Nanotecnologia avança em Braga contra o “conservadorismo” das empresas portuguesas

Da Inteligência Artificial às soluções para a indústria têxtil ou chips, centro ibérico de nanotecnologia coloca Minho na vanguarda científica. PRR acelera, mas ainda falta investimento empresarial.

A Inteligência Artificial chegou às nossas vidas e promete revolucionar todas as áreas de atividade. Mas ainda falta muito para que a máquina possa substituir o homem. Para imitar o poder do cérebro humano, um sistema de IA precisaria de várias centrais nucleares para ser alimentado. Uma impossibilidade que o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL) está a procurar superar com o desenvolvimento de nova tecnologia. É só uma amostra do que é feito neste mega centro de inovação em Braga.

O INL é um dos centros de investigação mais desenvolvidos a nível mundial. Desde que foi criado, este centro tem vindo a desenvolver projetos disruptivos em várias áreas, desde a energia, à indústria, passando pela saúde, procurando ser um agente ativo na modernização do sistema empresarial português. Clivia Sotomayor Torres é a nova diretor-geral do centro e não tem dúvidas de que “com os melhores investigadores, conseguimos estar à frente da inovação a nível internacional”.

À frente do INL desde setembro, Clivia Sotomayor Torres adiantou ao ECO que “o objetivo principal para este novo capítulo é potenciar a excelência científica no INL”, assegurando que está “neste momento a trabalhar no sentido de identificar e preparar as áreas em que o INL poderá ser líder mundial”. Uma dessas áreas é a Inteligência Artificial.

“Já temos projetos nesta área, mas gostaria de ver o INL com um esforço mais concentrado no laboratório, que identificasse novas oportunidades para avançar a inteligência artificial”, nota a diretora do mega centro de nanotecnologia.

Ricardo Ferreira, líder do Spintronics Research Group, é um dos investigadores que tem vindo a trabalhar nesta área. “A inteligência artificial que entrou de rompante nas nossas vidas é o resultado de tentar imitar a forma como o nosso cérebro processa informação”, começa por explicar ao ECO Ricardo Ferreira. De acordo com o investigador, “apesar de estes sistemas estarem implementados em computadores com tecnologia CMOS convencional, os sistemas de AI são implementações em software de redes neuronais”.

Segundo o mesmo especialista, “estes sistemas de AI são muito impressionantes, mas ainda possuem apenas uma pequena fração do poder computacional de um cérebro. E contudo, um cérebro humano tem um consumo energético de cerca de 20W. Um computador desktop tem um consumo energético de cerca de 600W”, ilustra. A enorme quantidade de energia que precisaria para funcionar torna, desde logo, impossível substituir o cérebro humano.

“Segundo uma estimativa recente, um sistema de AI com o poder computacional do cérebro humano baseado na melhor tecnologia CMOS (eletrónica tradicional) existente iria requerer várias centrais nucleares para ser alimentado. Isto é uma impossibilidade prática”, assinala. É este desafio que o INL procura superar: “Trabalhamos hoje nas tecnologias que serão necessárias para implementar os sistemas de AI do futuro”.

Além da IA, Clivia Sotomayor Torres aponta a ciência quântica e os sensores médicos como duas outras áreas em que gostaria de ver mais projetos inovadores. O INL faz parte da Iniciativa Portuguesa Quântica e a responsável quer “explorar a possibilidade de experimentar e testar” computadores quânticos para ajudar a desenvolver esta área. Por outro lado, a nova diretora quer fazer “avançar a ciência” na área dos sensores médicos para corrigir estruturas genéticas.

“O INL funciona no ecossistema de inovação e desenvolvimento português como um elemento catalisador para o desenvolvimento e adoção de novas micro e nanotecnologias”, acrescenta Ricardo Ferreira. Os laboratórios, a secção de microscopia ou a sala limpa são áreas que permitem explorar e trabalhar no desenvolvimento de soluções capazes de otimizar processos de produção de empresas ou de dar resposta a problemas na indústria, como a crise dos chips.

A sala limpa do INL tem a “versatilidade necessária” para explorar novas ideias, materiais e processos num contexto científico — de uma forma que não é possível numa infraestrutura industrial, ressalva –, “ao mesmo tempo que tem uma capacidade de produção em volume e de desenvolvimento de processos em máquinas industriais que podem ser facilmente transferidos para a indústria, de uma maneira que não é tão direta num contexto puramente académico”.

Infraestruturas extremamente caras que estão disponíveis para toda a comunidade e para academia, que pretendem ajudar a criar soluções inovadoras nos projetos em que participam. Às empresas tem feito chegar tecnologias “à medida” dos seus problemas, como aconteceu com o PRODUTECH 3, um projeto focado em desenvolver soluções para a “Indústria de Futuro” e que veio dar resposta a uma prioridade das empresas: fazer a migração dos seus sistemas e das suas linhas de produção para um contexto de Indústria 5.0.

Para responder a esta necessidade, o INL criou um sensor, que permite fazer “uma monitorização não invasiva (sem custos de instalação e que pode ser instalado sem a necessidade de parar máquinas e linhas de produção), agnóstica (pode ser utilizado em qualquer tipo de máquina mecânica independentemente da sua função, fabricante ou modelo) e holística (um único sensor dá informação acerca de múltiplos componentes de uma máquina e da forma como esses componentes interagem entre si)”.

PRR acelera projetos de inovação

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) veio acelerar a implementação de novos projetos. O INL está atualmente em 17 agendas mobilizadoras, desde a área da energia limpa, do hidrogénio nas baterias — projeto que está a desenvolver com a Stellantis –, até à construção modelar e à saúde. Esta última num health cluster português, formado por mais de 60 entidades, como detalha ao ECO Francisco Guimarães, IP Exploitation & Knowledge Transfer Officer do INL.

Outro dos projetos, o CiNTech, está a ser desenvolvido com a farmacêutica Bluepharma. Pretende promover a criação e capacitação do primeiro polo tecnológico inteiramente dedicado a medicamentos injetáveis complexos em Portugal, num investimento global de 30 milhões de euros, sendo 21 milhões financiados pelo programa comunitário. O consórcio junta ainda a Universidade de Coimbra e três PME: Biotrend, JPM e Joinsteel.

Aliás, segundo os especialistas do INL, a maioria do financiamento dos projetos desenvolvidos por este centro de inovação passa neste momento pela chamada bazuca europeia, o que demonstra a relevância destes fundos da União Europeia.

Empresas pouco disponíveis para investir em tecnologias disruptivas

Apesar destes projetos desenvolvidos com empresas portuguesas, Ricardo Ferreira lamenta a falta de envolvimento nas tecnologias mais disruptivas. “É inegável que o desenvolvimento que o ecossistema português de ciência, inovação e desenvolvimento assistiu nos últimos 20 anos. Há hoje uma enorme adesão e participação das empresas portuguesas em projetos de inovação e todos esperamos e desejamos que elas beneficiem deste envolvimento e destes investimentos. Mas o investimento que as empresas fazem neste tipo de projetos é ainda muito conservador”, conclui.

É inegável que o desenvolvimento que o ecossistema português de ciência, inovação e desenvolvimento assistiu nos últimos 20 anos. Mas o investimento que as empresas fazem neste tipo de projetos é ainda muito conservador.

Ricardo Ferreira

Investigador do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia

Na opinião do investigador, “há muito interesse por parte das empresas em pegar em produtos e tecnologias inovadoras e incorporá-las na sua realidade. Mas esse interesse ainda está muito limitado a produtos e tecnologias ‘acabadas’, ou seja, já muito amadurecidas em termos científicos e já disponíveis comercialmente de alguma forma”.

Mais difícil, admite o porta-voz, é envolver as empresas portuguesas no desenvolvimento de novas tecnologias disruptivas. Em causa, detalha, estão “tecnologias que estão mais longe do mercado e que apresentam um risco maior em termos de investimento — mas que têm vantagens potenciais tão significativas que podem abrir novos e enormes mercados”.

Ao contrário das empresas estrangeiras, que diz estarem muito mais disponíveis para investir precocemente em novas tecnologias promissoras, “a apetência das empresas nacionais para este tipo de processos ainda não se sente”. “Assim como não se sente um investimento direto das empresas em ciência e tecnologia”, remata o mesmo especialista.

“Portugal tem as infraestruturas, tem o capital humano, tem o know-how e todos os elementos sistémicos necessários para ser competitivo. E todos estes instrumentos estão acessíveis a quem os quiser explorar”, assegura Ricardo Ferreira.

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