Fed vai manter juros e descartar cortes no primeiro semestre

O mercado de trabalho robusto e a descida leve da inflação reforçam a ideia de que, ao contrário do que estão a prever os investidores, ainda não chegou a altura da Fed sinalizar cortes de juros.

A Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) volta, esta quarta-feira, a deixar a taxa de juro de referência no intervalo entre 5,25%-5,50%. Deverá também efetuar alterações ao seu discurso, rever em alta as projeções de crescimento económico, em baixa as estimativas para a inflação e continuar a apontar para um alívio brando da política monetária em 2024.

Quando o banco central anunciar as decisões adotadas na reunião desta tarde, estas são as “quase certezas” esperadas pela generalidade dos investidores, economistas e analistas. Mas também existem muitas incógnitas, sobretudo na forma como vai a Fed reconhecer a evolução benigna da atividade económica e da inflação, sem que a sua mensagem empole ainda mais as expectativas do mercado para o corte de juros em 2024.

É uma tarefa que não se adivinha fácil, tendo em conta que os investidores estão muito agressivos a precificar cortes das Fed Funds no próximo ano, ignorando a mensagem que o banco central tem transmitido de que a política monetária vai permanecer num nível restritivo por um período prolongado (higher for longer).

O alívio substancial da inflação para mínimos de dois anos, acompanhado de dados que evidenciam um abrandamento da economia, motivaram um ajustamento considerável nas expectativas do mercado ao longo do último mês para a evolução dos juros. Uma reação que gerou uma corrida aos ativos de risco, levando as ações em Wall Street para máximos do ano e as yields das obrigações para mínimos de agosto.

Esses desenvolvimentos representam um alívio das condições financeiras e por isso são vistos como desfavoráveis para a Fed, que vai agora tentar corrigir estas expectativas agressivas dos investidores. O mercado de futuros chegou a descontar cortes acumulados de 150 pontos base ao longo de 2024, com a primeira redução a surgir já em março.

O relatório do emprego relativo a novembro, que foi publicado na última sexta-feira (taxa de desemprego baixou para 3,7% e economia criou perto de 200 mil postos de trabalho), fez o mercado recuar na perspetiva mais agressiva de corte de juros. O relatório da inflação, publicado esta terça-feira, reforçou esta tendência. Os preços subiram em novembro face a outubro, levando a inflação homóloga a descer apenas uma décima para 3,1%. A inflação subjacente, que exclui alimentos e energia, estabilizou nos 4%, ainda o dobro da meta da Fed.

Indicadores que dão argumentos à Fed para contrariar as perspetivas dos investidores, reforçando a mensagem de que as taxas de juro não vão descer tão cedo. O banco central tem o objetivo de encaminhar a inflação para os 2% e orquestrar um abrandamento suave da economia, considerando que estabilizar os juros na primeira metade do ano será a melhor forma de atingir este propósito.

Ainda assim, o mercado está agora a precificar pelo menos quatro cortes de juros em 2024, com o primeiro alívio a ser sentido em maio (probabilidade superior a 75%). Entre os economistas as previsões são um pouco mais cautelosas, com o consenso da sondagem da Reuters a apontar para a primeira descida apenas em julho, embora a convicção seja geral de que a Fed não voltará a subir os juros depois de 11 aumentos entre 2022 e julho deste ano, num total de 525 pontos base (5,25 pontos percentuais).

Economistas divididos

Mesmo entre economistas as expectativas são bem díspares, evidenciando a incerteza que persiste para 2024. Apesar de salientar que a descida da inflação “tem sido uma surpresa encorajadora, mesmo tendo em conta as nossas estimativas otimistas”, o Goldman Sachs só vê a Fed a cortar os juros no terceiro trimestre (antes estimava nos últimos três meses de 2024).

O banco de investimento aguarda que a Fed mantenha a projeção de apenas dois cortes de juros no próximo ano, 125 pontos base em 2025 e mais 100 pontos base em 2026. Prevê que a Fed eleve a previsão de crescimento do PIB (1,6% em 2024) e baixe a projeção para a inflação subjacente (2,5% em 2024 e 2,2% em 2025).

A Capital Economics tem uma expectativa que até vai além do que esperam os mercados. Estima a primeira redução já em março, com um alívio total de 175 pontos base no próximo ano. “A Fed pode ainda não estar preparada para abandonar a indicação de aperto da política monetária, mas os mercados já não estão a comprar o mantra de higher for longer“, refere Andrew Hunter, vice economista-chefe da consultora, salientando que “independentemente do que acontecer à procura, a normalização da oferta significa que a inflação está rapidamente a regressar à meta dos 2%”.

O economista reconhece que um corte de juros de quase 2 pontos percentuais fora de uma recessão “não tem precedentes”, mas os responsáveis da Fed “temem que o impacto total do aperto da política monetária ainda não se tenha feito sentir”. Com a inflação a regressar à meta, “pensamos que o foco mudará para o objetivo de evitar uma recessão económica totalmente desnecessária”.

A Capital Economics aguarda que a Fed efetue diversas alterações na linguagem do comunicado que será emitido às 19:00 (hora de Lisboa), deixando cair a indicação de que novas subidas de juros são apropriadas e que a atividade económica continua “forte”. Na mensagem também deixará de constar a constatação de que o aperto das condições financeiras está a contribuir para pressionar a inflação, uma vez que tendência inverteu-se desde a última reunião (ações subiram e yields das obrigações desceram).

O ING tem uma perspetiva semelhante, estimando cortes de 150 pontos base em 2024 e 100 pontos base no ano seguinte. “Existe uma evidência crescente de que o aperto da política monetária e as condições de crédito mais restritivas estão a ter o efeito desejado de pressão na inflação”, mas a “Fed não vai querer ‘aprovar’ os cortes de juros significativos que estão a ser precificados nos mercados até que tenha a confiança de que a pressão nos preços foi anulada”.

Neste contexto, o ING também espera que o Sumário das Projeções Económicas das Fed aponte apenas para dois cortes de juros em 2024. “Pensamos que a Fed vai adotar uma posição mais branda, mas apenas no primeiro trimestre do próximo ano”, refere o ING.

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