Exportadoras desviam carga aérea para aeroportos no estrangeiro
Terminais obsoletos, rastreio demorado ou abertura de cargas na Alfândega afastam mercadorias para exportação dos aeroportos portugueses. Transitários denunciam “situação precária” em Lisboa e Porto.
As empresas exportadoras portuguesas estão a desviar a expedição de mercadorias que são transportadas por via aérea para aeroportos de Espanha e até do norte da Europa, como os Países Baixos, que “operam sem as ineficiências” que estão a afetar a movimentação deste tipo de carga nas infraestruturas de Lisboa e do Porto.
A denúncia é feita ao ECO pelo presidente executivo da APAT – Associação dos Transitários de Portugal, notando que os constrangimentos no Humberto Delgado e no Francisco Sá Carneiro “acabam por se traduzir, infelizmente, na fuga da carga para outros aeroportos internacionais e na perda de competitividade nacional, em prejuízo da nossa economia”.
António Nabo Martins reconhece que alguns dos atuais problemas já se registam “há mais de 20 anos, seguramente”, mas têm “piorado ao longo do tempo porque os outros países arranjaram alternativas, nomeadamente métodos de rastreio adequados às dinâmicas do mercado e a agilização de alguns procedimentos”.
Os constrangimentos à atividade dos operadores nos aeroportos portugueses acabam por se traduzir, infelizmente, na fuga da carga para outros aeroportos internacionais e na perda de competitividade nacional.
Em causa está a falta de investimento na modernização destas infraestruturas, com terminais “obsoletos” e falta de instalações adequadas de aceitação de carga, assim como medidas de segurança que obrigam ao rastreio da carga na máquina de raio-X, a abertura de “grande parte” das cargas para verificação visual por parte da Alfândega e da segurança, ou a falta de câmaras frigoríficas.
Na prática, descreve o líder da APAT, “a carga segue de camião muitas vezes diretamente das empresas para outros aeroportos europeus”. Neste contexto, o transporte rodoviário é usado para distâncias mais curtas, sendo em alguns casos o camião considerado Cargo Aircraft Carrier (CAO). Os veículos são “selados” e a carga é preparada e rastreada como se tratasse de um avião.
Numa carta enviada ao ministro das Infraestruturas, João Galamba, ao diretor-geral da ANA – Aeroportos de Portugal, Thierry Ligonnière, à presidente da ANAC – Autoridade Nacional da Aviação Civil, Tânia Cardoso Simões, e à diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, Helena Borges, os transitários queixam-se que a gestora dos aeroportos não responde às tentativas de contacto desde 2017 e denunciam uma “situação precária” nestas infraestruturas.
No caso específico do Aeroporto Francisco Sá Carneiro falam em “carga amontoada e espalhada pelos terminais, fora do perímetro de segurança e sem o devido acondicionamento”. Já no Humberto Delgado, apesar da decisão recente de deslocalizar a área militar de Figo Maduro e transferir os jatos privados para Cascais para aumentar a capacidade, acrescentam a “incerteza quanto à futura localização e, surpreendentemente, com o facto de a sua planificação não contemplar sequer um terminal de carga”.
Menos carga para Angola e Brasil. E-commerce ganha peso
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), os artigos farmacêuticos e os produtos perecíveis são aqueles que mais privilegiam o transporte de carga por via aérea. A Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA) aponta Angola, Brasil, Índia e Moçambique como os mercados mais tradicionais para este tipo de carga com origem em Portugal, seguidos da América do Norte, México e China. Os números fechados mais recentes (2021) relativos ao valor do transporte aéreo no total da carga exportada a partir de Portugal apontam para cerca de 2,4 mil milhões de euros.
Entre janeiro e agosto, em comparação com os primeiros oito meses do ano passado, o volume de carga transportada para Angola e para o Brasil baixou 14% e 8%, respetivamente, que são precisamente os dois principais destinos. Já em termos de faturação, calcula a APAT, regista-se este ano uma descida ainda mais acentuada, com perdas salientes nos EUA (-47%), Coreia do Sul (-46%) México (-42%) e Japão (-49%). O único em terreno positivo é mesmo o mercado interno português, em que, apesar do decréscimo no volume de carga (-8%), progrediu 12% no valor.
Ainda assim, salvaguardando que “a atipicidade de 2023 e respetiva conjuntura não favorece a análise de dados”, António Nabo Martins lembra que só no mês de agosto houve 8.949,2 toneladas de carga embarcada nos aeroportos de Portugal. E que este meio é “essencial para transportar mercadorias de elevado valor e os produtos farmacêuticos que precisam de chegar rapidamente às pessoas, assim como os do comércio eletrónico, que estão a crescer cerca de 10% ao ano e que já recorrem em grande parte ao transporte aéreo”.
O gestor estima que o setor assegura 46 mil postos de trabalho e assinala o “valor intrínseco dos produtos exportados por carga aérea, a mais-valia que representam e a necessidade que geralmente os acompanha de maior celeridade no transporte, como apenas o setor aéreo permite”. “Quanto mais competitivos formos no transporte e logística desta tipologia de cargas, [mais] estaremos a contribuir para a atração de indústrias de valor acrescentado, de conhecimento e para a retenção de recursos humanos”, completa.
Agilizar processos aduaneiros e de segurança
Para reforçar essa competitividade, os transitários exigem igualmente uma revisão dos procedimentos aduaneiros. Em particular, dizem que os processos para a obtenção e manutenção do estatuto de agente reconhecido e expedidor (integram a cadeia de abastecimento de carga aérea) são “complexos e morosos, especialmente quando comparados com os do nosso país vizinho”.
Da parte da ANAC, entidade responsável por este dossiê, a associação setorial recebeu, entretanto, a garantia de que este processo está a ser revisto, com o objetivo de identificar que fases podem ser agilizadas de forma a atrair mais operadores, empresas e transitários para esta certificação.
Por outro lado, na carta enviada no mês passado é pedida à supervisora e à ANA a melhoria nos protocolos de segurança, incluindo nos rastreios de mercadorias, para “minimizar atrasos e disfunções operacionais”. Dificuldades que, insistem os transitários, têm como consequência a transferência de carga para outros aeroportos europeus, a abertura de embalagens originais com risco de eventuais avarias e a perda de competitividade com “prejuízos evidentes” para a economia nacional.
Entretanto, esta associação decidiu criar o Fórum Nacional de Carga Aérea, em que pretende juntar todos os operadores do setor para falar a uma só voz. Já esta sexta-feira arranca no hotel Solverde, em São Félix da Marinha (Vila Nova de Gaia) o 19º Congresso APAT, que tem como mote ‘O transitário: a força da logística na economia’ e que junta durante dois dias a comunidade transitária portuguesa.
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