A taxa de juro das obrigações portuguesas a dois anos é a mais baixa entre todos os países do euro. No prazo de referência a 10 anos, a yield está encostada à da Bélgica, Áustria e França.
Depois de um pouco habitual interregno de quatro meses, Portugal regressa esta quarta-feira às emissões de dívida de longo prazo, com o objetivo de angariar até mil milhões de euros em Obrigações do Tesouro (OT) com maturidade de seis e 12 anos.
(Atualização às 10h55: Portugal pagou mais de 3% para se financiar em 749 milhões de euros a 6 e 12 anos.)
Apesar da pressão em alta sobre as yields das obrigações soberanas do euro devido à subida de juros do Banco Central Europeu (BCE), esta emissão do IGCP (Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública) surge num contexto favorável para a dívida portuguesa. A corrida aos Certificados de Aforro aliviou as necessidades de financiamento do Estado português e o risco da dívida portuguesa está a comprimir-se, situando-se já em linha com a de países do core do euro.
No prazo de referência a 10 anos, a taxa de rendibilidade genérica das OT situa-se em 3,35%, pouco acima das yields registadas por Bélgica, Áustria e até a França. Por outro lado, está mais afastada de Espanha e outros países do sul da Europa, como Itália e Grécia.
Há um ano, Portugal estava alinhado com Espanha e o diferencial para países do centro do euro era de 50 pontos base. Alargando ainda mais o espaço temporal, há cinco anos a yield da dívida portuguesa a 10 anos situava-se em 2%, acima da espanhola (1,5%) e mais do dobro do registado por Bélgica, Áustria e França (abaixo de 1%).
“Continuamos num contexto em que a dívida portuguesa é percecionada como pouco arriscada, até pelas dinâmicas de crescimento do PIB nominal, défice orçamental que se espera reduzido e, com isso, trajetória de baixa do rácio dívida/PIB”, comenda Filipe Garcia, economista e presidente da IMF – Informação de Mercados Financeiros.
A economia portuguesa cresceu 1,6% no primeiro trimestre de 2023, o terceiro melhor desempenho entre os países da União Europeia. O saldo orçamental foi positivo no mesmo período (1,2% do PIB) e a dívida pública situou-se em 114% do PIB, contra 125% um ano antes.
“O desempenho da economia portuguesa tem sido fundamental e com isso o nosso prémio de risco tem descido consideravelmente”, assinala Filipe Silva, Diretor de Investimentos do Banco Carregosa, acrescentando que “a inflação também tem alguns efeitos positivos e no nosso caso veio permitir descer consideravelmente o nosso rácio de endividamento”.
Uma das formas mais assertivas de medir o risco da dívida portuguesa passa por comparar com a taxa das obrigações alemãs (bunds), que é a referência no mercado de dívida europeu. No prazo a 10 anos, o diferencial está em redor dos 70 pontos base, com tendência decrescente e sempre baixo dos 100 pontos base ao longo deste ano. O spread da dívida portuguesa neste prazo já foi mais estreito (50 pontos base em março de 2021), mas a tendência de longo prazo é descendente desde que atingiu um pico próximo dos 400 pontos base no início de 2017.
Continuamos num contexto em que a dívida portuguesa é percecionada como pouco arriscada, até pelas dinâmicas de crescimento do PIB nominal, défice orçamental que se espera reduzido e, com isso, trajetória de baixa do rácio dívida/PIB.
No prazo a dois anos, Portugal consegue o feito (não inédito) de apresentar a taxa de juro da dívida mais reduzida de todos os países da Zona Euro. As OT a dois anos negoceiam com uma taxa de rendibilidade implícita de 3,04%, que compara com os 3,29% da Alemanha e as taxas acima de 3,2% em todo os países que utilizam o euro.
Os economistas contactados pelo ECO explicam este diferencial a favor de Portugal com fatores técnicos e que não traduzem uma efetiva medida de risco. A linha de OT que serve de referência para o prazo a dois anos tem maturidade em outubro de 2025, enquanto nas bunds o prazo é de março de 2025.
“Como os spreads realmente estão baixos nos prazos mais curtos, qualquer questão ligada à data de maturidade, liquidez ou procura por um determinado título pode levar a situações deste tipo”, explica Filipe Garcia. Há vários meses que a curva de rendimentos da Alemanha está invertida, com juros mais elevados nos prazos mais curtos, refletindo as perspetivas de abrandamento da atividade económica e subida de juros por parte do BCE. O mesmo acontece noutros países da Zona Euro, bem como nos Estados Unidos há mais de um ano.
Filipe Silva reforça que “o facto de termos a curva de taxas de juro invertida acaba por distorcer as yields em cada momento que se olha para o que cada emissão paga, uma vez que o curto prazo tem taxas mais elevadas do que o longo prazo”. Lembrando que a liquidez nestas emissões é reduzida devido às compras do BCE, o diretor de investimentos do Banco Carregosa assinala que “estes fatores combinados fazem com que possam existir alturas em que uns emitentes, apesar de terem risco inferior, até estejam a pagar mais do que outros com risco superior”.
Taxas de juro elevadas por mais tempo
O facto de o nível de risco de Portugal estar a descolar de Espanha, aproximando-se de países do centro europeu, apresentando mesmo a yield mais reduzida entre todos os países do euro, representa um trunfo importante numa altura em que as taxas de juro continuam a subir, sendo expectável que permaneçam altas por mais tempo.
“É expectável que o BCE suba mais duas vezes as taxas de juro e coloque a taxa terminal perto dos 4% e isso fará com que as yields dos países também ajustem para estes novos valores”, refere Filipe Silva, salientando que “para tal não acontecer, será necessário vermos uma descida acentuada da inflação core” e os banqueiros centrais “sentirem e virem dados de que a mesma está controlada”.
O economista da IMF vê espaço para mais subidas marginais nas yields das obrigações soberanas dos países do euro, mas espera que não sejam fixados novos máximos, pois “seria sinal de que o BCE continuaria a subir taxas ou a manter os juros perto de 4% por muito mais tempo, o que me parece não ser uma boa decisão de política monetária”.
Filipe Garcia também vê “pouco espaço” para uma compressão adicional do spread da dívida portuguesa, até porque “falta ainda aferir o que irá acontecer quando o BCE reduzir mais o seu balanço e se a economia desacelerar”.
“A forma como conseguirmos gerir o impacto da subida de taxas de juro nas famílias e empresas e evitar um grande abrandamento económico será determinante para a evolução futura do prémio de risco nacional”, destaca Filipe Silva.
A forma como conseguirmos gerir o impacto da subida de taxas de juro nas famílias e empresas e evitar um grande abrandamento económico será determinante para a evolução futura do prémio de risco nacional.
Certificados reforçam peso do retalho
No atual contexto, mesmo com a redução do risco da dívida portuguesa, é inevitável que os custos de financiamento do país continuem a agravar-se. De acordo com o IGCP, o custo da dívida emitida em 2023 situou-se em 3,5%, duplicando o registado em 2022 (1,7%), que já tinha triplicado face a 2021 (0,6%).
Nas duas linhas que serão reabertas esta quarta-feira, tendo em conta que o se verifica no mercado secundário, Portugal deverá pagar uma taxa de juro em redor de 3,2% (títulos com maturidade em 2029) e 3,7% (títulos com maturidade em 2035). O custo não anda muito distante do que o Estado português paga aos detentores de Certificados de Aforro da série E (taxa máxima de 3,5%), que foram suspensos devido ao elevado volume de subscrições.
O dinheiro que os portugueses colocaram em certificados encheu os cofres do Tesouro, aliviando de forma considerável as necessidades de financiamento do Estado através de outros instrumentos. O volume para este ano é agora estimado em 10,6 mil milhões de euros, menos 14,5% do que os 12,4 mil milhões de euros que o IGCP previa no início do ano. A previsão de emissões de OT em 2023 baixou 6,6% para 14,2 mil milhões de euros. Já as emissões líquidas de Bilhetes do Tesouro passaram de 4,3 mil milhões de euros para um valor negativo de 200 milhões de euros.
“Os certificados têm servido para Portugal ter menos necessidades de fazer emissões de dívida de curto prazo, no entanto o IGCP tem de manter uma estabilidade na dívida de longo prazo, gerindo a curva das várias emissões que estão disponíveis bem como novas que possam a vir a ser lançadas”, refere Filipe Silva, descartando a ligação entre o forte volume de certificados e custos de financiamento mais reduzidos na emissão desta quarta-feira.
Apesar do elevado volume de certificados ter originado o cancelamento de algumas emissões de dívida nos mercados, o que resultou em menos oferta, Filipe Garcia considera que o efeito “deverá ser marginal, pois há outras alternativas de aplicação para os investidores”.
O cancelamento da Série E dos Certificados de Aforro visou também travar o aumento do peso dos investidores de retalho no financiamento do Estado português. O stock destes produtos de aforro situava-se em maio nos 32,5 mil milhões de euros, um aumento de quase 13 mil milhões de euros face o final de 2022 que compensou largamente a saída de dinheiro dos Certificados do Tesouro (menos de 3 mil milhões de euros).
Na composição da dívida direta do Estado (291 mil milhões de euros), o retalho tinha um peso de 16% em maio, o que compara com 12% no final de 2022 e 6% há 10 anos. Apesar deste reforço, o peso das obrigações do Tesouro situou-se em 56% em maio, em linha com o registado em 2022 (55%).
O dinheiro dos Certificados de Aforro atirou o peso dos residentes nos detentores de dívida do Estado português para 25% (23% no final de 2022), com os não residentes a baixarem na mesma proporção para 24%. Em maio, o Banco de Portugal detinha 43% da dívida portuguesa.
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Portugal regressa ao mercado com risco a baixar e cofres cheios de certificados
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