Lei e Justiça apoia-se na solidez da economia para renovar maioria na Polónia
Apesar da inflação acima da média da UE, a economia polaca prospera com um dos maiores crescimentos. Este domingo, o Lei e Justiça (PiS) joga a manutenção no poder, mas solução de governo é incerta.
Uma subida das prestações sociais, combinada com valores cristãos e conservadores, sustentados por uma economia sólida, ou um regresso ao caos. Estes são os dois cenários que, segundo o Lei e Justiça (PiS, na sigla polaca), que governa a Polónia há oito anos, estão em jogo nas eleições legislativas deste domingo no país. A campanha eleitoral do partido do primeiro-ministro Mateusz Morawiecki tem sido marcada por um afastamento da Ucrânia, com o objetivo de “roubar” votos à extrema-direita e assim revalidar a maioria. Porém, as sondagens antecipam uma votação renhida, sem garantias da formação de uma coligação que funcione, tanto à direita como à esquerda.
“O que parece que vai acontecer é ter mais um caso de um Parlamento na Europa incapaz de apresentar uma solução de Governo“, nota Henrique Burnay, consultor em assuntos europeus, em declarações ao ECO. A mais recente sondagem do IBRIS (Instituto de Pesquisa Social e de Mercado), publicada na quinta-feira, mostra o PiS com 33,5% das intenções de voto, abaixo dos 37,6% que, em 2015, deram o poder ao partido e ainda mais longe da vitória expressiva em 2019, em que angariou 43,6% dos votos.
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Estando em risco a garantia de um terceiro mandato do PiS com maioria, o partido conservador e nacionalista, liderado pelo vice-primeiro-ministro Jarosław Kaczyński, tem-se aproximado, ao longo da campanha eleitoral, de algumas posições do Confederação, uma força política de extrema-direita que rejeita firmemente a oferta de mais ajuda à Ucrânia e que conta com 9% das intenções de voto.
Em setembro, a menos de um mês para as eleições, o chefe do Governo polaco, Mateusz Morawiecki, anunciou que o país vai deixar de fornecer armamento à Ucrânia e passar a focar-se “no reforço do seu próprio arsenal”. Antes, decidira proibir a importação de cereais ucranianos para proteger os agricultores do país, que por sinal constituem uma parte importante do eleitorado do PiS.
Embora tenha sido depois esclarecido que o Executivo se referia a uma arma recentemente comprada para o exército polaco e que a Polónia não iria deixar de fornecer à Ucrânia o armamento que já tinha sido acordado, ficou a nu a clivagem entre os dois países. Estava previsto um encontro do Presidente polaco, Andrzej Duda, com o homólogo ucraniano em Nova Iorque, durante a Assembleia Geral da ONU, mas a equipa de Duda disse que houve um choque de agendas e o encontro não aconteceu, o que contrasta com os múltiplos encontros e abraços calorosos dos 18 meses anteriores, em que a Polónia estava na linha da frente do apoio a Kiev.
Henrique Burnay considera que as sondagens ajudam a explicar o posicionamento do Governo polaco. “Perante umas eleições em que a probabilidade de conseguirem manter a maioria é evitando o crescimento do partido à direita deles, o que o PiS tenta fazer é dizer coisas que possam agradar a esse eleitorado, sendo que umas coisas são, de facto, muito contraditórias com aquilo que tinha dito até agora”, assinala o também professor convidado no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa.
Alguns analistas consideram que a mudança no discurso dos políticos do Lei e Justiça acerca da Ucrânia não passa de retórica eleitoral e que os seus efeitos serão diminutos, mas há quem defenda que as afirmações dos responsáveis do Governo causaram danos, especialmente porque vêm do principal aliado desde a primeira hora.
O Governo polaco “está agora subitamente imprevisível”, afirmou Piotr Sula, diretor-adjunto do Instituto de Ciência Política da Universidade de Breslávia, na Polónia, citado pela Bloomberg, considerando que “esta mudança na retórica em relação à Ucrânia não vai desaparecer depois das eleições e é também perigosa”, pois já se estão a ver fissuras no consenso europeu em relação à ajuda a Kiev. Ainda assim, este académico polaco admitiu ao ECO que não consegue “imaginar o PiS a ganhar e a não ajudar a Ucrânia”.
O PiS está a tentar ir buscar o eleitorado do Confederação. As sondagens ajudam-nos a explicar o posicionamento do Governo polaco. Perante umas eleições em que a probabilidade de conseguirem manter a maioria é evitando o crescimento do partido à direita deles, o que o PiS tenta fazer é dizer coisas que possam agradar a esse eleitorado, sendo que umas coisas são, de facto, muito contraditórias com aquilo que tinha dito até agora.
“Esmolas” já não garantem vitória clara do PiS
A 7 de agosto, um dia antes de anunciar que as eleições legislativas se realizariam a 15 de outubro, o Presidente polaco aprovou o aumento do abono de família mensal, pago a todas as famílias com filhos até aos 18 anos, de 500 zlotys (cerca de 110 euros, à taxa de câmbio atual) para 800 zlotys (quase 177 euros) no próximo ano.
Em setembro, as crianças que começaram a frequentar o quarto ano receberam vales no valor de 2.500 zlotys (cerca de 552 euros) para comprarem computadores portáteis mediante uma lista de fornecedores aprovados pelo Governo. Além disso, o Executivo prometeu aumentar o salário mínimo em 18% em 2024. “É um clássico dos partidos muito à direita terem políticas sociais assistencialistas fortes. Os partidos muito conservadores não são, normalmente, partidos muito liberais do ponto de vista económico“, justifica, ao ECO, o consultor Henrique Burnay.
Medidas de cariz social como estas têm garantido a popularidade do PiS sobretudo junto das classes económicas com menos posses, tendo ajudado a elevar o nível de vida da população para 80% da média da União Europeia (UE), com base no Produto Interno Bruto (PIB) per capita ajustado pelo poder de compra, o que compara com 69% quando o partido assumiu o poder em outubro de 2015.
Sob a liderança do Lei e Justiça, também os salários quase duplicaram e o desemprego foi reduzido para metade nos últimos oito anos, tendo atualmente uma das taxas mais baixas entre os Estados-membros da UE. O afluxo de milhões de refugiados ucranianos à Polónia proporcionou uma injeção muito necessária na mão-de-obra do país, dos quais mais de 700 mil estão registados como trabalhadores regulares, além de que o emprego não registado de ucranianos é provavelmente também elevado.
Ao mesmo tempo, a Polónia tem gozado de um forte crescimento económico nas últimas décadas, impulsionado sobretudo pela capacidade de atrair capital estrangeiro, o desenvolvimento tecnológico e o poderio militar. Após uma contração da atividade económica em 2020 (2%) causada pela pandemia de Covid-19, o crescimento real do PIB foi de 6,9% em 2021, tendo-se verificado uma ligeira desaceleração em 2022 (5,1%), segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Até ao surgimento da pandemia de Covid-19, era o país com o crescimento económico mais prolongado, registando quase 30 anos consecutivos de aumento. E, mesmo no primeiro trimestre deste ano, de acordo com o Eurostat, foi o país do bloco comunitário que mais cresceu em termos mensais (3,9%). O PIB vale, atualmente, cerca de 655 mil milhões de euros, o que torna a Polónia a maior economia dos países do leste da UE.
Mas, apesar dos indicadores sólidos, a economia polaca sofreu numerosos choques no último ano e meio, na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia. Em termos homólogos, o PIB caiu no primeiro e no segundo trimestre deste ano (-0,3% e -0,5%, respetivamente). Mesmo as perspetivas para o resto do ano não são muito otimistas, já que, na semana passada, o banco ING reviu em baixa a sua previsão de crescimento económico do país para 2023, de 1% para apenas 0,4% (a previsão do FMI é ligeiramente mais alta, de 0,6%).
É na resiliência das exportações e do investimento fixo, bem como a queda das importações, que deverá estar a chave para fugir a uma recessão. Dada a sua localização central na Europa, a Polónia é uma importante plataforma para outros mercados da região, nomeadamente a Alemanha, que em 2021, segundo a Comtrade, surgia destacada (28,6%) entre os seus principais clientes. Nesse ano, as exportações polacas totalizaram 318 mil milhões de dólares (cerca de 302 mil milhões de euros).
Em relação a Portugal, a balança comercial de bens é favorável à Polónia: em 2022, o valor das exportações portuguesas para a Polónia foi de 1.070 milhões de euros e o das importações de 1.795 milhões de euros, o que representou um défice do nosso país de 725 milhões de euros. No que toca ao investimento de empresas nacionais no mercado polaco, o destaque vai para o grupo Jerónimo Martins, que tem na Polónia cerca de 3.400 lojas da cadeia Biedronka (setor da distribuição alimentar), sendo líder de vendas no retalho alimentar do país, e ainda 300 lojas da cadeia Hebe (saúde e beleza). No seu conjunto, perfizeram vendas de quase 18 mil milhões de euros em 2022.
Também a Mota-Engil está presente na Polónia, desde o final da década de 1990, quando comprou duas empresas locais. Em 2004, o grupo fundiu as suas participadas no país, criando a Mota-Engil Polska, mais tarde renomeada Mota-Engil Central Europe, que é uma das maiores empresas de construção polacas, especializada em construção de estradas e pontes, ferrovias e eletricidade.
Não obstante, onde a guerra na Ucrânia mais se fez sentir foi, como em todo o continente europeu, no aumento dos preços aos consumidores. Em fevereiro deste ano, a inflação atingiu um pico de 18,4% na Polónia, tendo caído para 8,2% em setembro. Apesar da desaceleração significativa, esta taxa está, ainda assim, acima da média da UE (de 5,9% em agosto). “A inflação afeta o poder de compra dos polacos”, além de que “o número de consumidores aumentou graças aos ucranianos”, nota Piotr Sula.
Espera-se que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) da Polónia, financiado pela “bazuca” europeia, apoie o investimento público, mas o Banco Mundial adverte que quaisquer novos atrasos nos pagamentos dos cheques representam um risco negativo. Atualmente, a Comissão Europeia está a reter 36 mil milhões de euros em subvenções e empréstimos, principalmente devido a preocupações com o Estado de direito.
No entanto, com o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) a lançar já a quarta deliberação a condenar as alterações introduzidas pelo Governo do PiS ao sistema judicial polaco, estão ainda mais limitadas as probabilidades de a Polónia receber em breve o dinheiro do Fundo de Recuperação. Segundo o académico Piotr Sula, caso o Lei e Justiça vença as eleições, o partido “não irá alterar a sua política e as tensões (com a União Europeia) irão manter-se”.
Oposição promete desbloquear fundos, mas o caminho para o poder é igualmente difícil
A Plataforma Cívica, que conta com Donald Tusk, antigo presidente do Conselho Europeu (2014-2019) e ex-primeiro-ministro da Polónia (2007-2014), como figura de proa, é o principal partido da oposição. Nas sondagens, surge com até menos sete pontos percentuais face ao Lei e Justiça, atingindo em algumas perto de 30% das intenções de voto.
O Confederação não se comprometeu a formar uma aliança pós-eleitoral com o PiS se este sair vencedor das eleições. É, aliás, o primeiro a rejeitá-la, como afirmou Krzysztof Bosak à Euronews: “Somos a favor da liberdade económica: de impostos simples e baixos, de menos regulamentação, da possibilidade de gerir o nosso dinheiro em vez de o ver desviado para o orçamento. Os nossos slogans são pró-empresariais e cristãos. Não vemos qualquer hipótese de implementar as nossas ideias programáticas com os partidos Lei e Justiça ou Plataforma Cívica, pelo que prevemos que estaremos provavelmente na oposição após as eleições.”
Contudo, o regresso ao poder de Donald Tusk também se afigura improvável, já que teria de juntar o partido centrista Terceira Via com o partido Nova Esquerda, cada um com percentagens de intenções de voto a rondar os 10%. Embora os dois partidos tenham admitido, também ao canal Euronews, formar coligação com a Plataforma Cívica, a chave do Executivo poderá estar no terceiro partido mais votado. Está também em cima da mesa a possibilidade de se repetir a votação.
Aleks Szczerbiak, professor de política na Universidade de Sussex, em Inglaterra, que escreve regularmente um blogue sobre a política polaca, considera que uma vitória de Tusk resultaria num “grande regresso simbólico da Polónia à corrente europeia”. Mas, se o partido no poder continuar no Governo, espera que “o establishment político da UE aceite o facto de o Lei e Justiça ter vindo para ficar e tenha de trabalhar com ele”.
A incapacidade de o partido de Donald Tusk se diferenciar do PiS, pelo menos do ponto de vista económico, deverá ser uma das razões que o impedem de alcançar melhores resultados. O antigo presidente do Conselho Europeu prometeu, no entanto, “desbloquear os fundos da UE” no seu primeiro dia de mandato. Junta-se a este argumento o objetivo de inverter as políticas do atual Governo em domínios como o aborto e os direitos das minorias sexuais.
Se a Plataforma Cívica conseguir formar governo, o académico britânico avisa que tal exigirá a união de políticos que vão desde os conservadores sociais aos esquerdistas radicais. Para além disso, uma governação de Tusk pode ser limitada pelo Presidente Duda, que tem pouco menos de dois anos de mandato pela frente. “Tudo o que não seja uma maioria do Lei e Justiça significa, quase de certeza, um período de instabilidade política“, realça, citado pela Bloomberg.
Se for o PiS (a ganhar as eleições), imagino que este partido não irá alterar a sua política e as tensões (com a União Europeia) irão manter-se.
Porém, o consultor de assuntos europeus Henrique Burnay diz que “em Bruxelas ninguém está a contar que o Tusk ganhe“. “Não quer dizer que não gostassem que ganhasse, mas não me parece que haja essa expectativa”, aponta, acrescentando que os líderes das instituições europeias estão convencidos “de que as coisas vão continuar como estão”.
Ao todo, são mais de 29 milhões os eleitores que vão às urnas este domingo para eleger os 460 membros do Sejm (câmara baixa do Parlamento) e os 100 membros do Senado para os próximos quatro anos. Simultaneamente, votam num referendo que inclui questões como a admissão de imigrantes, pensões e as políticas climáticas. Burnay deixa o alerta: “Se ninguém conseguir formar uma maioria razoável, não é muito evidente o que é que pode acontecer”.
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