Obras públicas verdes e zero resíduos em aterro. Cimenteiras pedem ajuda na descarbonização
A indústria do cimento está a braços com vários projetos que pretendem ajudar à descarbonização total da atividade até 2050. Mas diz precisar de políticas e fundos públicos para lá chegar.
O setor do cimento estima que é necessário um investimento de 500 milhões de euros até 2030 para a descarbonização da atividade, mas assinala que são “críticos” os apoios financeiros e também políticas públicas para concretizar os objetivos a tempo. Marta Feio, secretária-geral da Associação Técnica da Indústria de Cimento (ATIC), que representa as portuguesas Secil e Cimpor, enumerou alguns dos esforços em curso e deixa alguns apelos nesse sentido.
“Precisamos de uma série de medidas públicas. Este é um caminho que não podemos fazer sozinhos“, indica Marta Feio. Isto porque “sem a descarbonização da indústria cimenteira não conseguiremos alcançar as metas que estão previstas a nível nacional e europeu”, calcula.
No Roteiro para a Neutralidade Carbónica do setor, a indústria assume o compromisso público de descarbonização do setor a dois tempos. Até 2030 prevê uma redução das emissões em 48% ao longo de toda a cadeia de valor, para, até 2050, ser capaz de alcançar a neutralidade carbónica.
Para a ATIC, “era importante que houvesse uma verdadeira política de tratamento de resíduos“, isto é, zero deposição e aterros, o que permitiria usar o poder calorífico de resíduos como pneus ou estiras de madeira, que podem ser integrados em combustíveis alternativos. Isto reduz “substancialmente” as emissões de carbono e contribui para a economia circular, indica.
Outra medida que gostava de ver concretizada era a criação de uma obrigatoriedade, nos cadernos de encargos das obras públicas, de utilizar produtos com menor pegada carbónica. Para ser bem sucedida, esta medida exige que haja uma avaliação de ciclo de vida dos diversos produtos e a contabilização do carbono associado.
Em termos de apoios financeiros, existem alguns na calha e “são críticos”, avalia a secretária-geral da ATIC, pois estão em causa “investimentos muito grandes, com vários anos de maturidade e de retorno”. A indústria nacional prevê que sejam necessários 500 milhões em investimento até 2030, e 1.000 milhões entre 2030 e 2050.
Para já, Marta Feio regista alguns atrasos na atribuição de apoios, que serão concedidos, em grande medida, ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência. “Esperemos que se consiga concretizar todos os projetos que estão previstos no intervalo de tempo que está previsto”, apesar do tempo para a concretização se encontrar agora reduzido devido aos atrasos, alerta, para depois acrescentar: “Precisamos de um enquadramento de apoios públicos que também permitam esta partilha de risco entre o setor privado e o setor público”.
Do cimento verde ao hidrogénio
Atualmente, dois terços das emissões implícitas na produção de cimento decorrem de um fenómeno químico que se dá quando se transforma a pedra (calcário) em clínquer, que é depois a base do cimento. O outro terço está sobretudo relacionado com a utilização de combustíveis fósseis.
A redução do uso de combustíveis fósseis resultou numa quebra de 14% das emissões de dióxido de carbono (CO2) desde 1990. Passaram a ser usados combustíveis alternativos, derivados de resíduos, e também energias renováveis. Foram, neste espaço de tempo, investidos 209 milhões de euros em projetos que vão desde a eficiência energética até à utilização de combustíveis alternativos, com base em resíduos.
Além disso, parte destes fundos está a ser aplicada em investigação para a criação de produtos mais sustentáveis, numa tentativa de reduzir os dois terços das emissões que decorrem do processo de obtenção de clínquer. No fundo, a criação de cimentos mais verdes, com novos constituintes. A secretária-geral da ATIC não entra em detalhes por questões de concorrência entre as duas entidades que a associação representa. “Estima-se que até 2030 poderemos utilizar alguns destes materiais, sendo que a partir dessa altura também será mais exponenciada a sua utilização”, explica a responsável.
Também o hidrogénio verde é visto como uma promessa para a descarbonização desta indústria entre 2030 e 2050. Está a ser ainda estudada a dimensão do contributo que este gás renovável pode dar, tendo em conta a diferença em termos de potencial calorífico que apresenta face ao gás natural. Por fim, estão em fase piloto, portanto ainda não disponíveis à escala comercial, tecnologias de captura de carbono.
Competitividade ainda em risco
Em outubro de 2023, iniciou-se a implementação Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço (CBAM, na sigla em inglês), que vai passar a colocar um preço nas emissões carbónicas dos produtos importados para a União Europeia a partir de 2026. Algo que, de acordo com Marta Feio, sempre foi defendido pela indústria cimenteira, tanto a nível nacional como europeu.
“Conseguimos criar aqui um level playing field [condições de concorrência harmonizadas] entre os produtos que são comercializados na União Europeia. No entanto, para os produtos que são produzidos na União Europeia e que são exportados para países terceiros, continua a não haver este level playing field“, assinala.
Neste sentido, a associação defende que deveria haver um mecanismo de apoio também às exportações, que compensasse precisamente o diferencial do custo de carbono que está incluído nos produtos produzidos na União Europeia, de forma a não estarem em desvantagem competitiva com países terceiros. De momento, a indústria cimenteira nacional exporta 40% do seu produto para países fora da UE.
Sobre quem suportará os custos de implementação do CBAM e a dimensão dos mesmos, a secretária-geral da ATIC preferiu não avançar os dados.
Veja a entrevista na íntegra aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=EkGBysiu1jk
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