Corte de 70% no consumo de água para a agricultura no Algarve ainda pode ser revisto
Agricultores algarvios estão contra a desproporcionalidade dos cortes no uso de água: 70% para agricultura, 15% para consumo urbano. Pedem redução das perdas na rede e reabertura de furos municipais.
Um corte de 70% no consumo de água para a agricultura e de 15% para os consumidores urbanos no Algarve não são valores fechados para o Governo. A comissão interministerial da seca vai reunir esta quarta-feira para anunciar um conjunto de medidas para fazer face à pior seca de sempre que assola a região.
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) preparou um plano de contingência que já foi apresentado aos autarcas da região na sexta-feira e que passa por cortes severos para a agricultura, mas também para o consumo, sendo que, nem o turismo escapa.
Para a agricultura, o compromisso proposto pela APA é de reduzir em 72% o volume para rega a partir do Sistema Odeleite-Beliche, reduzir em 42% o volume para rega a partir da albufeira do Funcho face à campanha homóloga e reduzir em 15% a captação de água subterrânea para rega.
Ao nível do turismo, o compromisso proposto é reduzir em 15% o consumo nos empreendimentos turísticos e em 15% a captação de água subterrânea. Ao nível do abastecimento público a proposta é também de reduzir o consumo urbano em 15% na região face ao ano anterior.
Mas fonte oficial do Ministério da Agricultura sublinhou ao ECO que “o corte de 70% não é um valor fechado” e que o Governo está “a trabalhar para que isso não aconteça”. Uma mensagem que, aliás, o ministro do Ambiente tentou fazer passar na deslocação esta segunda-feira a Odemira.
Os agricultores têm-se insurgido contra a desproporcionalidade das medidas propostas. As associações do setor estiveram reunidas na segunda-feira para avançarem medidas alternativas às do Executivo. “Desde logo sugerimos rever a proporcionalidade dos cortes, porque é preciso deixar claro que a agricultura é responsável por 35% do uso de água, enquanto os restantes setores todos juntos respondem por 65%”, diz ao ECO, o secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal. “Não há lógica que o esforço exigido ao setor agrícola seja quatro vezes superior”, acrescenta Luís Mira.
Outra das áreas de intervenção urgente é reduzir as perdas de água na rede de abastecimento, que, no caso do Algarve chega aos 30 hectómetros cúbicos de água por ano e “nada se faz para combater esse desperdício”. “Quando o desperdício na agricultura é de apenas 2%, como se pode pedir que sejam os agricultores os mais sacrificados”, questiona Luís Mira.
“As perdas nas redes em baixa, ao fim do ano, é praticamente o valor acumulado numa barragem”, diz ao ECO o presidente da AlgarOrange, a maior associação portuguesa de operadores de citrinos.
Uma das medidas propostas pela APA é, precisamente, aumentar a intervenção de task forces municipais para monitorização e reparação de ruturas na rede de distribuição de água para reduzir as perdas físicas. Mas Luís Mira recorda que mais importante do que anunciar medida é executá-las no terreno e dá o exemplo dos 240 milhões de euros (eram 200 milhões) que existem no Plano de Recuperação e Resiliência para reduzir as perdas de água nos setores urbanos e agrícola no Algarve e instalar uma unidade de dessalinização. “Ainda só foram lançados os concursos, não há obra”, lamenta.
“Quando há zonas do Algarve que gastam 1.093 litros de água per capita por dia, falar de um corte de 70% para a agricultura é insultuoso”, insurge-se João Oliveira, numa referência a Vale de Lobo, um exemplo da desproporcionalidade dos sacrifícios pedidos.
João Oliveira considera que os agricultores têm mantido sempre uma postura de diálogo e cooperação para se encontrar uma solução e nem sequer quer ouvir falar, para já, em pagamentos de compensações por perda de produção. O objetivo é encontrar soluções para poder continuar a produzir. “Um corte de 70% no uso de água significa a perda da produção completa”, sublinha o responsável.
Uma dessas soluções poderia passar pela reabertura dos furos municipais que já abasteceram no passado os agregados populacionais do Algarve. Como se passou a usar a água das barragens, isso permitiu que alguns aquíferos recuperassem os níveis de água e podem, por isso, ser agora uma solução, deixando mais água das barragens disponíveis para a agricultura, explicou.
“A estratégia do Governo parece ser a de quem quer acabar com o setor agrícola no Algarve”, desabafa João Oliveira, acrescentando não compreender porque se quer proibir a criação de novos regadios, mas se autoriza a abertura de mais 12 hotéis em Portimão e mais oito em Lagos.
Entre as medidas sugeridas pela APA está também o aumento do preço da água, aplicação de planos de contingência das entidades gestoras dos sistemas de distribuição de água em baixa (aos consumidores), redução da pressão da água na rede pública e restrição a lavagem de carros. Em cima da mesa está ainda a limitação da renovação da água nas piscinas e limitar a rega à sobrevivência das culturas. Sugestões que ganham peso perante as previsões meteorológicas das próximas semanas, que apontam para a inexistência de pluviosidade, o que apenas irá agravar a situação de seca que é cada vez mais grave.
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