PRR? “Tudo isto é muito difícil de compreender”

Armindo Monteiro afirma em entrevista ao ECO magazine que o Banco de Fomento é mais um exemplo de uma boa ideia e de uma má prática. Qualquer banco sem poder de fogo é limitado.

  • Esta entrevista integra a segunda edição do ECO magazine, que pode comprar aqui.

Armindo Monteiro é presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e, em entrevista ao ECO magazine, é particularmente crítico da forma como o país está a aproveitar os fundos comunitários, que vão acabar mais tarde ou mais cedo.

O PRR vai mesmo chegar às empresas em 2024? Até ao momento, chegaram cerca de mil milhões de euros de um total de quase cinco mil milhões.

Às vezes, tenho a ideia que os fundos têm um lado messiânico. É um bocadinho como nos habituamos com o Dom Sebastião que um dia chegará e, até lá, só temos de esperar. Reconhecendo a importância dos fundos para a alteração do nosso paradigma empresarial, tenho pena que isso também, de alguma maneira, nos esteja a adormecer. Ou seja, há investimentos que não estão a ser realizados porque estão à espera do PRR e como o PRR não chega, o investimento não acontece. Acho que esta é a parte negativa dos fundos, tem este lado perverso que é criarmos algum adormecimento e, por isso, nem há nem investimento público, nem investimento privado.

O Estado já se habituou. Antes tínhamos sempre o PIDDAC, não é, o grande plano de investimentos da administração central, isso desapareceu e, portanto, hoje o PIDDAC é o PRR, não há mais investimento nenhum. Ora, se não houver PRR, também não há investimento público. E as empresas também ficaram à espera que chegasse a grande bazuca financeira que tudo ia resolver. E ficou tudo à espera de Godot.

Como é que nos livramos disto?

Acho que a Europa nos vai obrigar a livrar. Com esta dificuldade da Ucrânia, e que é necessário contribuir para a recuperação de um país, com alargamento a Leste, com a política expansionista militar, creio que não vai haver dinheiro para tudo, portanto, tenho a convicção que vamos deixar de receber estes envelopes generosos para nos aproximarmos do nível de desenvolvimento europeu. Mais cedo do que tarde, isto vai acontecer.

Este PRR que foi construído para este plano de resiliência e recuperação da economia, dois terços ficaram cativados pelo Estado, apenas um terço foi destinado àquilo que é o objetivo essencial das empresas que é a sua recuperação. Mas mesmo esse valor não chega. Estamos a falar de 825 milhões de euros. O pacote global do PRR é de 16 mil milhões, como é que é possível, à data a que estamos a falar, terem chegado às empresas aproximadamente 900 milhões de euros? Como é que é possível?

E já só com dois anos para execução.

Exatamente. Não se consegue compreender isso. Inclusivamente, uma das razões que senhor Presidente da República enunciou para um período mais longo da marcação das eleições foi exatamente para que o PRR não tivesse nenhum constrangimento. Ora, o secretário de Estado demitiu-se, não houve nenhuma comoção nacional, não houve nenhuma preocupação adicional por isso. O nível de execução, que era fraquíssimo, continuou fraco, não houve nenhuma aceleração. O que se verifica é que algumas equipas técnicas que estavam já a trabalhar no PT2030, foram requisitadas para fazer um acelerador no PRR. Ora, tudo isto é muito difícil de compreender. Portanto, creio que era importante, e nós vamos apresentar a nossa proposta.

Para acelerar a execução do PRR?

Estamos a trabalhar com os bancos… uma das dificuldades, sobretudo nalguns projetos que envolvem valores mais elevados, é a questão dos adiantamentos. Encontrámos uma solução com a banca para que isto acelera.

Já está encontrada?

Já está encontrada. Agora, isto passa por uma aceitação da parte do Governo.

E de Bruxelas também?

Bruxelas já aceitou para outros países. Isto é terrível dizer, mas não pode deixar de ser dito. Nós não planeamos isto. Outros países têm estes planeamentos, porque, naturalmente, qualquer pessoa consegue antecipar que haverá uma dificuldade na execução. Por exemplo, nas agendas mobilizadoras, os princípios estão ótimos, juntar vários parceiros, mas depois, quem é que faz a gestão do consórcio? Quem é que assume a responsabilidade? Estamos a falar de diferentes capacidades de governance…

…Há empresas, laboratórios, academia…

…formas completamente diferentes, capacidade financeira completamente diferente, capacidade de execução completamente diferente, motivação completamente diferente. Como é que se faz uma agenda disto? Ou seja, uma boa ideia, uma má prática. Por essa Europa também se fizeram, com outro nome, agendas mobilizadoras. O que é que entrou logo? Naturalmente, uma forte aposta financeira para que houvesse uma capacidade de execução. Nós não planeamos nada. É fazer o planeamento à medida que estamos, e assim temos esta nossa capacidade muito lusitana de improvisar e de resolver.

Já percebeu o que anda a fazer o Banco de Fomento?

O Banco de Fomento é mais um exemplo de uma boa ideia e de uma má prática. Qualquer banco sem poder de fogo é limitado. O Banco de Fomento poderia, porventura, ser desenvolvido por outros bancos na esfera do Estado. Estou a pensar concretamente na Caixa Geral de Depósitos. Eu creio que todos os portugueses não entendem um banco público que seja um banco comercial, para isso existem os outros. Ser um banco público é porque oferece condições diferentes das condições que os outros bancos oferecem, essa é a lógica do serviço público.

Nós hoje temos um sistema de apoio às empresas na banca? Qual é o rácio entre financiamento aos particulares e às empresas? Um banco, se o deixarem, vai investir no crédito garantido…

…com menos risco?

E o crédito hipotecário é seguramente um dos que tem menos risco. Então, qual é que é o incentivo para investir numa empresa ou investir num particular que vai comprar uma casa que durante 30 anos tem aquele cliente assegurado? E depois tem um outro negócio que é ligado às empresas onde tem o risco do negócio, tem o risco da atividade, tem toda uma série de riscos, é de curto prazo. Portanto, se o banco não for obrigado, se não tiver alguma obrigação contratual de promover um investimento às empresas, se calhar não tem muitos incentivos. Por isso, um banco público, seja a Caixa, seja o Banco de Fomento, é o instrumento preferencial para fazer aquilo que é uma falha de mercado.

O serviço público, na minha conceção, a sua existência é para satisfazer necessidades ou falhas de mercado. Se há um serviço que está a ser satisfeito, o Estado tem que arranjar condições regulatórias que permitam a concorrência. Agora há necessidades, e por isso criou o Banco de Fomento. Mas foi dotado de escassos recursos, com dificuldades procedimentais, Reconheço no Banco de Fomento uma equipa boa em termos de gestão, mas com escassez de meios que permitam fazer a diferença no tecido empresarial. E se a isso juntarmos tudo aquilo que aconteceu nas garantias mútuas, então…

Na verdade, o Banco de Fomento gere o que já existia, linhas de financiamento garantidas pelo Estado. E não tem capital…

…e partir do momento que não tem, não faz mudar o ponteiro. Este é um dos principais instrumentos que poderiam servir para a verdadeira internacionalização da economia portuguesa. Mas não tem poder de fogo.

Não tem rating, sequer.

Não tem rating, não é possível. Ou seja, se tiver um instrumento que queira colocar com um banco correspondente, não consegue. Portanto, estamos a brincar aos bancos. Há uma boa equipa, volto a insistir nisso, não é uma questão de governance, não é uma questão da capacidade de quem está à frente do banco. Agora, é uma questão de meios e estes meios tem que estar muito ligados com a internacionalização, tem que ter uma força muito grande com a economia, com os negócios estrangeiros, a Aicep, tudo isto teria que estar a acontecer.

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