Com o Orçamento do Estado à porta, João Vieira Lopes recomenda ambição ao Governo, na área fiscal. Admite, contudo, que o próximo ano é "uma grande incógnita" e frisa que a economia está a abrandar.
Com os olhos postos em 2024, não são só os sindicatos que reivindicam um aumento do rendimento disponível das famílias portuguesas. Também os patrões o defendem, pedindo um alívio do IRS e sinalizando que estarão disponíveis fazer avançar com aumentos mais expressivos, caso o Governo baixe os custos aplicados às empresas. Em entrevista ao ECO, João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), sublinha que é preciso fazer mesmo uma “mexida significativa” nos impostos e avisa que a baixa que foi feita este ano não foi bom exemplo. “Nem se notou“, critica.
Por outro lado, o também porta-voz do Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP) atira que o Executivo de António Costa “tem um preconceito ideológico” em torno da redução do IRC, ainda que baixar esse imposto funcionasse até como incentivo ao investimento, sublinha.
Mais, quanto à Taxa Social Única (TSU) a cargo dos empregadores, João Vieira Lopes rejeita o argumento do Governo de que qualquer baixa colocaria em causa a sustentabilidade da Segurança Social. Para o responsável, é preciso encontrar fontes alternativas para o sistema, assegurando ter “mente aberta”.
Mas apesar das críticas, o líder da CCP reconhece que o diálogo com o Governo teve uma melhoria este ano. “Em termos de concretização, vamos ver”, afirma.
O Orçamento do Estado para 2024 está à porta. As confederações patronais insistem numa redução do IRC. No ano passado, o ministro da Economia chegou a sinalizar que tal alívio seria bom, mas o Governo acabou por não avançar. Porque é que os patrões retomam esta proposta?
A baixa da carga fiscal em geral é, neste momento, uma das grandes preocupações. Por vezes tenta-se demonstrar que a carga fiscal em Portugal não é maior do que nos países europeus. Mas, por exemplo, no caso do IRC, teoricamente a taxa é de 21%, mas há as derramas estaduais e os impostos extraordinários. O IRC é importante não só pelo impacto que tem sobre as empresas, como também como incentivo ao investimento.
O Governo tem fechado a porta a um alívio do IRC. Porque é que, na vossa visão, este é o momento para baixar o IRC?
Compete-nos, como confederação, defender os interesses das empresas e apresentar aquilo que pensamos que deve ser feito, com o nosso sentido de responsabilidade de querer melhorar a situação das empresas. O Governo tem tido essas restrições.
Sempre consideramos que, em grande parte, existe aqui um preconceito até ideológico, para além do aspeto das receitas. Até porque, em termos de receitas, a história mostrou que, quando se fizeram experiências de baixa do IRC, as receitas subiram.
Consideramos as tributações autonómas um imposto absurdo, porque, na prática, é um imposto sobre custos.
O Governo já sinalizou, contudo, que está aberto a aliviar as tributações autónomas. De que modo é que essa redução pode acontecer?
O Governo, ao contrário de outros anos, propôs-se a analisar a nossa proposta. Nos outros anos, nem o fez. A nossa proposta para as tributações autónomas também é uma forma de abordar o tema do IRC, na medida em que representam uma percentagem significativa da receita desse imposto.
Por outro lado, consideramos que é um imposto absurdo, porque, na prática, é um imposto sobre custos. O Governo, durante a pandemia e ainda em 2023, aceitou que as empresas tivessem prejuízo não tivessem as tributações autónomas majoradas. É uma das nossas propostas dentro do enquadramento de baixa do IRC.
Ainda sobre a carga fiscal aplicada às empresas, defendem a eliminação gradual da derrama estadual. O Governo deu sinal de abertura?
O Governo não deu qualquer sinal disso.
Disse que o Governo, ao contrário do que aconteceu noutros anos, mostrou-se aberto a analisar as propostas. E sentiu mais abertura por parte do Executivo?
Pelo menos, da parte do Ministério das Finanças, houve abertura e houve a afirmação de que iriam analisar no detalhe [as propostas]. Houve anos em que o Governo nem nos recebeu.
Portanto, houve uma melhoria na relação entre o Governo e os parceiros sociais.
Há, pelo menos, em termos de diálogo, alguma melhoria. Em termos de concretização, vamos ver.
Há umas semanas falava na possibilidade de um pacto fiscal. Ainda tem essa ideia em mente?
Continuamos a pensar que é importante, até pela experiência que houve no passado com a baixa do IRC. Houve um acordo entre os partidos do Governo e o principal partido da oposição, em que as confederações também participaram, embora indiretamente. Achamos que isso é uma via que deve ser desenvolvida no quadro naturalmente da Concertação Social. A CCP nisso é muito clara.
É no quadro do Conselho Nacional das Confederações Patronais que acertamos as conclusões sobre os diversos comportamentos das confederações.
A CCP falou num pacto fiscal. A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) fala de um pacto social. Como é que viu essas negociações?
Somos muito institucionais e é no quadro do Conselho Nacional das Confederações Patronais que acertamos as conclusões sobre os diversos comportamentos das confederações. Não temos por tradição publicamente fazer comentários.
Quanto às propostas da CIP, por exemplo, pagar um 15º mês de salário é algo razoável para as empresas do setor do comércio e dos serviços?
Não conhecemos o documento em que a fundamentação e até os mecanismos constam. Evidentemente, se for colocado na Concertação Social, analisaremos. Até lá, só conhecemos o documento pela comunicação social. Não vou fazer comentários.
Uma das propostas dos patrões foi uma baixa da TSU. O ministro das Finanças já a rejeitou, com o argumento de que é preciso proteger a sustentabilidade da Segurança Social. Compreende essa posição?
Não, porque propomos que a Segurança Social não perca receitas e que seja retirada receita do IVA. [A redução da TSU] não tem, na nossa opinião, qualquer peso na sustentabilidade da Segurança Social.
Então, como vê a recusa insistente do Governo?
A CCP sempre trabalhou bastante esta área da Segurança Social. Aliás, a confederação tem obras publicadas sobre isso, com propostas, nomeadamente, no sentido de ser avaliado para o financiamento da Segurança Social, [uma taxa sobre o] valor acrescentado líquido das empresas. A CCP não tem o preconceito ideológico e político de considerar que este sistema é o único possível. Temos mente aberta em relação a soluções.
Apesar dos argumentos, mantém a defesa de que seria importante baixar a TSU. Porque é que seria importante haver esse alívio?
Tudo o que seja baixar custos é importante. Aliás, toda a nossa filosofia de abordagem do OE é baixar os custos fiscais e outros para as empresas. Mas também temos defendido que é preciso aumentar o rendimento disponível dos trabalhadores, até porque nós, CCP, tendo em conta os setores que representamos, valorizamos bastante o mercado interno. Consideramos que o mercado interno e a capacidade financeira são muito importantes para a viabilidade de milhares de empresas de pequena e média dimensão.
Falou do rendimento dos trabalhadores, para o próximo ano o referencial para o aumento dos salários está em 4,8%. Faz sentido manter este valor ou deve ser revisto?
É um dos pontos que vamos discutir agora, quando fizer um ano do acordo.
E em relação ao salário mínimo? A subida para 810 euros é razoável ou os empregadores podem ir mais longe?
Estamos numa fase de consulta sobre este tema. Temos uma tipologia muito diferenciada de associações, desde áreas de mão-de-obra intensiva, em que o custo é bastante grande, a áreas em que grande parte dos contratos são com o Estado, e que têm percentagens muito grandes de trabalhadores a receber o salário mínimo.
O conjunto das medidas fiscais que são propostas também ajudam a definir isso. Ou seja, se houver um caminho de alívio fiscal global para as empresas, isso também facilitaria a flexibilidade das empresas a encarar os aumentos salariais.
O que temos dito ao Governo é que tem de ser uma mexida significativa no IRS, que permita que o rendimento disponível das pessoas aumente.
Vamos ao IRS. O Governo já disse que vai baixar o imposto, só não disse como. Para a CCP, o Governo deveria avançar com mais escalões ou mexer nas taxas?
Não nos colocamos nessa área de discussão. O que temos dito ao Governo é que tem de ser uma mexida significativa, que permita que o rendimento disponível das pessoas aumente. Por exemplo, este ano houve uma mexida de 150 milhões de euros, que foi insignificante no volume. Nem se nota. Tem de ser uma medida séria e com impacto.
Tem um número em mente?
Como confederações empresariais, achamos que não devíamos entrar no campeonato dos números.
Para o Orçamento do Estado para 2024, sobre a carga fiscal, recomendaria prudência ou ambição ao Governo?
Se não houver ambição, dificilmente Portugal pode sair deste ritmo de crescimentos pequenos.
Mas compreende o argumento do ministro das Finanças de que é preciso reduzir a dívida pública, especialmente num cenário de altas taxas de juro?
Achamos que deve ser reduzida [a dívida], mas tem de se encontrar um ponto de equilíbrio. Se com a redução da dívida pública, Portugal continuar a ter quebras no investimento, o que acontece é que, depois, a economia não cresce muito mais.
Falamos já de IRC, tributações autónomas, derrama e IRS. Que outras propostas tem para o Orçamento do Estado para 2024?
Temos várias propostas, nomeadamente na área da capitalização e do investimento. Ou seja, é incentivar as empresas a terem capitais próprios superiores, de modo a não terem de trabalhar sistematicamente com crédito à banca. Na parte das burocracias fiscais e os regimes que se aplicam em termos de dívidas, também [é preciso] muito maior flexibilidade. Temos uma grande preocupação: este ano tivemos um bom primeiro trimestre, mas está a haver uma desaceleração. No comércio, até no segmento alimentar, estamos a perder volume.
Tem receio que essa tendência se mantenha em 2024?
É esse o nosso receio. Por isso é que queremos aumentar o rendimento disponível das famílias e, ao mesmo tempo, baixar a pressão fiscal sobre as empresas.
Dito isto, que sentimento tem em relação a 2024?
Uma grande incógnita.
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“Tem de haver uma mexida significativa no IRS. A deste ano foi insignificante”, diz João Vieira Lopes
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