Editorial

Uma Concorrência fora de mercado

Nas telecomunicações, como noutros setores (nos media, por exemplo), é preciso escala para existir capacidade de inovação e investimento.

A notícia passou quase despercebida, mas é mais importante do que se possa pensar: A Autoridade da Concorrência (Adc), liderada desde março último por Nuno Cunha Rodrigues, chumbou os compromissos propostos pela Vodafone para assegurar a compra do operador Nowo, com o argumento, bondoso, claro, de que está a defender a concorrência, mas quando na Europa se discute as consequências negativas da fragmentação do setor de telecomunicações, em Portugal uma empresa com 19% de quota de mercado não consegue comprar outra que terá cerca de 2% de quota. Alguma coisa está aqui muito mal. Ou várias.

Em primeiro lugar, o tempo: Não está em causa a fusão de duas empresas com quotas de mercado relevantes, está em causa a aquisição de um operador que tem uma presença limitada no mercado e com um foco geográfico também ele delimitado, na zona de Setúbal. A Vodafone anunciou a operação de compra em setembro de 2022, portanto, passados 16 meses, o mais que se conseguiu avançar foi com a conclusão, da parte da AdC, de que os remédios propostos para viabilizar a operação não são suficientes.

Quais são as posições de mercado da Vodafone e da Nowo? Nos pacotes, em número de subscritores, a Vodafone tem, nos planos de pacotes, 20,5% de quota e a Nowo 2,8%, já em receitas tem Vodafone 16,7% e Nowo 1,6%. No serviço fixo, em número de subscritores, a Vodafone tem 21,9% e a Nowo 2,8%, enquanto em receitas a Vodafone tem 21% e a Nowo 3,2%. Finalmente, no móvel, e considerando o número de subscritores, a Vodafone tem 28,1% e a Nowo 2,3%. É isto que está em causa. E aparentemente põe em causa a concorrência em Portugal.

Num mercado que é de 3+1, isto é, da Meo, Nos e Vodafone com a Nowo, percebe-se que a relevância deste operador é limitada. As contas da Nowo não são conhecidas, mas sabe-se que não faz investimentos relevantes há muitos anos nem os prevê fazer. Terá cerca de 120 mil clientes e uma operação a perder dinheiro. Vai juntar-se ao mercado, a partir do concurso do 5G, a Digi, e foi esse aliás o mais importante compromisso proposto pela Vodafone: As medidas apresentadas pela Vodafone incluíam, assim, um acordo com a Digi, que previa a cedência de espetro da Nowo e acesso à oferta grossista bitstream da rede de fibra ótica detida pela Vodafone, no qual a Vodafone cedia 40 MHz de espetro à Digi e acordava dar-lhe acesso grossista à sua rede de fibra ótica, caso a compra da Nowo fosse aprovada. Não foi.

Num mercado atomizado, que precisa de massa crítica para garantir o investimento de centenas de milhões de euros nas novas redes, investimento que é crítico para a competitividade da economia, a AdC optou por defender um suposta concorrência mais agressiva nos concelhos onde está a Nowo, em vez de tirar do mercado um operador que não tem capacidade mínima para investir (e que, se calhar, vai à falência se o negócio não se fizer). Tinha, tem, outros instrumentos para garantir a concorrência entre os operadores, preferiu decidir uma concentração que na prática tem relevância para uns quantos concelhos, e mesmo assim de duvidosa consistência.

Se levarmos as conclusões da AdC até ao fim, os três operadores estão a impor um prémio, a capturar uma vantagem indevida no preço juntos dos consumidores, coisa que aparentemente não conseguem fazer nos concelhos onde está a Nowo? É mesmo isso que a AdC nos quer dizer? Se for, terá de fazer mais alguma coisa em coerência com estas decisões.

Há, claro, outro ângulo de análise? A Nowo anda a fazer uma política de preços que vai para lá da agressividade comercial, eventualmente até ‘dumping’, de sobrevivência, mas introduz uma concorrência artificial, eventualmente desleal. E isso, na prática, distorce o mercado, e se toda a concorrência fosse suportada nestes pressupostos, o investimento teria simplesmente de parar. O futuro da Nowo depois de confirmado um chumbo da operação dir-nos-á o que está agora em causa.

Uma coisa é certa: Qualquer que sejam as razões, neste setor, como noutros (nos media, por exemplo), é preciso escala para existir capacidade de inovação e investimento (além de outras condições, claro), e travar uma fusão entre uma empresa com 18% de quota e outra de 2% dá aos agentes económicos um incentivo errado num mercado que tem uma óbvia falta de capital.

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