“Os pequenos investidores não estão nem aí para a revolução verde”

A aposta na sustentabilidade está a ser induzida pelas regras impostas pela UE aos investidores institucionais, afirma João Pratas, presidente da associação que representa as gestoras de fundos.

João Pratas, presidente da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP) afirma que “não há procura dos pequenos investidores” pelos fundos ESG, que investem em empresas com boas práticas ambientais, sociais e de governance. Para aumentar a adesão, estes produtos têm de ser mais simples, defende.

“Não foi a generalidade da população que provocou esta mudança. Isto foi uma opção política da União Europeia, que acho que é uma opção boa se queremos mudar o mundo, mas não é uma opção dos investidores“, aponta João Pratas, em entrevista ao ECO.

“Temos que repensar o tema da apresentação dos produtos, nomeadamente naquilo que é relevante em termos de ESG, porque senão é impossível de perceber. Vai ter que ser uma mensagem mais simples sobre o que cada fundo faz”, propõe o presidente da APFIPP.

O responsável aborda também o papel que os fundos imobiliários podem ter no aumento da oferta habitacional, que exige uma maior estabilidade nas regras e resolver uma questão técnica: isentar de IRS os rendimentos dos investidores que aplicam as poupanças em fundos que invistam em arrendamento acessível.

Os fundos imobiliários têm vindo a crescer em Portugal. Entretanto, este ano tivemos a aprovação do pacote Mais Habitação e, agora com o Orçamento do Estado, o fim do regime fiscal favorável para os não-residentes. Estas medidas vão travar o investimento dos fundos imobiliários?

Nós temos um bom mercado de fundos imobiliários, mas é para não habitação. Em relação à habitação, enquanto houver instabilidade nos regimes de arrendamento habitacional é extremamente difícil que os fundos entrem. No momento em que eu tenho um limite de 2% [ao aumento das rendas], e sei que foi corrigido este ano de alguma forma, é impossível o mercado funcionar. O mercado tem de funcionar e depois quem precisa de apoio social o Estado dá.

A instabilidade nas regras é um entrave.

O principal problema da entrada dos fundos tem a ver com estas mexidas no mercado. Depois há alguns problemas técnicos, e tentámos várias abordagens com o Governo, que é a facilitação da entrada dos fundos no mercado de arrendamento acessível. Um particular que coloque a casa em regime de arrendamento acessível tem uma isenção de IRS. Ora o fundo de investimento está isento à partida e portanto é preciso que os rendimentos que o fundo de investimento depois passa para os titulares das unidades participação também fiquem isentos. É um aspeto técnico, mas sem este aspeto é impossível que os fundos sejam estimulados por este regime. Lá fora é comum haver fundos de investimento a investirem no mercado residencial. E nós, com a falta que temos de investimento residencial era importante trazer estes institucionais para o mercado.

João Pratas, presidente da APFIPP, em entrevista ao ECO - 18DEZ23
João Pratas, presidente da APFIPP, em entrevista ao ECO.Hugo Amaral/ECO

A COP 28 terminou recentemente e um dos temas mais relevantes foi a necessidade de conseguir mais financiamento para a acelerar a descarbonização e a transição energética. Os fundos ESG (iniciais em inglês de ambiente, social e governança) têm aí um papel, mas alguns casos de greenwashing penalizaram a sua imagem. O acrónimo ESG ainda faz sentido?

Os poderes públicos a dada altura tiveram uma ideia: isto está a custar a avançar, vamos pôr toda a indústria de gestão de ativos a pressionar para a mudança. E então criaram um regime. No fundo, pôr a gestão de ativos, que gere milhões de milhões, os seguros, os fundos de investimento, a forçar a mudança. Acho a ideia interessante.

Mas houve alguns abusos.

Não acho que tenha havido abusos.

Houve fundos a serem comercializados como ESG que afinal não eram ESG.

O que é o ESG? Quando falo com os reguladores digo: para me dizerem se há greenwashing digam o que é que é o green? E a dificuldade começa aí. Não estou a dizer que não haja greenwashing, agora eu estou convencido que na generalidade não há. Acho que na generalidade há boa-fé dos operadores em se adaptarem à lei e fazerem aquilo que estão a dizer que estão a fazer.

Saiu um regime, que é o SFDR Europeu [Sustainable Finance Disclosure Regulation], em que os fundos deviam ou manter-se num regime neutro, fazendo um disclosure sobre aquilo que fazem em termos de ESG, ou então já há algum comprometimento em relação ao ESG, e aí temos o artigo 8.º. Depois temos o artigo 9.º, em que o negócio principal é ser verde. No artigo. 9º o fundo investe em painéis solares, barragens, torres eólicas. No artigo. 8º é uma empresa em que o negócio principal é, por exemplo, fazer uma bebida, mas que adota imensas medidas de sustentabilidade.

O ESG é uma coisa muito complexa. Este regime saiu há dois ou três anos e provavelmente vai mudar de forma substancial. O disclosure é importantíssimo. No caso de um fundo de investimento, só faz greenwashing se não estiver a fazer aquilo que diz que está a fazer.

As sociedades de todos os portugueses estão a investir suficientemente neste tipo de fundos? E os portugueses aderem?

Há uma coisa que é preciso perceber: houve muitos fundos que se transformaram. Eram fundos que já existiam. Não é dinheiro novo que entrou em verde. O retalho não está nem aí com esta revolução.

Não há procura dos pequenos investidores. Há dos institucionais, mas porque os institucionais estão sujeitos à lei.

Quando diz retalho está a referir-se aos pequenos investidores.

Os pequenos investidores. Os investidores que não são institucionais. Quando se diz que há uma pressão cada vez maior, não é verdade.

Não há procura dos pequenos investidores.

Não há procura dos pequenos investidores. Há dos institucionais, mas porque os institucionais estão sujeitos à lei. Se um fundo de pensões procura um fundo de investimento que é verde, é porque ele próprio também tem que justificar que é verde. Não foi a generalidade da população que provocou esta mudança. Isto foi uma opção política da União Europeia, que acho que é uma opção boa se queremos mudar o mundo, mas não é uma opção dos investidores. E mesmo agora, não se sente essa pressão dos investidores. Aliás, à medida que nós vamos avançando e tudo se torna mais complexo, nomeadamente nas vendas, na explicação… Eu acho que as pessoas até se começam a se afastar do verde.

É mais uma camada de complexidade.

É mais uma camada de complexidade que é difícil de perceber. Na União Europeia temos que repensar o tema da apresentação dos produtos, nomeadamente naquilo que é relevante em termos de ESG, porque senão é impossível de perceber. Vai ter que ser uma mensagem mais simples sobre o que cada fundo faz.

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