda que nenhum tenha os mesmos parâmetros exatos, a Airborne adotou passos para harmonizar os resultados e chegar a uma comparação representativa”, afirma.

Nos A320neo, a Airborne concluiu que a TAP estava a pagar entre 20% e 23% mais pelos aviões do que o preço mais barato e 10% a 11% do que o mais elevado conseguido pelas concorrentes. Nos A321 a diferença varia entre os 28% face ao contrato com o preço mais baixo e 13% no mais alto. Nos A330-900 a TAP ficou a pagar entre 23% e 26% do que no valor mais baixo e 3% a 4% no mais alto.

A consultora irlandesa calculou ainda o encargo adicional que a companhia portuguesa suporta em cada avião face ao preço mais elevado das concorrentes. Tudo somado dá 224 milhões de dólares.

A Airborne Capital contesta ainda o método de cálculo usado pelas três entidades. “A principal questão considerada problemática é que as avaliações procuram definir o valor do avião como se fosse fabricado em 2015. A metodologia correta teria sido pedir uma avaliação para um avião fabricado na data de entrega futura e depois escalar o preço de compra de 2015, para comparar se o preço final era competitivo ou não”. A entrega dos aviões à TAP começou em outubro de 2017 e estendia-se até 2025. A companhia conseguiu negociar, entretanto, um adiamento até 2028.

Capitalização foi legal ou ilegal?

Saber se a TAP pagou acima do mercado ou abaixo do mercado marca a fronteira entre a capitalização da companhia pela Atlantic Gateway ter sido legal ou ilegal.

Um dos compromissos assumidos por David Neeleman e Humberto Pedrosa na privatização de 2015 foi o reforço de capital da transportadora aérea portuguesa com a entrega de 226,7 milhões de dólares em prestações suplementares, que não podiam ser retiradas por um prazo de 30 anos. Dinheiro que veio diretamente da Airbus, como contrapartida do negócio dos aviões. Além da aquisição de 53 aeronaves, a TAP desistiu também de uma encomenda de 12 A350, com vantagens para o fabricante europeu, que os pôde vender por um preço superior.

Os proprietários da TAP, Humberto Pedrosa (E) e David Neeleman (D), durante a conferência de imprensa para apresentação de novidades da operação da TAP em 2016TIAGO PETINGA/LUSA

Sendo certo que os chamados “fundos Airbus” não eram da Atlantic Gateway ou David Neeleman, a questão é se na prática foi a companhia aérea a financiar a sua própria capitalização, o que segundo o artigo 322.º do Código das Sociedades Comerciais é ilegal. E, por outro, se é violada a proibição da realização de determinados negócios entre a sociedade e outras sociedades das quais os seus administradores também sejam administradores, como acontecia na Atlantic Gateway e na TAP, quando se traduzam num benefício (artigo 397.º).

Um parecer da Vieira de Almeida entregue à TAP e à Parpública também no dia 12 de novembro de 2015, noticiado pelo ECO, defende a legalidade da operação, as transações entre as partes foram feitas abaixo dos preços normais de mercado, conforme demonstram as avaliações dos três appraisers. A sociedade de advogados refere que não tem como avaliar a idoneidades destas entidades ou da avaliação, mas não as põe em causa.

A gestão da TAP, então liderada por Christine Ourmières-Widener, pediu em 2022 um análise jurídica à Serra Lopes, Cortes Martins & Associados (SLCM), que conclui exatamente o contrário, considerando que a TAP ficou a pagar a sua própria capitalização, seja através do preço inflacionado das aeronaves, seja porque o contrato com a Airbus prevê uma penalização por incumprimento. Por cada A320 ou A321 de que a TAP viesse a desistir tinha de pagar 3,48 milhões de euros à Airbus e por cada A330 6,47 milhões. Quer esta análise jurídica quer a da Airborne Capital foram enviadas pelo Governo ao Ministério Público, que abriu um inquérito.

Tema quente na comissão parlamentar

A origem dos fundos usados para reforçar o balanço da TAP, que em 2015 tinha capitais próprios negativos de 535 milhões e estava à beira da rutura de tesouraria, foi um dos temas que dominou as audições na CPI.

De um lado da barricada os ex-governantes do PS, que questionaram a legalidade do negócio. Do outro, os antigos ministros e secretários de Estado do PSD, que protagonizaram a privatização de 2015, e os ex-gestores e acionistas.

Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP, Audição de Sérgio Monteiro, na qualidade de antigo secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações - 01JUN23
Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP, Audição de Sérgio Monteiro, na qualidade de antigo secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e ComunicaçõesHugo Amaral/ECO

Sérgio Monteiro, que foi secretário de Estado das Infraestruturas no primeiro Executivo de Passos Coelho, justificou os 226,7 milhões com um rappel comercial (desconto) que resultou da dimensão da encomenda de novos aviões. Numa carta enviada em 2015, a Airbus justificou desta forma o montante cedido à DGN de David Neeleman, assinalando também o compromisso de o dinheiro ser colocado na TAP, a relação próxima com o empresário e a confiança no plano estratégico por ele traçado para a companhia “Não tenho opinião que a TAP foi capitalizada com dinheiro da TAP”, afirmou Sérgio Monteiro aos deputados.

Continuo convencidíssimo de que o negócio que se fez foi feito a preços de mercado, a TAP não foi prejudicada e bem pelo contrário. Através destes ‘fundos Airbus’ foi capitalizada em 226 milhões de euros e, com isso, conseguiu iniciar um projeto de desenvolvimento e crescimento que durou até 2019″, defendeu também Pires de Lima, antigo ministro da Economia.

A auditoria é suficientemente grave para não a ignorar, como se não soubéssemos que é possível que todos tenhamos sido enganados. A TAP, o Governo PSD, o país.

Pedro Nuno Santos

Ex-ministro das Infraestruturas e Habitação

A auditoria é suficientemente grave para não a ignorar, como se não soubéssemos que é possível que todos tenhamos sido enganados. A TAP, o Governo PSD, o país”, afirmou Pedro Nuno Santos, ex-ministro das Infraestruturas, que também foi ouvido na comissão de economia. “Tem de se confirmar se a auditoria da TAP tem veracidade. Se tiver veracidade, temos de exigir que contratos sejam revistos.

Na resposta por escrito à CPI, David Neeleman, garante que os “qualificados ‘fundos Airbus’ foram integralmente utilizados na capitalização da TAP” e permitiram a sobrevivência da companhia. “As necessidades de capitalização eram de tal forma urgentes e indisputáveis, que logo em 2015 e 2016 esses fundos foram utilizados e consumidos pela TAP no pagamento de salários e nas suas necessidades imediatas de tesouraria. Tais fundos, em conjunto com as outras prestações acessórias e o empréstimo da Azul, salvaram a TAP de uma insolvência imediata“.

Eu não fiz um mau negócio para a TAP, não prejudiquei a empresa e jamais – como já ouvi dizer e escrever – ‘recebi luvas’ ou comissões pelo negócio com a Airbus. Tal suspeita é insultuosa e inaceitável.

David Neeleman

Empresário da aviação e antigo acionista da TAP

Até posso entender que no contexto de um processo de reestruturação da TAP, como o que está a decorrer, pretendam renegociar com a Airbus os preços então acordados, mas não posso aceitar que o façam à custa da minha honra e reputação”, escreve também David Neeleman. “Eu não fiz um mau negócio para a TAP, não prejudiquei a empresa e jamais – como já ouvi dizer e escrever – ‘recebi luvas’ ou comissões pelo negócio com a Airbus. Tal suspeita é insultuosa e inaceitável.”

Fernando Pinto, que à altura era o CEO da TAP, também defende o negócio e as avaliações de 2015 na resposta à CPI. “Todas essas avaliações apresentam valores superiores ao que foram negociados com a Airbus“, argumenta. “Não tenho conhecimento de qualquer pressão. Tanto quanto sei, as avaliações foram realizadas com independência e seguindo os critérios técnicos adequados ao setor”.

Pires de Lima resumiu na CPI a relevância das avaliações. “Os pareceres da Vieira de Almeida e da Serra Lopes Cortes Martins vão no mesmo sentido. Se os aviões tivessem chegado à TAP acima do preço justo existiria uma situação de assistência financeira, que é ilegal”. “Se fomos todos enganados temos de tirar consequências”, acrescentou.

Os pareceres da Vieira de Almeida e da Serra Lopes Cortes Martins vão no mesmo sentido. Se os aviões tivessem chegado à TAP acima do preço justo existiria uma situação de assistência financeira, que é ilegal.

António Pires de Lima

Ex-ministro da Economia

Numa coisa todos concordam: a renovação da frota promovida por David Neeleman é um ingrediente central do sucesso financeiro que a companhia está a conseguir apresentar, voltando aos lucros em 2022. Um resultado decisivo também para a reprivatização que está em marcha. Se a capitalização foi legal ou não, cabe ao Ministério Público avaliar.

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