Marcelo tem de escolher entre “mal menor”, mas dissolução parece provável. Novo OE só após abril

Tanto dissolver Parlamento como pedir ao PS para formar Governo têm "custos e benefícios", apontam politólogos. Mas eleições antecipadas dariam "legitimidade política" a novo líder.

A demissão do primeiro-ministro veio abalar o mundo político e será Marcelo Rebelo de Sousa a determinar o rumo da governação portuguesa nos próximos tempos. O Presidente tem dois cenários à frente, mas tudo aponta para que avance uma dissolução do Parlamento, segundo indicam os politólogos ouvidos pelo ECO. Se o Orçamento do Estado, que estava em discussão na Assembleia da República, cair, um novo documento não deverá emergir antes de abril.

Para a politóloga Paula Espírito Santo, o Presidente vai ter de fazer a “escolha do mal menor”, já que “nenhuma das soluções é ideal”. A dissolução da Assembleia da República, que levaria a eleições antecipadas, parece ser o cenário mais provável, ainda que nada esteja excluído, sinaliza ao ECO.

Por um lado, a dissolução do Parlamento tem a vantagem de permitir a “legitimação do líder que for designado”, já que terá a “legitimidade política de ser um processo feito de acordo com os trâmites e que ofereça aos eleitores a possibilidade de escolha, incluindo figuras que fazem parte dos partidos e que consideramos que possam ser primeiro-ministro”.

Em contrapartida, tem a desvantagem de o “país demorar um tempo — desde a marcação de eleições até à tomada de posse dos deputados e designação e constituição do Governo — até estar operacional do ponto de vista político”. Este tempo “não vai permitir que se tomem decisões mais rápidas e urgentes e particularmente no caso da gestão corrente que derivam do OE, diz a investigadora e docente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

Existem também decisões que “estavam a ser pensadas em termos dos grandes processos como TAP, PRR, todas as outras também negociadas como saúde, educação e todos os outros que contestavam”, que ficam em suspenso.

Hugo Ferrinho Lopes, investigador de Doutoramento do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, nota ainda ao ECO que “o cenário de eleições antecipadas — o mais provável, mesmo que não certo — traz outro risco para Marcelo Rebelo de Sousa e para a configuração do sistema partidário em geral: não se sabe qual a performance que o PSD terá sozinho, nem qual a nova expressão eleitoral da direita radical, que poderá aumentar o número de mandatos, algo que o Presidente aparenta ter procurado evitar”.

Já a opção de “pedir ao partido maioritário no parlamento que forme novo governo está dentro das regras constitucionais e da prática parlamentar, mas colocaria o Presidente da República numa contradição, uma vez que foi o próprio que estabeleceu o critério de que dissolveria a Assembleia da República se António Costa abdicasse da suas funções de Primeiro-Ministro”, aponta, destacando que ambas as opções têm “custos e benefícios”.

Foi na cerimónia da tomada de posse do Governo, em março de 2022, que Marcelo deixou o aviso: “Agora que ganhou, e ganhou por quatro anos e meio, tenho a certeza de que Vossa Excelência sabe que não será politicamente fácil que essa cara que venceu de forma incontestável e notável as eleições possa ser substituída por outra a meio do caminho”.

Paula Espírito Santo salienta que as vantagens e desvantagens deste cenário são as inversas à dissolução. A figura eventualmente escolhida pelo PS “não seria a que foi sufragada do ponto de vista eleitoral”, algo que “fragiliza politicamente”. É um caso que já aconteceu quando Durão Barroso foi para Bruxelas e foi designado Pedro Santana Lopes, algo que “trouxe alguns dissabores a Jorge Sampaio”, que era Presidente na altura.

A vantagem, por outro lado, seria o tempo que o país não fica em duodécimos e com um governo de gestão, nota, “na medida em que há continuidade do projeto do Executivo e pode-se colocar em prática aquilo que estava a ser acordado”.

Após dissolução, novo orçamento “nunca antes de abril”

Tem-se colocado também a questão de deixar cair ou não o Orçamento do Estado para 2024, que já tinha sido aprovado na generalidade no Parlamento e seguia agora para a especialidade — sendo que alguns constitucionalistas consideram que a proposta cai quando o Presidente aceitar a demissão de Costa. De qualquer forma, se avançar a dissolução do Parlamento, um novo Orçamento do Estado depende da data mas não chegara “nunca antes de abril”, considera Hugo Ferrinho Lopes.

O calendário apenas se tornará mais claro quando Marcelo explicitar a sua decisão, já que “depende da data, não só das eleições, mas da formação de um novo governo”. Mesmo assim, o investigador alvitra que “certamente nunca antes de abril” estará aprovado.

Se nos seguirmos pela última dissolução da Assembleia, que resultou do chumbo do Orçamento do Estado para 2022, as eleições realizaram-se a 30 de janeiro, o Governo tomou posse dois meses depois, em março, e o Orçamento do Estado foi aprovado no final de maio — entrando em vigor em junho.

Desta vez, também é expectável que — a avançar a dissolução — o Presidente dê tempo ao PS para se reorganizar. Isto até tendo em conta que “na altura [da dissolução de 2021] esperou que o PSD se reorganizasse internamente”, recorda a politóloga. “O PS precisa de uma nova liderança e isso implica eleições internas e depois formar listas a nível dos ciclos eleitorais para a Assembleia”, nota.

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