E se nos zangarmos?

  • Paulo Bandeira
  • 22 Maio 2017

Zangámo-nos. E agora? De quem é o projeto? De quem é o produto em desenvolvimento? De quem é o software? A resposta varia.

Três amigos, três formações complementares, um projeto inovador. Um génio da gestão que teve a ideia, que a partilhou e desenvolveu com um génio do marketing e com um génio da informática. Começam o desenvolvimento do produto a bom ritmo, entraram numa incubadora para validação da ideia, tiveram as primeiras formações sobre criação e desenvolvimento de negócios. A ideia foi sendo validada com parceiros, mostraram apetite por investimento seed para desenvolvimento do minimum viable product (MVP) e finalmente os três amigos sentaram-se para discutir a formalização da constituição da empresa. O fundador gestor propôs que, por ter sido sua a ideia e a constituição da equipa, deveria ter uma percentagem de capital maior. O informático argumentou com a injustiça que isso era para a quantidade gigantesca de horas que havia trabalhado no projeto e que eram já um múltiplo das horas de trabalho dos demais. O marketeer não gostava da ideia, mas dispunha-se a ceder para se chegar a um consenso.

A reunião foi inconclusiva, assim como a segunda realizada no dia seguinte. Depois desse dia o informático deixou de aparecer e informou por sms que estava fora do projeto.

Como advogados de startups cruzamo-nos com esta história ou com variantes da mesma todos os meses!

Zangámo-nos. E agora? De quem é o projeto? De quem é o produto em desenvolvimento? De quem é o software?

A resposta varia em função das situações em concreto, mas pode-se adiantar que o princípio geral é de que a propriedade intelectual do produto em desenvolvimento é de quem o desenvolve efetivamente. Assim não será se for um produto desenvolvido a pedido de terceiro e objeto de remuneração pela prestação de serviços ou se de outra forma as partes regularem o tema.

Em qualquer caso, o que releva aqui é que a falta de adequada regulação desta matéria pode ser a morte de um projeto promissor ou pode facilmente levar o projeto para outras paragens, até porque é bastante normal que as pessoas se zanguem umas com as outras (resulta da condição humana…).

Sabemos todos que numa startup falta muitas vezes tempo e dinheiro para se tratarem de assuntos que à primeira vista serão secundários como a regulação da relação entre os fundadores, mas a experiência diz-nos que o que não é regulado cedo mais tarde pode tornar-se um problema inultrapassável.

Tão importante como desenvolver o MVP que lançará a startup no mercado é assegurar que a titularidade do projeto, a titularidade da marca ou a titularidade do produto em desenvolvimento não estão em terra de ninguém ou à mercê de um dos fundadores em detrimento dos demais.

É, por isso, fundamental que muito cedo no processo de desenvolvimento os fundadores assentem por escrito as regras que regularão a sua relação, mesmo que ainda não tenham sociedade constituída e apenas a venham a ter meses depois ou mesmo que nunca cheguem a constituí-la.

Este “parassocial do projeto” (chamemos-lhe assim) deve regular qual a futura repartição de capital entre os fundadores, a titularidade (conjunta ou não) de tudo aquilo que vier a ser criado, regras de confidencialidade, regras de cedência de direitos e de não concorrência em caso de abandono do projeto e esboçar as regras de funcionamento da sociedade a constituir no que toca à assunção da gerência/administração e maiorias de voto nas reuniões de assembleia geral.

Pode parecer complexo, mas não precisa de o ser. Em qualquer caso necessita mesmo é de ser regulado, porque realmente complexa é a situação acima descrita e são as consequências daí emergentes. É que quando as situações nos chegam já neste ponto de rutura dificilmente haverá alguma solução fácil e razoável do ponto de vista jurídico e/ou financeiro que permita reverter a situação.

É normal as pessoas zangarem-se. É menos normal pensarem que isso nunca vai acontecer e quais as consequências que daí advêm.

  • Paulo Bandeira
  • Sócio da SRS Advogados

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

E se nos zangarmos?

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião