Alta dos combustíveis? Solução passa pela fiscalidade

Uma vez que a principal razão para os aumentos dos preços dos combustíveis não está no controlo do Governo, a alternativa passa sobretudo por atuar na fiscalidade, dizem especialistas.

Os preços do petróleo e dos produtos refinados nos mercados internacionais estão a pressionar os preços dos combustíveis nos postos de abastecimento. A descida da carga fiscal é apontada por vários especialistas, consultados pelo ECO/Capital Verde, como a saída mais eficaz da situação de pressão que tem afetado os consumidores.

O ministro das Finanças, Fernando Medina, afirmou este fim de semana que o Governo atuaria nos preços dos combustíveis “se necessário” e que a carga fiscal não tem qualquer intervenção no novo aumento de cinco cêntimos anunciado para o gasóleo na próxima segunda-feira. E, de facto, corrobora Pedro Silva, especialista em Energia da Deco Proteste, “não é carga fiscal que é responsável pela subida dos preços dos combustíveis. É a matéria-prima”.

O economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Rosa, apoia, com uma ressalva. “Os principais responsáveis pela subida dos combustíveis fósseis são a depreciação do euro e a alta do preço do barril de petróleo”, mas “o gradual descongelamento da taxa de carbono também não ajuda em nada à estabilização em níveis mais baixos dos preços dos combustíveis fósseis em Portugal”.

“A parte em que podemos atuar é a causa interna. Uma vez refinados e vendidos, [os combustíveis] têm uma componente do Estado expressiva”, aponta Pedro Silva. Em comparação com 2022, as receitas fiscais que cabem ao Estado estão a ser arrecadadas e “bolsos diferentes”, já que os valores que estão a ser cobrados de forma diferente (houve um descongelamento da taxa de carbono, por exemplo), mas as quantias em causa são semelhantes, assinala Pedro Silva.

Nesse sentido, acredita que a altura de atuar “é já” e no mesmo sentido da do ano passado, quando o Governo decidiu que iria “devolver” o valor extra que ganhava com o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) através de uma redução no ISP.

O ISP é a terceira maior fonte de receita fiscal do país, aponta Filipe Vasconcelos Fernandes, especialista em Fiscalidade da Energia, considerando em simultâneo que “a margem que o Governo tem, em termos de instrumentos [para atuar nos preços dos combustíveis], é muito limitada”, até porque os orçamentos de Estado contam cada vez mais com este tipo de receita.

No entanto, diz acreditar num eventual contributo da fiscalidade para o alívio dos preços. Uma “solução interessante”, defende, “seria a criação de uma espécie de fator de desconto em impostos” como o ISP, mas “ancorado à inflação”. Ou seja, quando a inflação subisse, o ISP desceria, contrabalançando, definindo-se a priori uma fórmula que ditaria esta dinâmica.

Apesar de semelhante à lógica aplicada no ano passado pelo Governo, Filipe Vasconcelos Fernandes sublinha a diferença: “Acredito mais em impostos com estrutura constante, que têm uma espécie de para-choques para a inflação”, por oposição a “criar suspensões ou descontos que acabam por viciar mais o jogo”. “Benefícios fiscais têm de ter vida curta ou transformam-se num subsídio”, conclui. A taxa de carbono, estando definida a par do ISP no mesmo código, acabaria por ser trabalhada na mesma lógica, indica.

É necessária uma revisão de toda a fiscalidade dos combustíveis, tendo em mente a transição energética mas também que esta seja feita de uma forma justa

Pedro Silva

Deco Proteste

Já na passada sexta-feira, a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis (ANAREC) afirmou que “os consumidores estão cada vez mais assoberbados com impostos, porque o aumento do combustível faz indiretamente aumentar a inflação” e, neste sentido, instou o Governo a definir “automatismos ou fórmulas de subida ou baixa de taxas e impostos em função do preço internacional dos combustíveis”.

Outras opções, como a aplicação de um tecto nos preços dos combustíveis, não são viáveis, na opinião de Filipe Vasconcelos Fernandes. Isto porque políticas de preços máximos têm uma “probabilidade de erro enorme”, dada a volatilidade do mercado dos hidrocarbonetos, produtos refinados e finalmente dos próprios combustíveis. Na prática, diz, “cria instabilidade e inflação”, pois quando os tectos desaparecem, os preços tendem a disparar para recapturar receitas, defende.

Em termos menos imediatos, acrescenta Pedro Silva, “é necessária uma revisão de toda a fiscalidade dos combustíveis, tendo em mente a transição energética mas também que esta seja feita de uma forma justa”, em vez de continuar a reagir. Sugere a criação de um plano que preveja a atuação em situações de oscilação do preço do petróleo e à medida que economia vai descarbonizando. O investimento na rede de transportes públicos e nas infraestruturas para a mobilidade suave são outras peças do puzzle. “As próprias receitas arrecadadas pelo Estado, nomeadamente com a taxa de carbono, são para favorecer soluções menos penalizadoras em termos de gases com efeito estufa”, relembra.

A diminuição dos impostos sobre os produtos petrolíferos travaria uma provável inflação em estado embrionário.

Paulo Rosa

Banco Carregosa

O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou este fim de semana que o Governo “certamente está a preparar medidas ou, pelo menos, formas de mitigar a situação, porque é uma situação que está a pesar muito na inflação em Portugal e noutros países europeus”. Contactados acerca de medidas que estejam em preparação, o ministério do Ambiente e das Finanças preferiram não comentar.

“As autoridades da Zona Euro querem um recuo nos apoios aos combustíveis, para assim se prosseguir com objetivo de carbono zero em 2050, mas essa postura espoletaria certamente a alta da inflação”, caso se mantenha a subida do preço do petróleo e a depreciação da moeda única, defende o economista sénior do Banco Carregosa Paulo Rosa.

Neste sentido, sugere também que uma “diminuição dos impostos sobre os produtos petrolíferos travaria uma provável inflação em estado embrionário. O pavio é curto e basta uma pequena ignição para espoletar novamente a alta dos preços”, já que a subida dos preços dos combustíveis fósseis é sinónimo de um aumento dos preços de todos os produtos no início da cadeia de valor, ameaçando a alta de todos os preços mais a jusante da economia, nomeadamente a alta do índice de preços no consumidor.

Por fim, também o porta-voz da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro), João Reis, vai pelo mesmo caminho. “A parte fiscal é a única que, com substância, pode interferir nesta escalada dos preços”, pois a fatia que cabe às empresas do setor, e que sustenta portanto a armazenagem, reservas obrigatórias, o transporte para os postos, incluindo também as margens das empresas e revendedores, entre outros custos, “tem-se mantido constante”, com oscilações de “1 ou 2 cêntimos”, e pesa menos no preço final – até cerca de 17 cêntimos, indica, com base nos dados da Apetro.

Mas porque é que os preços estão a subir?

Como já referido, as principais razões para a sucessiva alta dos preços dos combustíveis fósseis em Portugal, que se têm vindo a verificar desde meados de maio, são a subida do preço do barril de petróleo e a depreciação do euro face ao dólar, sublinham tanto Paulo Rosa como o porta-voz da Apetro.

Começando pelas subidas no barril de petróleo. Os países produtores têm anunciado cortes na produção, de forma a levantar os preços. “A Arábia Saudita e a Rússia estão decididas em manter o preço do barril de petróleo relativamente elevado”, assinala Paulo Rosa, já que no passado dia 5 de setembro foi prorrogado o corte de produção até ao final do ano. Aliás, se as condições económicas na China e Zona Euro se deteriorarem, os cortes podem ser reforçados, prevê o economista sénior da mesma casa de investimento.

Em paralelo, existem questões políticas, ligadas à transição energética e decorrentes também da invasão russa à Ucrânia. “A taxa de carbono, que tenta desincentivar o uso do gasóleo e da gasolina e intensificar a utilização das energias renováveis, promete manter o impulso sobre os preços dos combustíveis fósseis”, explica Paulo Rosa. Em paralelo, “a segurança energética implica novas geografias e rearranjos nos abastecimentos, tornando o petróleo mais caro pelo aumento dos custos de transporte”.

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