Esta startup indiana usa inteligência artificial para virar a cadeia alimentar do avesso

A partir do sul da Índia, uma startup usa inteligência artificial para que seja a procura a ditar a oferta, e não o contrário. O cofundador espera que a ideia faça surgir muitas imitações.

Nos arredores de Bangalore, a terceira maior cidade da Índia, uma startup tecnológica tenta revolucionar o setor alimentar do país mais populoso do mundo. Fundada em 2015, a WayCool decidiu inverter o fluxo de informação da cadeia de valor, para que seja a procura a ditar a oferta, ao invés do contrário.

O exemplo desta empresa indiana foi apresentado na semana passada a um grupo de jornalistas de 16 países, incluindo o ECO, porque a WayCool é cliente e parceira da SAP. A maior tecnológica europeia escolheu esta cidade para acolher mais uma edição da TechEd, a sua conferência anual de tecnologia.

Karthik Jayaraman, cofundador e diretor geral da WayCool, ilustrou o desafio que representa uma cadeia alimentar longa e ultra fragmentada como a da Índia, que não dá nenhuma visibilidade aos agricultores quanto à procura que existe no mercado. Muitas vezes, o que é cultivado é decidido em conversa com os vizinhos, ou por práticas que atravessam gerações.

O tomate é exemplo disso. Segundo o gestor, o preço deste produto é altamente volátil na Índia, podendo variar entre um cêntimo e um dólar o quilo em relativamente pouco tempo. Isso acontece porque, ao verem que o preço está a subir, muitos agricultores decidem começar também a plantar tomate, gerando um excesso de oferta que faz colapsar os preços. É um fenómeno cíclico, que poderia ser prevenido se os produtores conseguissem planear as colheitas com pelo menos três meses de antecedência.

Recorrendo à inteligência artificial, e a dados recolhidos e partilhados em todos os nós da cadeia, a empresa diz ser capaz de ajudar os agricultores a preverem a procura, ajudando-os a tomar melhores decisões. É o resultado do modelo proposto pela WayCool: “A informação flui dos retalhistas para os agricultores e dos agricultores para os retalhistas”, explica Jayesh Shinde, responsável de comunicação. Um ciclo virtuoso que inclui ainda a recolha, o processamento, a armazenagem e a distribuição.

No sistema da WayCool, a informação flui em ambos os sentidos da cadeia de abastecimento WayCool

Para isso, a WayCool desenvolveu uma plataforma tecnológica chamada Censa, atualmente um dos ramos do negócio. O software desdobra-se em seis produtos modulares que permitem, entre outas coisas, uma melhor gestão das campanhas agrícolas com recurso a sensores inteligentes, a gestão em tempo real dos procedimentos de aquisição, funcionalidades logísticas e de processamento com machine learning (aprendizagem automática) e até soluções de comércio eletrónico para retalhistas.

As vantagens de um sistema como este vão além da simples eficiência. Jayaraman, líder da WayCool, diz que a comida desperdiçada na Índia durante um ano daria para alimentar um país inteiro do tamanho do Brasil, que tem mais de 200 milhões de habitantes. “Perdemos imensa comida porque a cadeia de abastecimento é demasiado longa”, afirma.

Além disso, muitos indianos recebem o salário à semana e compram alimentos em pequenas quantidades, numa cadeia alimentar que está assente em pequenos comerciantes e pequenos produtores – chegam a existir cinco intermediários desde o campo até ao prato do consumidor. Assim, ao converter a cadeia tradicional num sistema em que é a demanda que dita a oferta, a WayCool alega conseguir reduzir a taxa de desperdício para menos de 1%, muito abaixo da média do setor, que ronda os 10%, de acordo com números fornecidos pela startup.

O responsável explica que, “nos últimos 60 anos”, a Índia passou de uma situação de escassez de alimentos para uma de excedente alimentar: “A Índia tem de se alimentar a si própria e de alimentar o mundo”, atira. Conta ainda que, apesar de a economia indiana também estar a sentir alguns dos efeitos da inflação que tem assolado o Ocidente, o setor alimentar está menos exposto a fatores externos, graças, precisamente, a essa autossuficiência.

Cocos secos num centro de distribuição da WayCool, em Kannamangala, na Índia Flávio Nunes/ECO

Do campo para a bolsa

Nas instalações da WayCool, o princípio orientador da startup repete-se em sinais afixados nas paredes, como se de um mantra se tratasse. A empresa ambiciona gerir 1% dos bens alimentares do mundo inteiro, o que só é possível num país com cerca de 1,4 mil milhões de habitantes.

Quer também ser lucrativa e entrar na bolsa até 2025, contando atualmente com quase duas dezenas de investidores, entre os quais os fundos de capital de risco Lightstone e Lightbox Ventures e o banco de desenvolvimento holandês FMO.

Os números impressionam à escala portuguesa, mas devem ser vistos à luz do que é um país do tamanho da Índia. A WayCool trabalha com mais de 200 mil produtores e organizações de produtores, sendo responsável por movimentar mais de 2.000 toneladas de produtos por dia. Conta com 130 unidades de processamento e 23 centros de distribuição.

Neste polo logístico em que nos encontramos, em Kannamangala, situado no sul do país, um cheiro a fruta fresca paira no ar. Há sacas de batatas amontoadas de um lado e cestos azuis cheios de cocos secos do outro. Alguns trabalhadores circulam de um lado para o outro, processando os alimentos e carregando-os em carrinhas. A empresa trabalha com frutas, vegetais, laticínios e especiarias, assim como outros bens de primeira necessidade ou de valor acrescentado.

Muitos destes produtos vão chegar ao mercado associados a uma marca. Jayaraman está convencido de que é a melhor forma de gerar confiança junto do consumidor. Assim se explica porque é que a WayCool já lançou sete marcas próprias: vende a fruta fresca da AllFresh, as batatas fritas JustPotate e o arroz da Madhuram, só para dar três exemplos.

Ao assistir à apresentação, o diretor geral da SAP Índia, Kulmeet Bawa, diz que o exemplo da WayCool ilustra o que “o potencial da tecnologia pode fazer pelo mundo”. E para mostrar como esta agritech é uma empresa de impacto positivo na Índia, o cofundador da startup, Karthik Jayaraman, termina com uma declaração que exulta confiança: “Espero conseguir fazer surgir muitas imitações. É o melhor que poderia acontecer.”

O ECO viajou para Bangalore a convite da SAP Portugal.

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