Jackson Hole, o palco onde Powell e Lagarde poderão sinalizar pausas nas subidas dos juros

Na ressaca de fracos dados económicos, líderes da Fed e do BCE discursam sexta-feira num simpósio. Investidores veem interrupção no aumento dos juros em setembro, mas a grande questão é até quando.

Jerome Powell e Christine Lagarde não vão ter spa, ginásio ou salão de cabeleireiro à disposição no Jackson Lodge (no estado americano do Wyoming) esta sexta-feira para se distraírem dos dilemas que enfrentam, mas no evento em que irão ser as estrelas principais grande parte das conversas vão estar centradas em pausas.

Num comunicado de três parágrafos sobre o Jackson Hole Economic Symposium, que vai organizar até sábado, o Kansas City Federal Reserve aproveitou para esclarecer que essas amenidades simplesmente não existem no lodge, antes de sublinhar que o evento anual criado em 1978 é um dos mais importantes palcos de debate internacional sobre bancos centrais.

A edição deste ano tem como tema “Mudanças Estruturais na Economia Global”, um título que pode até parecer inócuo ou académico. No entanto, numa altura em os principais bancos centrais dos dois lados do Atlântico estão numa encruzilhada entre continuar a aumentar as taxas de juro para combater a inflação ou pausar esse processo e evitar a estagnação económica, o simpósio deverá ser tudo menos aborrecido.

Se o sistema de navegação composto por investidores e economistas já sugeria como preferível a rota de pausas nas taxas de juro em setembro, depois de subidas em julho, os eventos desta quarta-feira vieram reforçar essa recomendação. O chairman da Reserva Federal (Fed) e a presidente do Banco Central Europeu (BCE) vão chegar ao simpósio na ressaca da divulgação de novidades preocupantes sobre as duas economias, na forma dos Índices dos Gestores de Compras (PMI, na sigla em inglês).

Esses índices são considerados importantes barómetros económicos, pois os dados são obtidos através de sondagens a executivos séniores do setor privado, com questões sobre o PIB, inflação, exportações, utilização de capacidade, emprego e inventários. Os índices variam entre 0 e 100, com uma leitura acima de 50 a indicar um aumento geral em comparação com o mês anterior e abaixo de 50 uma diminuição geral.

Nos Estados Unidos, a S&P Global informou que o PMI Composto caiu para uma leitura de 50,4 em agosto, de 52 em julho, a maior queda desde novembro de 2022, o que significa que a atividade empresarial aproximou-se em agosto da estagnação, com o crescimento no ritmo mais fraco desde fevereiro. Na Zona Euro, a leitura desse índice foi de 47, o mais baixo desde novembro de 2020, abaixo dos 48,6 de julho e dos 48,5 estimados numa sondagem da agência Reuters.

“Estes números negativos da economia da Zona Euro podem moderar o tom do discurso de Christine Lagarde na próxima sexta-feira no simpósio de Jackson Hole”, afirmou Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, ao ECO. “Uma quebra sustentada do setor dos serviços na Zona Euro tende a aliviar a persistente inflação subjacente, aumentando a margem para uma postura gradualmente menos hawkish da presidente do BCE“, sublinhou, referindo-se ao termo inglês que descreve os que apoiam subidas dos juros para controlar os preços.

A Fed procura o fim do ciclo

A 26 de julho, a Fed voltou a subir as taxas de juro, depois de na reunião de junho as ter mantido inalteradas. A subida de 25 pontos base anunciada por Jerome Powell foi a 11.ª em 12 reuniões e as Fed Funds Rates passaram a situar-se no intervalo 5,25%-5,50%, o valor mais elevado desde 2001. A razão para voltar a carregar no acelerador? “A inflação provou ser mais resiliente do que era esperado”, admitiu Powell em conferência de imprensa.

Desde essa altura, um dos focos de atenção tem sido a reunião de política monetária da Fed em 20 de setembro, mas também as de novembro e dezembro, com apostas e discussão sobre se o banco central irá fazer uma pausa nas subidas na próxima e depois implementar um último aumento do custo do dinheiro neste ciclo até final do ano, antes de estabilizar durante um período até decidir começar a cortar.

Segundo o site CME FedWatch Tool, que monitoriza a negociação dos futuros da taxa de juro, a probabilidade de uma manutenção na taxa de juro diretora pela Fed na reunião de setembro estava nos 88,5% no final de quarta-feira (face a 86,5% antes da divulgação dos PMI). Já na antecipação para o encontro de 1 de novembro, a probabilidade é mais dividida, com 56,2% para uma nova pausa, 39,6% para um aumento para o intervalo de 5,50%-5,75%, números que são semelhantes das probabilidades para a reunião de dezembro.

No mercado secundário de dívida soberana, “as taxas de juro dos títulos do Tesouro estiveram sob pressão ascendente significativa nas últimas semanas, na sequência da descida da notação de crédito da Fitch da dívida soberana dos EUA e dos fortes dados contínuos que lançaram dúvidas sobre o quão agressivos serão os eventuais cortes nas taxas de juro da Reserva Federal”, sublinhavam na segunda-feira os analistas do banco neeralandês ING, numa nota de análise.

No entanto, a reação à divulgação dos PMI os investidores também expressaram a maior aposta numa pausa por Powell em setembro. A yield das Treasuries a 10 anos caiu esta quarta-feira 13,6 pontos base para 4,192%, isto após esta semana terem tocado nos 4,366%, máximos de quase 16 anos.

Os investidores não antecipam novas altas das taxas de juro pela Reserva Federal, tendo dado, quase como certo, o aumento de 25 pontos no passado dia 27 de julho, como a última subida dos juros do banco central dos EUA no atual ciclo de aperto monetário”, referiu Paulo Rosa, do Banco Carregosa.

A nossa opinião é que os efeitos desfasados das taxas de juro mais elevadas e do rápido aperto das condições de crédito significarão que este aumento final não será necessário.

Paulo Rosa

Economista sénior do Banco Carregosa

Os analistas do ING têm uma visão semelhante. “A nossa opinião é que os efeitos desfasados das taxas de juro mais elevadas e do rápido aperto das condições de crédito significarão que este aumento final não será necessário, enquanto o esgotamento das poupanças da era da pandemia e o reinício dos reembolsos dos empréstimos estudantis funcionarão como um travão adicional à atividade económica que também contribuirá para as quedas contínuas da inflação”, explicaram.

Paulo Rosa alertou, no entanto, que “a robustez da economia e a inflação subjacente norte-americana bem acima da meta dos 2%, bem como o resiliente mercado de trabalho (em pleno emprego, taxa de desemprego de 3,5% em julho), sustentam os discursos dos ‘falcões’ da Reserva Federal dos EUA, muitos advogando mais subidas de taxas de juro para travarem a inflação mais elevada dos últimos 40 anos, pressionando, deste modo, o discurso de Powell”.

Em julho, a inflação subjacente homóloga (que exclui as voláteis classes de bens alimentares e energia) nos EUA ficou nos 4,7%, face aos 4.8% do mês anterior.

Para o BCE não é “negócio fechado”

Se Jerome Powell provavelmente precisa de um dia de spa para aliviar as dores de cabeça oferecidas pelo mix de inflação teimosamente alta e crescimento a abrandar, Christine Lagarde precisará eventualmente de uma semana.

“A estimativa rápida dos índices PMI foi pior que o esperado, em particular na Alemanha, e é consistente com a nossa perspetiva de que a economia da Zona Euro irá contrair no terceiro trimestre, enquanto as pressões subjacentes sobre os preços continuam muito fortes”, apontou a Capital Economics, numa nota de reação aos PMI divulgados na quarta-feira. O PMI Composto para a economia alemã, a maior do bloco da moeda única, caiu em agosto para 44,7, o nível mais baixo desde maio de 2020 e face aos 48,5 de julho.

Para Paulo Rosa, do Banco Carregosa, “caso não haja nenhum evento em contexto energético que impulsione os preços dos combustíveis fósseis nos próximos meses (em termos energéticos, a Europa continua muito dependente do petróleo e do gás natural), a inflação na Zona Euro deverá gradualmente tender para a meta dos 2%, influenciada pelo crescente agravamento da sua economia, deteriorada pelas elevadas taxas de juro muito acima da sua capacidade de as suportar tão altas”.

Essa noção deverá ajudar a convencer Christine Lagarde a acompanhar a provável pausa que a Fed deverá decidir em setembro. Em julho, depois de anunciar uma subida de 25 pontos base das taxas de referência do euro, a nona subida consecutiva de juros desde que a 27 de julho do ano passado o banco central iniciou um ciclo de subidas das taxas, a presidente do BCE deixou um sinal. Disse na altura que o banco central “pode fazer uma pausa ou subir a taxa de juro” em setembro, antes de adiantar o óbvio: “de certeza que não irá cortar as taxas”. Em julho, a inflação voltou a recuar na Zona Euro, pelo terceiro mês consecutivo, situando-se nos 5,3%, mas mantém-se longe da meta do BCE de 2%.

Depois da divulgação dos PMI esta quarta-feira, os traders reforçaram a aposta de uma pausa nas subidas dos juros pelo BCE, vendo agora apenas uma probabilidade de 40% de um aumento de 25 pontos base em setembro, face a mais de 50% na terça-feira, segundo dados da Reuters. Nesse dia, uma sondagem da agência já mostrara que num inquérito a 70 economistas, 53% acreditavam numa pausa, face a 47% no questionário do mês anterior.

Na conferência de imprensa após o encontro de 27 de julho, Lagarde sublinhou que mesmo se o BCE não mexer nos juros em setembro, essa paragem “não será necessariamente por um longo período de tempo.”

Segundo Piet Christiansen, analista chefe no Danske Bank, a divulgação do PMI sugere que “estamos de volta à narrativa pré-verão de taxas mais baixas”. Citado pela Reuters, concluiu que “há muitos indicadores que apontam para que poderemos ter tido a última subida, mas se olharmos só para a inflação, que é o principal mandato do BCE… não é um negócio fechado”.

[Jerome Powell discursa no Jackson Hole Economic Symposium na sexta-feira às 15h05 (hora de Lisboa) e Christine Lagarde no mesmo dia às 20h00. Pode acompanhar o vídeo no site do evento e as notícias no ECO]

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