A dessalinização não é a única solução
A dessalinização possui múltiplas vantagens, mas não pode ser encarada como uma varinha mágica. Deve representar, apenas, uma parte de um conjunto de soluções ao dispor dos serviços de água.
Os desafios de gestão de água para consumo humano, decorrentes dos longos períodos de seca que temos enfrentado, têm permitido a proliferação do debate sobre as alternativas existentes aos métodos tradicionais de captação e produção de água para consumo humano. Recorrentemente, a dessalinização tem sido apresentada como uma solução tecnológica inovadora que, miraculosamente, acabará com todos os males advenientes da escassez de água, sem que isso represente uma mudança de comportamentos dos utilizadores ou das entidades gestoras.
Evidentemente, este posicionamento constitui um exagero decorrente tanto do desconhecimento do processo em si, uma vez que há quarenta anos que se iniciou a dessalinização em Portugal, como também por se focar exclusivamente nas vantagens de um processo que, sendo interessante, não se afigura isento de limitações e problemas para os quais, presentemente, não temos uma solução clara.
Vejamos, nos últimos tempos foram produzidos textos de toda a espécie sobre o processo e como ele seria a caixa de pandora que, uma vez aberta, eliminaria o problema da escassez de água. Em sentido oposto, não creio que tenham sido escritas muitas linhas sobre os problemas da dessalinização, tanto relativos à segurança da qualidade da água, como relativos ao dispêndio energético – maioritariamente proveniente de fontes não renováveis – que redundará num aumento relevante do nível de emissões de gases poluentes nem, tão-pouco, relativos à elevada carga de produtos químicos decorrentes da salmoura resultante da dessalinização.
Alguns dos constrangimentos decorrentes do processo, podem ser mitigados, tanto pela possibilidade de recurso a energias limpas – por exemplo, o protótipo em testes desenvolvido pelo INEGI, relativo a um sistema de dessalinização acionado por
energia solar térmica –, ainda que, o peso da fatura energética continue a ser significativo, com reflexos financeiros e ambientais, tanto na transição energética, como nas metas de emissões a que o Estado Português se vinculou. Estas limitações acabam por sugerir a dificuldade em massificar a dessalinização, acabando por se bastar como um complemento aos métodos tradicionais e a outras ferramentas que, de forma integrada, permitam uma maior eficiência na gestão da água para consumo humano.
Sejamos claros, muita da falta de água para consumo humano que presenciamos, poderia ser resolvida com um verdadeiro combate às perdas de água ocorridas numamrede de distribuição globalmente envelhecida que, números redondos, representa perdas aproximadas de 30% da água produzida. Estas perdas – a que acresce uma deficiente política tarifária – são perniciosas para a capacidade de investimento em modernização infraestrutural – e tecnológica – ao dispor da entidade gestora e que, em uma qualquer empresa, representaria o seu colapso financeiro. De igual modo, uma outra possibilidade passaria pelo recurso à reutilização de águas residuais urbanas tratadas, nomeadamente, para a rega de jardins e outras atividades diversas do consumo humano.
O setor da água, apesar de se tratar de um setor de capital intensivo, promove um investimento multiplicador e sustentável, potenciador do desenvolvimento económico alicerçado na sustentabilidade, em que o racional deixa de ser, apenas, o valor
acrescentado que traz à economia, projetando-se no impacto que produz nas gerações futuras e no ambiente, assegurando um presente que não compromete o futuro. Isto não significa que não tenhamos de empregar todos os esforços quanto a moderação do nosso consumo de água, sendo esse um desiderato alcançável por uma possível penalização tarifária para o consumo excessivo de água.
Concluindo, a dessalinização possui múltiplas vantagens, mas não pode ser encarada como uma varinha mágica que, à semelhança de Cristo com a multiplicação do pão, multiplica a produção de água, devendo representar, apenas, uma parte de um conjunto de soluções ao dispor dos serviços de água. Assim, a dessalinização trata-se de um complemento aos métodos tradicionais de produção e captação de água, não podendo ser tida como a única solução para o problema.
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