Exclusivo BioAdvance investe 22 milhões em fábrica de biocombustíveis na Figueira da Foz
Empresa liderada por Paulo Gaspar constrói uma das maiores unidades europeias de biocombustível avançado no Porto da Figueira da Foz. Já reservou terreno e 50 milhões para o etanol de segunda geração.
Está prestes a ser inaugurado na Figueira da Foz um investimento industrial de 22 milhões de euros da BioAdvance, que arranca com uma produção de 20 mil toneladas por ano e num prazo de “dois a três anos” vai aumentar a capacidade para 200 mil toneladas anuais, projetando a fabricante portuguesa como uma das maiores da Europa na produção de biocombustíveis avançados.
A empresa cofundada e liderada por Paulo Gaspar previa inicialmente um investimento de 11 milhões de euros, que recolheu apoios comunitários no valor de 3,5 milhões. No entanto, o montante acabou por duplicar “com o decorrer das obras e o rearranjo [do projeto] para o aumento futuro da produção”, detalha ao ECO o empresário de 46 anos.
Instalado numa parcela de 20 mil metros quadrados na zona de expansão portuária do terminal de graneis líquidos, este é o maior investimento privado alguma vez realizado no Porto da Figueira da Foz. Assinado em setembro de 2022 entre a administração portuária (APFF) e a empresa sediada na Guia (Pombal), onde tem uma fábrica mais pequena com capacidade para atingir 15 mil toneladas, o contrato de concessão implicou desassoreamento do cais para poder receber navios maiores.
Para esta nova fábrica, que vai funcionar em regime de laboração contínua, a BioAdvance contratou 36 pessoas, das quais 18 altamente qualificadas (licenciadas e doutoradas), que se vão juntar às 27 que trabalham na unidade situada no concelho vizinho, a menos de 40 quilómetros de distância. Com este aumento da produção e a localização numa área portuária, passa a ter capacidade exportadora, prevendo que as vendas ao exterior venham a pesar 60% a 70% daqui a três anos.
No ano passado, o volume de negócios baixou para 31 milhões de euros, face aos 33 milhões de euros registados em 2022 devido à descida do preço do petróleo – “afetou a faturação, mas não em termos de margem”, salvaguarda Paulo Gaspar. No mesmo prazo, isto é, até 2026, estima que as vendas subam para um intervalo entre os 150 e os 200 milhões de euros. Na lista de clientes estão as principais petrolíferas mundiais, como a BP, Cepsa, Repsol, Galp e Shell.
Formado em Engenharia do Ambiente pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Paulo Gaspar trabalhou três anos na Transgás, onde esteve envolvido na construção das cavidades de armazenagem no Carriço, como responsável pelo projeto de captação de água. Quando saiu para o Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro, onde esteve seis anos, em vez de 25 euros, passou a gastar 100 euros de gasóleo por mês e resolveu analisar alternativas. “Comecei a produzir biodiesel em casa, para mim e para os meus colegas. Eles incentivaram-me a fazer uma unidade e resultou nisto”, recorda.
A BioAdvance foi criada em 2007, mas só em maio de 2010 é que começa a produzir, perto de 5.000 litros no primeiro mês. Cinco anos depois, ao passar ao regime geral e a negociar diretamente os próprios títulos de combustível, passa a ter acesso direto aos incorporadores, nomeadamente à Cepsa, BP e Galp, que “estavam interessados na altura em ter um combustível 100% dupla contagem renovável”. Avança então com um investimento de dois milhões de euros na Guia, que lhe permitiu fazer testes e “estudar o processo”. “Foi o ponto de partida para esta instalação, que é uma réplica, mas com outras condições e outra capacidade de produção”, aponta.
Foi em 2019 que a BP, um dos principais incorporadores, começou a questionar Paulo Gaspar – fundou a BioAdvance com três colegas, mas há uma década que é o único acionista – por que não aumentava a aumentava a capacidade da instalação da Guia. “Inicialmente disse que não, porque era tudo sobre mim, mas se nos comprassem a capacidade toda ou parte dela estava disponível para fazer o investimento. Depois disso todos vieram ter connosco e neste momento não temos contrato de exclusividade”, relata.
Elaborou o projeto nos dois anos seguintes e em 2022 deu início ao licenciamento com a Administração do Porto da Figueira da Foz (APFF), garantindo o acesso a um cais exclusivo. Permite-lhe não só começar a receber diretamente os navios que transportam muitas das matérias-primas, nomeadamente da Ásia, como exportar por via marítima, assegurando que “neste momento [tem] as maiores empresas do mundo interessadas no produto, que é premium a nível mundial”.
E os investimentos não vão ficar por aqui, adianta ao ECO. A BioAdvance está a avançar com outro projeto para a produção de etanol de segunda geração, visando “alimentar o mercado português, que é deficitário”, tendo já garantido espaço adicional junto a estas novas instalações no Porto da Figueira da Foz. Submetido ao IAPMEI e ainda em fase de avaliação para a obtenção de apoios, prevê nesta nova unidade fabricar 20 a 30 mil toneladas por ano, num investimento a rondar os 50 milhões de euros. Gaspar justifica que “a tecnologia é muito mais dispendiosa e só há duas ou três unidades destas na Europa, nos países nórdicos”.
Matéria-prima barata compensa custo de produção
Resíduos de óleo de palma, dos tanques dos navios ou das gorduras das ETARs. Provenientes de Espanha, da Ásia, do Médio Oriente ou da América Central e do Sul, estas são algumas das matérias-primas utilizadas pela empresa pombalense para a produção de biocombustíveis. E às quais diz ter acesso em quantidade suficiente pelo facto de as concorrentes, mesmo a nível europeu “não as conseguirem tratar com as condições e a tecnologia” que a BioAdvance garante dispor.
E foi essa diferenciação que levou Paulo Gaspar a recusar o desafio lançado por um parceiro desta indústria para participar num grande investimento, na ordem dos 50 milhões de euros, a realizar a 20 quilómetros do Porto de Roterdão, nos Países Baixos. “Não queremos fazer isso porque a tecnologia é nossa. A partir do momento em que partilhemos o investimento com alguém, vão seguramente ficar a saber como é que nós o fazemos. E isso, para já, não queremos. Para já, fazemos sozinhos e em Portugal, fechamos a nossa tecnologia”, descreve.
A partir do momento em que partilhemos o investimento com alguém, vão seguramente ficar a saber como é que nós o fazemos. E isso, para já, não queremos. Para já, fazemos sozinhos e em Portugal, fechamos a nossa tecnologia.
É também isso que leva o empresário a referir que, apesar de ter de concorrer para os mesmos preços, não compete nem com o mesmo tipo de produto nem com a mesma tecnologia. Os maiores custos de produção, sobretudo a nível energético – tem de atingir temperaturas de precisão de 360 graus, enquanto os competidores ficam-se, no máximo, pelos 55 graus – são compensados pela compra de matéria-prima “bastante mais barata”. Outra vantagem competitiva, como aponta, é que produz combustível de dupla contagem, mais vantajoso para os incorporadores.
Para ajudar a reduzir as emissões poluentes, há mais de uma década que Portugal incorpora uma pequena parte de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários. Questionado sobre a ameaça que paira sobre a indústria, crendo que um dia deixará de ser queimado gasóleo e gasolina, Paulo Gaspar responde que isso “é uma utopia”, não perspetivando que “num prazo a 20 anos [deixará] de trabalhar por falta de vendas do setor” petrolífero.
Já à ideia de que os biocombustíveis são ainda uma espécie de “patinho feio” da transição energética, com os críticos a entenderem que esta solução prolonga o recurso aos combustíveis fósseis, o empresário contrapõe que “vai ser sempre necessário tratar estes resíduos” e que a BioAdvance “trata-os e transforma-os num produto nobre”, que reduz o consumo do combustível fóssil que “vai sempre existir”.
Por outro lado, os biocombustíveis encarecem o preço de venda ao público dos combustíveis e “é a mais pura das verdades”, reconhece. Porém, comenta que “o mercado está a fazer um bem comum – a tratar resíduos que há em excesso – e isso será sempre mais caro”. Nesse particular, os automobilistas portugueses sofrem mais, por estarem num país periférico da Europa. É que, contextualiza Gaspar, “na alimentação desta indústria, o mercado de referência é Roterdão e depois há o custo do transporte até cá, que está incorporado nos preços”.
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