37 hospitais contraíram despesa acima dos fundos disponíveis
A lista de entidades que violam a lei dos compromissos tem vindo a crescer. Até outubro de 2023, acumulavam mais de 1,2 mil milhões de euros em dívida vencida e 647 milhões em pagamentos em atraso.
Há 37 hospitais que violam a lei dos compromissos, isto é, que assumem despesa acima dos fundos disponíveis, segundo a mais recente listagem publicada pela Direção-Geral do Orçamento (DGO), e que diz respeito a outubro do ano passado. Destas unidades, 36 são entidades públicas empresariais (EPE), havendo um fundo autónomo que diz respeito ao Hospital Psiquiátrico de Lisboa. Ao todo, acumulavam mais de 1,2 mil milhões de euros em dívida vencida e mais de 647 milhões de euros em pagamentos em atraso, segundo as contas do ECO com base na tabela do portal da transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Há mais de uma semana que o ECO questionou os ministérios das Finanças e da Saúde sobre o desvio que estaria em causa relativamente aos gastos que ultrapassaram os fundos dos hospitais, mas ainda não obteve resposta.
Não existindo essa discriminação nos relatórios de execução orçamental da DGO, o ECO consultou os valores de dívida vencida, isto é, que já ultrapassou o prazo de vencimento, e de pagamentos em atraso, que estão disponíveis no portal da transparência do SNS, para ter uma ideia da situação financeira dos 37 hospitais que falham a lei dos compromissos.
Assim, a dívida vencida das 27 unidades ultrapassava os 1,2 mil milhões de euros e os pagamentos em atraso superavam os 647 milhões de euros. Em relação às faturas há mais de 90 dias por saldar, o valor em causa representava 84,2 % dos montantes globais em atraso dos hospitais EPE, que, em outubro, totalizavam 768,9 milhões de euros, segundo a execução orçamental.
O número de unidades incumpridoras tem vindo a crescer. Em janeiro de 2023, apenas o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, onde está o hospital Santa Maria, estava na lista negra da DGO. À medida que a execução orçamental foi avançando ao longo do ano, o documento engrossou e são agora 37 as entidades que não respeitam aquela legislação que nasceu em 2012, na sequência do resgate financeiro protagonizado pela troika.
Entre as unidades do SNS que estão no relatório da DGO, destaque para o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte com o maior valor de dívida vencida. Até outubro de 2023, o portal da transparência do SNS mostra que aquela unidade tinha quase 150 milhões de euros em obrigações que ultrapassaram a data de vencimento e mais de 60 milhões de euros em pagamentos em atraso.
Em segundo lugar do ranking dos maiores passivos, está o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, que integra o hospital S. José, com uma dívida vencida de 105,7 milhões de euros e pagamentos em atraso na ordem dos 61,7 milhões em faturas com mais de 90 dias. O Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, onde está o hospital S. Francisco Xavier, completa o pódio das maiores dívidas vencidas, com 103,7 milhões de euros. Os pagamentos em atraso somam 66 milhões de euros.
O crescimento do orçamento do SNS tem crescido todos os anos, mas ainda não é suficiente para suprir as carências dos hospitais. No ano passado, o Governo transferiu 14.858 milhões de euros para as entidades públicas de saúde, um crescimento de 1.177 milhões de euros (10,5%) face ao orçamentado para 2022. Mas um estudo elaborado pelo economista Pedro Pita Barros, publicado em outubro de 2022, já previa um défice de 214 milhões de euros face às necessidades reais do sistema. Para este ano, o orçamento do SNS voltou a aumentar em 1,2 mil milhões, alcançando os 15.709 milhões de euros.
É impossível cumprir com a lei dos compromissos, porque a suborçamentação o impede.
O problema está sobretudo nos contratos programa que os hospitais assinam com o Estado, uma vez que são constantemente deficitários, segundo o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, em declarações ao ECO. “98% do valor de financiamento dos hospitais resulta da verba inscrita em contrato programa”, indica o mesmo responsável, acrescentando que “os hospitais EPE apresentam, ano após ano, orçamentos desequilibrados com previsão de resultados líquidos negativos, o que indicia um desajuste entre o financiamento e as necessidades de financiamento das organizações”.
Para o presidente da APAH, “é impossível cumprir com a lei dos compromissos, porque a suborçamentação o impede”. “Orçamentos desajustados e o aumento do custo das matérias-primas inviabilizam o cumprimento da lei dos compromissos”, reforça.
O economista especializado em saúde, Pedro Pita Barros, explicou ao ECO que “a lei dos compromissos tem implícitos dois pressupostos que não estão satisfeitos, sendo que um deles provavelmente nunca estará”. “O primeiro pressuposto implícito é que os hospitais têm capacidade para gerar fundos disponíveis. Ora, num contexto em que tipicamente o orçamento inicial dos hospitais se tem revelado insuficiente para cobrir a despesa do ano, não existirá capacidade de ter fundos disponíveis para assegurar o cumprimento da lei dos compromissos”, segundo o professor de Economia da Saúde da Nova School of Business and Economics.
“O segundo pressuposto é a previsibilidade das despesas futuras dos hospitais. Ora, pela própria natureza da sua atividade, face à aleatoriedade das situações de doença na população, é complicado assegurar essa previsibilidade sem haver risco de paragem da atividade assistencial. Este elemento não é controlável pois não se sabe quem, quando e que situação clínica terá quando ocorrerem episódios de doença”, destaca Pedro Pita Barros.
Face a este reiterado incumprimento,“frequentemente, os hospitais dão nota do aumento do endividamento e solicitam reforços orçamentais (a partir do segundo semestre do ano), por forma, a não comprometer a prestação de cuidados”, indica Xavier Barreto.
Tal como acontece todos os anos, no final de 2023 os ministérios da Saúde e das Finanças aprovaram uma nova injeção extraordinária, no valor global de 1,2 mil milhões de euros, para ajudar os hospitais a pagar as suas dívidas, tal como noticiou o Expresso. O portal da transparência do SNS indica que, até outubro, a dívida total de todas as entidades de saúde pública aos fornecedores externos ascendia a 2,4 mil milhões de euros, sendo 1,6 mil milhões relativos a dívida vencida e, desses, 771 milhões eram referentes a pagamentos em atraso.
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