Teletrabalho "veio para ficar", mas Luís Sottomayor alerta que é preciso que as empresas criem condições para que não afete a produtividade, definindo "metas claras" e dando as ferramentas certas.
Depois do boom causado pela pandemia, veio o teletrabalho para ficar ou é apenas um resquício dos tempos da Covid-19 à beira da extinção? Luís Sottomayor, fundador da empresa consultora de recursos humanos Talent Portugal, acredita que esse é um modelo com futuro. Mas alerta, em entrevista ao ECO, que é importante que se criem condições para que os receios dos empregadores quanto à quebra de produtividade não se concretizem.
A Talent Portugal divulgou recentemente uma análise ao mercado de trabalho português — com base nas respostas de 204 empregadores nacionais –, que revela que metade das empresas já admite o modelo remoto. E Luís Sottomayor reconhece-lhe benefícios, tanto do lado do trabalhador como da empresa, apesar das múltiplas críticas que se têm ouvido nos últimos meses.
Em entrevista ao ECO, o especialista em recursos humanos debruça-se também sobre o emprego jovem, admitindo que os estágios podem ser, simultaneamente, um sinal de precariedade e uma boa porta de entrada no mercado de trabalho. Para que tenham apenas a segunda dessas características, recomenda às empresas que usem os estágios para disponibilizar “oportunidades reais de desenvolvimento profissional” aos mais jovens.
Por fim, deixa uma mensagem ao Governo que sair da ida às urnas marcada para 10 de março. Com o desemprego a aumentar e a emigração a gerar atenção, há que olhar e refletir sobre a marca de Portugal enquanto empregador, a bem do crescimento da economia nacional, afirma o responsável.
Para as empresas, o teletrabalho pode traduzir-se numa redução dos custos de funcionamento, numa melhoria da produtividade, e numa maior atração e retenção de talentos.
Os dados que divulgaram este mês mostram que o teletrabalho tem já uma presença considerável entre as empresas portuguesas. Veio mesmo para ficar ou é um resquício teimoso da pandemia, que há de desaparecer?
O teletrabalho veio para ficar. A pandemia acelerou uma tendência que já se vinha desenvolvendo nos últimos anos, e que se revelou eficaz e produtiva. Para os colaboradores, o teletrabalho permite uma maior flexibilidade e conciliação da vida pessoal e profissional, uma redução do stress e do absentismo e uma melhoria da qualidade de vida. Para as empresas, o teletrabalho pode traduzir-se numa redução dos custos de funcionamento, numa melhoria da produtividade e numa maior atração e retenção de talentos.
Mas não faltam críticas a este modelo.
Como qualquer modelo de trabalho, o teletrabalho também tem alguns desafios. Um dos principais desafios é a separação entre a vida pessoal e profissional, que pode ser difícil de manter quando se trabalha em casa. Outro desafio é a comunicação e colaboração entre os colaboradores, que pode ser mais difícil quando não há interação presencial. No entanto, esses desafios podem ser superados com a adoção de boas práticas, como a definição de horários e espaços de trabalho específicos para o teletrabalho e a utilização de ferramentas de comunicação e colaboração online.
Desde o fim da pandemia que se ouvem relatos de empresas que querem ver os trabalhadores de volta ao escritório. Com base nos dados que também recolherem noutros anos, como tem evoluído o número de empresas que oferecem o teletrabalho como opção?
É importante lembrar que o teletrabalho não é para todos. No entanto, para a maioria das funções, o teletrabalho pode ser uma opção viável e eficaz. Uma questão muito levantada é a da produtividade, mas os estudos mostram que o teletrabalho não tem um impacto negativo na produtividade, e que pode até mesmo ser benéfico. No entanto, é importante que as empresas criem as condições necessárias para que os colaboradores sejam produtivos em teletrabalho, como a definição de objetivos e metas claras e a disponibilização de ferramentas e recursos adequados.
E há também a questão da cultura.
Sim. Outra questão, relacionada com o isolamento social, também é uma preocupação válida, mas que pode ser mitigada com a adoção de boas práticas, como a realização de reuniões regulares online, a promoção de eventos e atividades virtuais e a criação de espaços de trabalho colaborativos. A questão da cultura organizacional é importante, mas também pode ser construída em teletrabalho.
Existe um crescente reconhecimento por parte das empresas da importância da flexibilidade e do ‘work-life balance’, como uma peça central na atração de talentos.
A par do trabalho remoto, a flexibilidade parece estar a ganhar terreno, enquanto benefício valorizado pelos trabalhadores. As empresas portuguesas estão mesmo abertas a esse benefício ou é algo que só se anuncia?
Existe um crescente reconhecimento por parte das empresas da importância da flexibilidade e do work-life balance como uma peça central na atração de talentos e na promoção da qualidade de vida dos colaboradores. Pelo que observamos no mercado, a tendência será de que as empresas portuguesas estarão cada vez mais abertas a oferecer flexibilidade aos seus colaboradores nos próximos anos. No entanto, ainda há empresas que não estão preparadas para oferecer flexibilidade no trabalho.
Um estudo recente indicava que o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional já é um dos fatores mais importantes para os trabalhadores na escolha de um emprego. Da parte dos empregadores, há maior atenção a este tema? De que modo é que promovem esse equilíbrio?
A saúde e bem-estar dos colaboradores são cada vez mais uma prioridade para as organizações. Atentas a estas necessidades, sabemos que 20% das empresas disponibilizam espaços de relaxamento e 13% oferecem aulas de fitness e ginástica. Apesar de apenas 7% possuírem ginásios nas suas instalações, um terço das empresas têm um ginásio próximo, o que pode ser um fator diferenciador na escolha do local de trabalho.
E a escassez de mãos que se tem sentido em vários setores, nos últimos três anos, forçou um reconhecimento maior por parte das empresas da importância desses benefícios, como a flexibilidade e o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional?
Empresas que, anteriormente, publicavam anúncios e facilmente recrutavam agora enfrentam a situação em que, apesar dos anúncios, não recebem candidaturas. Essa mudança não só destaca a dificuldade em manter equipas, mas também resulta em custos substanciais associados à substituição de funcionários. Convém distinguir employee value proposition, que se concentra nos benefícios oferecidos aos funcionários, de employer value proposition, que abrange a imagem global e a proposta de valor que a empresa oferece como empregador. Relativamente ao primeiro, as principais apostas das empresas, para além da atualização de salários, são as oportunidades de desenvolvimento profissional, flexibilidade e teletrabalho e cultura organizacional.
Por falar em escassez de profissionais, sente que os profissionais que estão a sair das universidades estão alinhados com as necessidades efetivas das empresas ou há um desajuste?
A resposta não é simples. Há profissionais que estão alinhados com as necessidades efetivas das empresas, mas também há profissionais que não estão. As empresas podem contribuir para colmatar este desajuste através de programas de formação e desenvolvimento profissional, que permitam aos colaboradores adquirir as competências necessárias para o exercício das suas funções. A colaboração entre as universidades, as empresas e os próprios profissionais é importante para garantir que os recém-licenciados estejam alinhados com as necessidades efetivas das empresas. Esta colaboração é também importante para construir uma marca empregadora forte.
Segundo o vosso estudo, os estágios são a principal forma de integração de jovens. É um sintoma de precariedade no mercado de trabalho ou são uma boa porta de entrada no mercado?
Por um lado, os estágios podem ser vistos como um sintoma de precariedade, pois muitas vezes são oferecidos sem remuneração ou com remuneração muito baixa. Por outro lado, podem também ser vistos como uma boa porta de entrada no mercado, pois oferecem aos jovens a oportunidade de adquirir experiência e competências relevantes para a sua profissão. Os estágios são uma forma de os jovens adquirirem essa experiência e, assim, aumentarem as suas chances de serem contratados. No entanto, é importante que os estágios ofereçam aos jovens oportunidades reais de desenvolvimento profissional. Os estágios devem ser uma oportunidade para os jovens aprenderem e crescerem.
Quanto aos estágios de verão, segundo os vossos dados, houve um disparo. Que vantagem trazem aos jovens? E às empresas?
Os estágios de verão são a grande novidade, com um crescimento exponencial nos últimos anos. Atualmente, mais de metade das empresas (52%) do diretório da Talent Portugal já oferecem este tipo de abordagem aos estudantes universitários. Os estudantes podem voltar à sua formação com um conhecimento mais sólido sobre o “mundo real” do trabalho, que permite mais tarde orientar as escolhas no início de carreira. Para as empresas, apesar do esforço que significa mobilizar recursos e profissionais para esta atividade de curta duração, é uma excelente forma de detetar futuros colaboradores de elevado potencial.
Com a evolução e especialização da economia, é necessário atrair e reter os mais qualificados e aqueles que vão ajudar na inovação e competitividade das empresas.
Falemos sobre a globalização. Que importância tem hoje, na sua visão, a imigração para o dinamismo do mercado de trabalho português?
É difícil identificar a marca de empregador de Portugal, uma vez que temos públicos-alvo muito diversos, de acordo com a sua proveniência regional e áreas profissionais, assim como setores empregadores com propostas de valor muito diferentes. Uma prova dessa diversidade é o paradoxo da emigração de portugueses qualificados para mercados mais atrativos e a forte imigração de vinda de todo o mundo para áreas de grande carência em Portugal. Mas, correndo o risco de simplificar, os pontos positivos da “marca de empregador Portugal” serão o custo de vida, acesso a benefícios essenciais, como a saúde e educação, o acolhimento, a qualidade de vida e a localização no mercado europeu.
E os fatores negativos?
São os salários baixos, a dificuldade na habitação, o nível de impostos e a burocracia.
Como disse, há muitos portugueses a sair de Portugal. De que modo é que entende que se poderia estancar essa fuga de cérebros?
Portugal enfrenta uma grave crise de emigração de talento. Com a evolução e especialização da economia, é necessário atrair e reter os mais qualificados e aqueles que vão ajudar na inovação e competitividade das empresas. Este contexto preocupante levanta a necessidade de definir estratégias de atração e retenção de talentos em Portugal. No dinâmico cenário empresarial, as práticas tradicionais de recrutamento cedem lugar a uma nova abordagem, impulsionada por profissionais que valorizam mais do que meros salários e benefícios.
Que mensagem deixaria, então, ao próximo Governo, em relação ao mercado de trabalho português?
Diante do crescente desemprego nos últimos seis meses e da elevada emigração de jovens portugueses, surge porventura a reflexão sobre a necessidade de uma crescente atenção ao employer branding nacional. As estratégias de valorização do talento, diversidade e equilíbrio entre vida profissional e pessoal podem fortalecer o país globalmente, impulsionando o crescimento económico e o bem-estar.
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“É importante que empresas criem condições para trabalhadores serem produtivos em teletrabalho”
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