Arrendamento de curta duração, o plano b do alojamento local

  • Joana Abrantes Gomes
  • 19 Agosto 2023

O reforço da posição dos condóminos, caso entrem em vigor as alterações ao alojamento local, pode levar à colocação dos imóveis no mercado de arrendamento, mais propriamente de curta duração.

Com as novas regras para o Alojamento Local (AL) – aprovadas no Parlamento em julho, no âmbito do programa “Mais Habitação”, e à espera da ‘luz verde’ do Presidente da República –, os condomínios veem o seu poder reforçado para autorizar (ou impedir) o exercício da atividade em edifícios habitacionais. Ao ECO, advogados antecipam que o caminho a seguir para os proprietários de AL deve ser o arrendamento de curta duração.

A alternativa pode e deve passar pela celebração de contratos de arrendamento de curta duração (com prazo certo), tendo por objeto imóveis mobilados e equipados“, aponta Henrique Moser, advogado da Antas da Cunha ECIJA, em declarações ao ECO, notando que a lei atual já prevê a possibilidade de se celebrarem contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, designadamente por motivos profissionais, de educação e formação ou turísticos, “com total liberdade quanto à fixação do prazo”.

O sócio do departamento de Imobiliário e Urbanismo da Antas da Cunha ECIJA realça, aliás, que antes do aparecimento do regime referente ao alojamento local, o mercado operava com recurso a contratos de arrendamento – embora geralmente “celebrados de forma verbal”. “Mesmo nos dias de hoje, são celebrados inúmeros contratos de curta duração, para fins turísticos, que não se encontram abrangidos pela legislação que regula o AL”, refere.

Em vez de se fazerem alojamentos de até 30 dias – porque, havendo um edifício mobilado e equipado, com serviços de dormida e serviços complementares de alojamento (como limpeza, toalhas, lençóis), presume-se que é alojamento local se o imóvel for cedido por períodos inferiores a 30 dias –, os proprietários podem retirar os seus imóveis das plataformas de booking, criar uma plataforma com outros exploradores de AL e, assim, passa a ser um arrendamento de curta duração.

A sugestão é do advogado José Manuel Silva Nunes, da CMS Rui Pena & Arnaut, que explica que, através deste mecanismo, “fica-se dispensado” do cumprimento das regras do alojamento local, de ter uma deliberação da assembleia de condóminos e de ter de ir à câmara municipal fazer um registo ou obter uma licença.

No entanto, o advogado da CMS levanta um problema com a transformação de estabelecimentos de alojamento local em arrendamentos de curta duração. “Passamos a deixar de ter uma atividade comercial controlada para ter uma atividade descontrolada, sem fiscalização, sem licenças, sem requisitos técnicos (como a manta de incêndio ou o extintor). Depois, como é que se controla isto? É grave”, alerta.

Luís Couto, sócio da Lopes Cardoso & Associados, também considera que a opção viável para os proprietários de AL é colocarem o imóvel no mercado de arrendamento – sendo, aliás, “o objetivo do regime aprovado pela Assembleia da República” –, mas chama a atenção para outras limitações, designadamente no que diz respeito ao “prazo mínimo de vigência” e aos “meios de término” dos contratos.

Particularmente no que toca ao término dos contratos, o senhorio só poderá pôr termo ao arrendamento antes do prazo estipulado “em circunstâncias muito excecionais”, explica Luís Couto. Caso o arrendatário não cumpra com a obrigação do pagamento de rendas, o senhorio só pode exercer o seu direito de terminar o contrato após mais de três meses de rendas em atraso.

A alternativa pode e deve passar pela celebração de contratos de arrendamento de curta duração (com prazo certo), tendo por objeto imóveis mobilados e equipados. É importante realçar que antes do aparecimento da legislação referente ao AL, o mercado operava com recurso a contratos de arrendamento, regra geral celebrados de forma verbal. Mesmo nos dias de hoje, são celebrados inúmeros contratos de curta duração, para fins turísticos, que não se encontram abrangidos pela legislação que regula o AL.

Henrique Moser

Sócio do Departamento de Imobiliário e Urbanismo da Antas da Cunha ECIJA

O mercado do alojamento local “vai seguramente adaptar-se a novos procedimentos”, pressupõe Henrique Moser, ressalvando, porém, que é necessário “analisar, detalhadamente, as implicações fiscais daí decorrentes”. Ainda assim, argumenta que “a celebração de contratos em regime de AL é bastante mais restritiva para os proprietários do que a celebração de contratos de arrendamento com prazo certo“.

Nova lei do AL é “muito mais exigente” no controlo a priori

Segundo o pacote legislativo aprovado pelos deputados no dia 19 de julho, a aprovação de novos alojamentos locais em edifícios destinados a habitação fica sujeita à unanimidade dos condóminos, enquanto o cancelamento de estabelecimentos já existentes fica dependente de uma maioria de dois terços dos condóminos.

A nova lei deixa, assim, os condomínios “com mais poder na mão”, resume o advogado da CMS, que prevê que o novo diploma vai “criar grandes dificuldades e tornar muito mais exigente o controlo a priori“.

Isto porque, caso as alterações entrem em vigor, é revogado o número da lei segundo o qual cabe ao presidente da câmara decidir sobre o cancelamento do alojamento local, na sequência de um “procedimento administrativo” que tem em conta a deliberação da assembleia de condóminos, os elementos de prova e o contraditório do proprietário do estabelecimento para verificar a gravidade das queixas dos condóminos.

Por sua vez, o novo regime, relativamente aos novos AL, torna necessário, antes do registo, que o condomínio decida pelo “uso diverso de exercício da atividade de alojamento local” por “acordo de todos os condóminos”. Caso seja aprovado, um dos documentos que os proprietários do AL têm de apresentar no momento do registo será “a ata da assembleia de condóminos a autorizar a respetiva instalação”, explica a advogada Filipa Vicente Silva, da Abreu Advogados.

Quanto aos AL já em funcionamento, as novas regras ditam que os condóminos podem fazer encerrar o estabelecimento, bastando para tal que uma maioria de dois terços dos condóminos delibere que não autoriza o exercício desta atividade. A assembleia de condóminos terá depois de dar conhecimento da sua decisão ao presidente da câmara municipal, produzindo efeitos no prazo de 60 dias a contar da deliberação.

Significa isto que a nova lei deixa de fazer referência à necessidade de os condóminos fundamentarem, junto das câmaras municipais, a oposição ao estabelecimento de AL com base em atos que perturbem a normal utilização do prédio ou que causem incómodo e afetem o descanso dos condóminos, quando o regime ainda em vigor não prevê sequer que os condóminos deem autorização prévia para o exercício da atividade em prédios habitacionais.

Os condóminos poderão ainda deliberar que os estabelecimentos de alojamento local disponham de contacto telefónico permanente de emergência a ser facultado aos demais condóminos.

Filipa Vicente Silva

Associada Sénior da Abreu Advogados

Com a nova lei, segundo a advogada Filipa Vicente Silva, os condóminos poderão até “deliberar que os estabelecimentos de alojamento local disponham de contacto telefónico permanente de emergência a ser facultado aos demais condóminos”.

A minha leitura é que o legislador aumentou a exigência porque depois retirou o controlo da câmara. Ou seja, se um prédio quiser, opõe-se e consegue, per si, dar conhecimento à câmara para cancelar o registo. Deixa de estar no controlo da entidade pública”, sintetiza, por seu lado, o advogado José Manuel Silva Nunes. Henrique Moser considera, no entanto, que o papel das autarquias fica “mais definido” no novo diploma, já que os efeitos “não estão dependentes de qualquer decisão camarária”.

Sobre o papel das câmaras no âmbito do regime jurídico do alojamento local, a advogada Filipa Vicente Silva acrescenta que “mantêm um papel essencial“, nomeadamente “nos procedimentos de comunicação prévia com vista à instalação dos estabelecimentos”, “realização de vistorias”, “cancelamento dos registos de AL com fundamento em violação do regime aplicável” e “poderes de fiscalização”.

Nalguns casos, continua a associada sénior da Abreu Advogados, as alterações em análise “resultarão até num reforço dos poderes das câmaras municipais, considerando, por exemplo, que os registos de alojamento local passarão a ter um prazo de duração definido (de cinco anos) e que a renovação dos mesmos dependerá de deliberação expressa da câmara municipal, que se poderá opor com os fundamentos previstos na lei”.

É importante notar que a proposta de lei que introduz uma série de alterações à legislação do alojamento não se encontra ainda em vigor, já que precisa de ser promulgada pelo Presidente da República e seguidamente publicada. Esta semana, Marcelo Rebelo de Sousa afastou o envio do diploma do “Mais Habitação” para o Tribunal Constitucional, dizendo que não vê qualquer inconstitucionalidade nas medidas aprovadas no Parlamento.

Desta forma, a decisão do chefe de Estado – que recebeu o diploma em Belém no dia 9 de agosto – vai passar por uma questão política, havendo duas opções em cima da mesa: promulgação ou veto. “Entendo que a questão que se levanta não é uma questão de constitucionalidade. Entramos agora no período até dia 20, em que vou verdadeiramente focar a atenção na questão política”, disse Marcelo.

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