Da “face da austeridade” ao “contributo para a integração europeia”, o legado de Schäuble visto de Portugal

Ministro das Finanças alemão ficou conhecido pela defesa da austeridade durante o resgate da troika, mas deixou também alguns elogios a Portugal na recuperação.

Desde a “face da austeridade” até um homem “que merece respeito“, as recordações do antigo ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, variam em Portugal. O político alemão, que morreu esta quarta-feira aos 81 anos, era uma figura controversa que deixa marcas na história económica europeia, mas também portuguesa.

Schäuble tornou-se ministro das Finanças da Alemanha em outubro de 2009, no meio de uma crise profunda, desencadeada pelo subprime, e que rapidamente arrastou as economias mais frágeis da zona euro. Ficou conhecido pela defesa da austeridade, uma receita que impôs a todos os países do sul da Europa, incluindo Portugal, a Grécia e a Irlanda, que pediram ajuda financeira à troika.

Schäuble era o rosto da austeridade e assim ficou conhecido nos países mais afetados nas crises da dívida soberana, tendo chegado mesmo a sugerir uma saída da Grécia da Zona Euro, por cinco anos. Com Portugal, também demonstrou exigência e dureza, mas acabou por elogiar os resultados alcançados.

Com Vítor Gaspar, ministro das Finanças do governo de Passos, foram conhecidos alguns diálogos informais, nomeadamente quando sinalizou disponibilidade para uma revisão ou um ajustamento do programa de resgate. Com a crise ultrapassada, Schäuble mostrou-se cético com os planos do Governo de António Costa, mas acabou depois por reconhecer o trabalho de Mário Centeno ao leme das Finanças portuguesas – tendo mesmo cunhado a expressão de “Ronaldo do Ecofin”.

“É uma pessoa que encarnava uma forma de olhar para a Europa e para a política financeira europeia designada como frugalismo, uma visão rigorosa e austera do ponto de vista orçamental”, recorda ao ECO Ricardo Mourinho Félix, que se relacionou com Schäuble desde que tomou posse como Secretário de Estado Adjunto, das Finanças e do Tesouro no Governo, em 2015, até que o alemão deixou de ser ministro em 2017.

O político alemão foi dos primeiros a “dizer que tinha as maiores dúvidas sobre a situação portuguesa, sobre a capacidade de um Governo de centro-esquerda que tinha um acordo parlamentar com partidos mais a esquerda de levar a cabo um conjunto de reformas e políticas orçamentais que permitiram devolver alguns rendimentos e fazer consolidação”, nota o atual vice-presidente do Banco Europeu de Investimento. “Foi sempre cético, mas respeitoso”, acrescenta.

Em 2017, quando começou a ficar “clara a consolidação, reposição de alguns rendimentos que tinham sido cortados, foi possivelmente o primeiro dos frugais que disse ao ministro das Finanças [Mário Centeno] que tinha de reconhecer que tínhamos conseguido e deu-nos os parabéns por isso”, adianta.

Assim, a recordação que Mourinho Félix guarda é de uma “personalidade política forte, um homem com ideias muito claras sobre a forma como via o mundo e a Europa, muito austero no sentido que acreditava firmemente que era fundamental uma ortodoxia, mas que soube reconhecer trabalho que tinha sido feito e o esforço”.

Sobram então “recordações ambivalentes”, de um “homem com princípios, valores, uma ideia da Europa que não era a minha, mas respeitadora”, considera o ex-secretário de Estado português. Sobre a forma como a figura será recordada em Portugal, diz que existirão opiniões “para todos os gostos”. Alguns “recordarão como a face da austeridade”, enquanto poderão existir até “pessoas que acham que a austeridade era o caminho certo”.

O facto é que das figuras da política portuguesa não surgiram muitas reações à morte de Schäuble, num dia que ficou também marcado pela morte do ex-presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors, e da deputada do PCP Odete Santos.

Do lado institucional, Marcelo Rebelo de Sousa pronunciou-se para prestar condolências ao homólogo, sem mencionar a relação com Portugal. “Wolfgang Schäuble será recordado pela marca indelével que deixou na história da Alemanha ao longo do seu percurso parlamentar de mais de 50 anos, tendo desempenhado um papel fundamental na reunificação do país, e pelo seu importante contributo para a integração europeia”, lê-se numa nota divulgada na página da Presidência da República.

Nas redes sociais, é de destacar o tweet de Rui Rio, que fez referência às perdas que marcaram o dia. “Wolfgang Schäuble, Odete Santos e Jacques Delors três personalidades que hoje nos deixaram e que eu me habituei a respeitar”, escreve. “Os dois primeiros pela coerência e firmeza na defesa das suas muito distintas convicções, o terceiro pelo seu enorme contributo na construção europeia”, conclui o antigo presidente do PSD.

Já da Grécia, país altamente marcado pela crise da dívida, surgiu a reação do ex-ministro das Finanças Yanis Varoufakis, que recordou a “austeridade violenta” e as “políticas desastrosas” do antigo homólogo alemão. “Wolfgang Schäuble foi a encarnação do projeto político de apoiar uma União Monetária em que ele próprio não acreditava. Para o fazer, teve de impor uma austeridade violenta, mesmo na Alemanha, e desmantelar as instituições democráticas em países como a Grécia”, escreveu Yanis Varoufakis.

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