Olivier Blanchard conta-nos aqui como é que de repente, em 2006, viu que Portugal ia ter um grave problema. Dessa vez estava certo. E porque é que não viu isso em 2002?
A entrevista ao ECO foi a oportunidade para conversar com Olivier Blanchard sobre um dos erros de avaliação que os economistas cometeram no início da vida do euro: que os défices externos e a consequente acumulação de dívida externa deixavam de ser importantes como no passado. Era uma das teses do então governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio e do Banco Central Europeu em termos gerais. E um dos trabalhos que fundamentou essa teoria, com data de 2002, é da autoria de Olivier J. Blanchard e Francesco Giavazzi e chama-se “Current Account Deficits in the Euro Area. The End of the Feldstein Horioka Puzzle?”
Ainda antes da publicação desse trabalho, Vítor Constâncio, no seu discurso de tomada de posse como governador do Banco de Portugal a 23 de Fevereiro de 2000 disse: “Sem moeda própria não voltaremos a ter problemas de balança de pagamentos iguais aos do passado. Não existe um problema monetário macroeconómico e não há que tomar medidas restritivas por causa da balança de pagamentos. Ninguém analisa a dimensão macro da balança externa do Mississipi ou de qualquer outra região de uma grande união monetária. Isto não significa que não exista uma restrição externa à economia. Simplesmente esta é o resultado da mera agregação da capacidade de endividamento dos vários agentes económicos. O limite depende essencialmente da capacidade de endividamento dos agentes internos (incluindo os bancos) perante o sistema financeiro da Zona Euro. Se e quando o endividamento for considerado excessivo, as despesas terão que ser contidas porque o sistema financeiro limitará o crédito”. É aliás a referência ao Estado norte-americano que leva hoje alguns economistas a designarem essa tese como a “Teoria do Mississipi”.
Em 2002, Blanchard é um dos economistas que valida essa tese. E na última parte da entrevista ao ECO conversamos sobre esse tempo, sobre o que não viu e como é que menos de quatro anos depois reconheceu que estava errado e que afinal tudo poderia correr muito mal a Portugal. Foi um dos economistas que mais cedo antecipou o doloroso ajustamento que aconteceu a partir de 2011 já com a troika. Fê-lo numa conferência em Portugal, em fevereiro de 2006. Vítor Constâncio, que o tinha convidado, não gostou. Mas eis a conversa que tivemos com Blanchard sobre o que se passou e como é que descobriu que estava errado.
Vamos falar do que se pensava que era zona euro. O trabalho que publicou em 2002, defendendo que países com Portugal não se deviam preocupar com os défices externos, teve uma grande influência. Em Portugal o então governador Vítor Constâncio dizia o mesmo, que não nos devíamos preocupar com a acumulação de dívida. O que não viu nessa altura?
Não vi os perigos. Admito isso hoje.
Não foi o único.
Sim, acho que foi geral. Em termos globais, quando um país mais pobre integra uma zona monetária, faz sentido que tenha um défice externo. Basicamente é para onde o capital deve ir. É um exemplo das coisas boas que podem acontecer: o acesso a capital por parte do país pobre. Não é totalmente errado. O que não vimos é que se criou um ‘boom’, não vimos alguns aspetos da dinâmica que criaram problemas que podem levar 30 anos a resolver.
Mas era difícil de ver, pois o crescimento era elevado. E é difícil distinguir se um ‘boom” é ou não saudável. Da próxima vez que houver um boom no país estaremos atentos e seremos mais cautelosos. Mas na altura tinha razões para ser otimista.
Se a política orçamental da altura tivesse sido mais restritiva poderia ter sido diferente?
É claro que a política orçamental deveria ter sido muito mais contida. Mas na altura, os economistas descreviam a entrada no euro como geradora de crescimento. Hoje acho que a política orçamental falhou e em muitos aspetos devia ter sido muito mais dura.
Em 2006 publica um novo trabalho em que muda completamente de ideias. Em fevereiro desse ano apresenta o trabalho “Adjustment within the euro. The difficult case of Portugal”. O que o levou a mudar?
Quando fiz o relatório da McKinsey, era muito óbvio. [ O estudo a que se refere Blanchard e que recomenda ao Governo atual que o revisite é da McKinsey Global Institute de 2003 e chama-se Portugal 2010: Increasing Productivity in Portugal”]
Viu que estava errado?
Sim. Porque quando fiz o relatório da Mckinsey, que não era sobre macroeconomia, tornou-se claro que estava perante uma bomba. Basicamente aprendi algumas coisas a olhar para os números e percebi que as coisas estavam muito piores do que pareciam.
É o único economista a reconhecer que cometeu um erro?
Não vou querer fazer isto muitas vezes. Penso que fiz esse trabalho em 2006. Vítor Constâncio convidou-me para apresentar o trabalho e esperava que eu dissesse que Portugal estava ótimo. Quando o leu não ficou contente. Durante o evento era suposto ele apresentar-me em 10 minutos, e e falou uma hora e meia para dizer que Portugal estava ótimo. Depois saiu e eu apresentei o meu trabalho. Mas dessa vez eu estava certo.
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Como Blanchard mudou de ideias sobre o euro e Portugal
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