Fed abre a porta a mais descidas de juros e domínio dos touros nos mercados

Uma Fed surpreendentemente suave abriu caminho para os investidores descontarem ainda mais cortes de juros em 2024 e para as ações reforçarem o movimento de alta que está a marcar 2023.

A Reserva Federal (Fed) surpreendeu investidores e economistas com uma mensagem muito mais branda do que era esperado, na conclusão de uma reunião que ficará para a história como o momento em que o banco central dos Estados Unidos sinalizou a inversão da sua política monetária.

A Comité de Política Monetária da Fed (FOMC, na sigla em inglês) deixou explícito que chegou ao fim o ciclo de agravamento de juros mais agressivo em 40 anos (11 aumentos entre 2022 e julho deste ano, num total de 525 pontos base). Em vez de subidas de juros que marcaram os últimos meses, a discussão está agora focada nos cortes e a partir de quando vão surgir.

O banco central foi além do que era aguardado pelos economistas, ao antever três cortes de juros de 25 pontos base em 2024. As medianas das projeções dos 19 membros do FOMC apontam para as Fed Funds baixarem para 4,6% no final de 2024 e 3,6% no final de 2025, o que representa uma revisão em baixa de 50 pontos base face ao que o banco central antecipava em setembro. A taxa foi mantida em 5,25%-5,50% na reunião desta quarta-feira.

As novas estimativas ainda ficam aquém do que estava a ser descontado nos mercados, mas a discrepância é agora mais ténue, o que abriu caminho para os investidores ficarem ainda mais agressivos na perspetiva de alívio da política monetária em 2024. Passaram a atribuir uma probabilidade de 80% ao primeiro corte juros já na reunião de março, precificando uma redução total de 140 pontos base no próximo ano.

A atualização das projeções económicas também jogou a favor de um alívio considerável das taxas de juro no próximo ano. A Fed elevou a estimativa para o crescimento do PIB este ano (2,6%), mas antecipa um abrandamento em 2024 (1,4%). A inflação foi revista em baixa para 2,8% este ano e 2,4% em 2024.

Até aqui a Fed tem focado todas as atenções no controlo da inflação, que atingiu um máximo de 40 anos próxima dos dois dígitos. Agora está claramente a alterar a estratégia, dando prioridade ao objetivo de orquestrar uma aterragem suave da maior economia do mundo. Uma mudança que nos mercados é conhecida por pivot e que visa alcançar o ambicionado soft landing da economia.

Fed já está a discutir timing de corte de juros

Fica assim para trás a narrativa que a Fed repetiu até há poucas semanas de que as taxas de juro iriam ficar em níveis restritivos por um período prolongado (higher for longer). Se o comunicado e as projeções da Fed já indiciavam esta alteração significativa de mensagem, a conferência de imprensa de Jerome Powell deixou bem claro qual é o novo posicionamento do banco central.

Ao contrário do que era esperado, o presidente de Fed não fez qualquer esforço para contrariar as perspetivas agressivas de cortes de juros por parte dos mercados. De forma discreta, mencionou que o banco central mantém em cima da mesa a possibilidade de subida de juros, mas fez questão de revelar que o corte de juros já foi tema de discussão na reunião de hoje.

A questão de quando será apropriado começar a reduzir a quantidade de restrições de política [monetária] em vigor, que começa a estar em vista e é claramente um tópico de discussão no mundo e também uma discussão para nós na nossa reunião de hoje,” afirmou Powell na conferência de imprensa. Uma declaração que contrasta com os alertas proferidos no início deste mês de que era prematuro discutir cortes de juros.

Jerome Powell e os seus colegas do banco central surpreenderam significativamente, pelo simples facto que indicarem um cenário de juros nos 4,6% no próximo ano. O expectável será um início do ciclo de descidas dos juros nos EUA, que pode começar já no início do segundo trimestre de 2024.

Mário Martins, analista da ActivTrades

“Mudança surpreendente” abre porta a ciclo de descida de juros

Mercados, analistas e economistas aguardavam uma mensagem menos agressiva (hawkish) devido à extensão da queda da inflação, mas o discurso da Fed foi bem mais suave (dovish) do que era expectável, gerando uma reação de surpresa por parte dos especialistas.

“Jerome Powell e os seus colegas do banco central surpreenderam significativamente, pelo simples facto que indicarem um cenário de juros nos 4,6% no próximo ano”, comenta Mário Martins, analista da ActivTrades, considerando que agora é “expectável um início do ciclo de descidas dos juros nos EUA, que pode começar já no início do segundo trimestre de 2024”.

O ING também se mostrou surpreendido com a abordagem dovish da Fed, considerado que o banco central “aumentou as expectativas de grandes cortes nas taxas de juro em 2024”. Os economistas do banco dos Países Baixos salientam que a Fed “pondera fortemente as implicações do que diz”, pelo que esta “mudança surpreendente” no discurso “​​deu ao mercado luz verde para pressionar por mais” cortes de juros.

O ING estima uma redução acumulada de 150 pontos base nas Fed Funds em 2024, com a primeira descida a surgir em maio, ao que se seguirá mais cortes de 100 pontos base no início de 2025. A Capital Economics tem uma perspetiva muito semelhante, apontando a 175 pontos base de descidas no próximo ano. A primeira descida em março e depois cortes de 25 pontos base em todas as reuniões até final do ano.

Mercados festejam

Se os economistas ficaram surpreendidos com a mensagem dovish da Fed, os investidores aproveitaram para a reforçar o apetite pelos ativos de risco e o movimento de alta que está a marcar este final de ano nas ações e obrigações. Os touros, que simbolizam o movimento de alta nas ações, ganharam ainda mais força para dominar os mercados nos próximos tempos, sobretudo se a perspetiva de abrandamento suave da economia se confirmar.

A convicção de que a descida de juros em 2024 vai suportar a avaliação das ações levou o índice Dow Jones a fechar pela primeira vez acima dos 37 mil pontos, o primeiro máximo histórico em dois anos. O índice S&P500 renovou máximos de 20 meses, acumula ganhos de 22,6% em 2023 e está a apenas 2% de atingir o nível mais elevado de sempre. O Nasdaq 100, que agrupa as maiores tecnológicas, já valoriza perto de 50% este ano.

No mercado de dívida o movimento de alta foi ainda mais expressivo, refletindo as perspetivas mais agressivas de cortes de juros da Fed. “Parcialmente, a Fed aprovou a visão de que as taxas vão descer com força em 2024”, comentam os economistas da Lloyds, que justificam a descida agressiva das yields das obrigações com o facto de a Fed “não ter aproveitado a oportunidade para corrigir as previsões do mercado”.

A taxa de juro das obrigações a dois anos (mais sensível às Fed Funds) afundou 30 pontos base para 4,4%, na queda diária mais acentuada desde março. A yield dos títulos de referência a 10 anos cedeu 18 pontos base a caminho dos 4%. Os analistas do ING consideram que este é o valor justo para taxa destes títulos, mas admitem que o caminho está aberto para um recuo até 3,5% no próximo ano.

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