Rescisões nas tecnológicas são resposta corretiva ao Covid
Empresas de recursos humanos veem constantes despedimentos no setor tecnológico com normalidade, apontando à redução dos custos. Para Portugal, porém, preveem dificuldade em novas contratações.
A Spotify prescindiu de 1.500 funcionários no início desta semana, naquela que é a mais recente de uma série de saídas anunciadas no universo das empresas tecnológicas ao longo dos últimos dois anos. É a terceira (e a maior) ronda de despedimentos da plataforma de streaming de música, podcast e vídeo em 2023, ano em que já foram dispensados mais de 256 mil trabalhadores em 1.144 empresas do setor das tecnologias de informação, de acordo com a plataforma Layoffs.fyi.
Antes da empresa de origem sueca, também o LinkedIn e a Amazon anunciaram, recentemente, (mais) uma redução de pessoal, sempre com a justificação da necessidade de fazer ajustes nos seus custos operacionais, na sequência do boom de contratações a que se assistiu durante a pandemia de Covid-19, fruto da maior procura por serviços digitais.
Não obstante as notícias que podem fazer antever mais uma vaga de despedimentos nas grandes empresas tecnológicas, as recrutadoras defendem que a área de tecnologias de informação mantém-se como uma aposta segura no mercado laboral, considerando apenas tratar-se de um alinhamento entre a oferta e a procura de trabalho.
“É transitório. Hoje em dia já não há um grande drama em ver que há mais um lay-off, já é entendido como normal“, afirma Pedro Moura, Chief Growth Officer na Landing.Jobs, reconhecendo que o “maior racionamento do ponto de vista da gestão” leva a que não haja tanta necessidade de pessoal no imediato, como existiu na altura dos confinamentos — mas, antecipa, “vai voltar a crescer no longo prazo”.
Se inicialmente se pensava que determinada empresa que anunciou um corte de pessoal ia falir, nos dias de hoje até se vê, em alguns casos, o mercado de ações a reagir positivamente a estes movimentos. Por exemplo, os títulos do Spotify somam ganhos de quase 9% na bolsa de Nova Iorque desde 4 de dezembro, dia em que a administração anunciou um corte de 17% da sua força de trabalho.
Contudo, o responsável da recrutadora especializada na área tecnológica identifica outro fenómeno na base dos despedimentos no setor: o “replacement“. “As empresas estão a substituir pessoas pouco produtivas e caras, contratadas em alturas menos indicadas por pessoas sobretudo de outros países que estão a trabalhar remotamente ou a criarem equipas distribuídas noutros lados”, explica, em declarações ao ECO.
Entre as razões que motivam esta tomada de decisão emerge um contexto global de quebra do crescimento económico, inflação elevada e aumento das taxas de juro que será transversal a muitas delas. Neste cenário, segundo Nuno Ferro, Brand Leader da Experis Portugal, marca inserida no ManpowerGroup, muitas das empresas tecnológicas sentem necessidade de “reajustar os seus custos operacionais tendo em vista o atingimento das metas financeiras estabelecidas”.
“Os custos de capitais mais baixos, de um passado recente, possibilitaram que muitas destas empresas se tivessem tornado mais produtivas, mas muito menos eficientes. Pelo que podemos observar, a recuperação dessa eficiência é agora, para muitas, a maior das prioridades“, assinala Nuno Ferro. Isso mesmo é comprovado na mensagem divulgada na passada segunda-feira pelo presidente executivo da Spotify, Daniel Ek, em que se lê: “Pela maioria das métricas, fomos mais produtivos, mas menos eficientes. Precisamos de ser as duas coisas”.
A estes motivos, Ricardo Carneiro, Senior Director de Recrutamento e Seleção Especializado na Multipessoal, acrescenta ainda o “choque tecnológico” provocado pela inteligência artificial (IA). “Inevitavelmente, as grandes empresas tecnológicas, mesmo aquelas com resultados financeiros positivos [como é o caso da Spotify, que lucrou cerca de 32 milhões de euros no terceiro trimestre], querem preparar-se para o futuro, através de processos mais automatizados e com menor necessidade da componente humana”, sublinha o responsável ao ECO.
Embora reconheçam o impacto negativo que estes “processos de reestruturação” têm nas pessoas afetadas pelos despedimentos, as recrutadoras apontam que as taxas de desemprego globais e no setor continuam nos níveis mais baixos da última década. Pedro Moura, da Landing.Jobs, refere até que os números de trabalhadores despedidos desde o início deste ano “ainda não cobriram nem de perto nem de longe” as contratações que houve entre meados de 2021 e 2022 no universo tecnológico.
Só em 2023, a página Layoffs.fyi contabiliza 256.411 profissionais demitidos num conjunto de 1.144 empresas tecnológicas, números que superam em cerca de 55% o registo do ano passado: um total de 164.769 profissionais despedidos, num universo de 1.062 empresas tecnológicas. Para já, o pico foi atingido em janeiro deste ano, quando foram dispensados 89.579 funcionários de 276 empresas, sendo a Amazon a empresa que mais trabalhadores enviou para casa até à data.
Em Portugal, a perspetiva é de mais contratações
Tal como aconteceu lá fora, o mercado de trabalho no setor da tecnologia em Portugal sofreu mudanças drásticas nos últimos anos, devido, em particular, à pandemia. As empresas adotaram massivamente o teletrabalho, o que permitiu que os profissionais da área passassem a trabalhar remotamente não apenas para empresas portuguesas, mas também além-fronteiras.
“Somos muito procurados pelo estrangeiro. Temos bom inglês e boa capacidade de entrosamento cultural com todas as pessoas, assim como uma ética de trabalho — quando não numa empresa portuguesa — que é excelente”, nota o Chief Growth Officer da Landing.Jobs, cujos dados mais recentes apontam para uma percentagem de 22,6% de profissionais a trabalhar remotamente a partir de Portugal — não a partir de tech hubs criados por empresas estrangeiras em território nacional.
Os números correspondem a quase um quarto da força de trabalho do setor das tecnologias de informação em Portugal a trabalhar remotamente para empresas no estrangeiro, com Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha, Suíça e Países Baixos à cabeça. Este êxodo virtual encontra justificação, de acordo com a empresa especializada em recrutamento no setor, no ganho salarial médio de 60% acima da remuneração de quem trabalha em Portugal para uma empresa portuguesa do setor.
Nesse sentido, Nuno Ferro, da Experis Portugal, perspetiva “um continuado forte crescimento das intenções de contratação para o setor das tecnologias de informação no arranque de 2024” no mercado nacional da área, tendo por base os contactos diretos com as empresas clientes do grupo e os estudos temáticos que realizam trimestralmente.
Mas o recrutamento não será fácil. “As empresas portuguesas, mesmo as grandes, estão a entrar em pânico porque não conseguem contratar pessoas de informática. Têm de requalificar pessoas, mas a maior parte não tem o background“, conta ao ECO o responsável da Landing.Jobs.
Olhando para os objetivos sinalizados pelo atual Governo, a intenção é chegar a 2030 com 8% da força laboral a trabalhar em tecnologias de informação. Atualmente, o valor é de 4,5%. Segundo Pedro Moura, mantendo este número de trabalhadores, o país precisaria de cerca de mais 170 mil ou 180 mil pessoas, entre 2022 e 2030, o que corresponde a cerca de 20 mil pessoas por ano a entrarem nesta área.
Estatisticamente, e mesmo com números exagerados, as fontes de talento no setor tecnológico dariam apenas cerca 15 mil pessoas por ano ao mercado de trabalho a nível nacional. “Universidades — que formam oito mil pessoas por ano; bootcamps e aprendizes autónomos — vamos dizer duas mil pessoas, o que é um exagero; mais estrangeiros a vir para Portugal — vamos dizer cinco mil. Mesmo assim, ainda ficariam a faltar cinco mil profissionais por ano só em Portugal“, constata o responsável da Landing.Jobs.
Ainda que os valores entre a oferta e a procura de trabalho estejam a divergir no caso nacional, Portugal não escapa à onda de despedimentos nas empresas tecnológicas. O caso mais recente é a Talkdesk: em setembro, a unicórnio nacional avançou com uma proposta de rescisão por mútuo acordo “mais benéfica para as partes do que seguir um procedimento de despedimento coletivo”, num processo que deverá afetar cerca de 200 pessoas de um total de 800 que prestam serviços para a companhia no país. Foi o terceiro corte de pessoal na tecnológica em pouco mais de um ano.
(Notícia corrigida às 14h26 de segunda-feira, para alterar o cargo de Nuno Ferro, da Experis Portugal)
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