Cluster do vinho “jorra” negócios das barricas aos robôs de fertilização

Após 16 anos, a maior feira nacional para a viticultura e enologia voltou à Exponor com mais de 50 empresas. Veja algumas das inovações mostradas na Enotécnica, que prometem "revolucionar" o setor.

Uma garrafa de vidro extra leve com apenas 300 gramas, um robô para executar tarefas de fertilização, um drone pulverizador, um tratamento térmico das barricas com recurso a pedras vulcânicas e o “vinted das barricas” Estes são alguns dos produtos e sistemas inovadores que prometem “revolucionar” o setor da vinha e do vinho nos próximos anos e que foram apresentados na Enotécnica, a maior feira profissional para a viticultura e enologia no país.

O evento voltou esta semana ao recinto da Exponor, em Matosinhos, depois de 16 anos de interregno e com a participação de mais de 50 empresas. Um dos stands mais procurados foi o da francesa Verallia, que emprega 250 pessoas em Portugal e ali mostrou a mais recente inovação: uma garrafa de vidro extra leve com apenas 300 gramas (Bordeaux Air300G), publicitada como a “garrafa mais leve do mercado”.

“Somos muito focados na inovação e somos pioneiros na garrafa bordalesa mais leve do mercado. É uma bordalesa [formato da garrafa que tem origem em Bordéus] que promete revolucionar o mercado do vidro, que tem o desafio de ser cada vez mais sustentável e leve”, afirma Flávio Ferreira, comercial da Verallia Portugal, notando que uma garrafa “normal” de 75 centilitros tem entre 400 a 500 gramas.

Na fábrica da Verallia na Figueira da Foz são produzidas 500 milhões de garrafas por ano, que abastecessem essencialmente o mercado português e clientes como a Soprage, a Granvinhos, a Aveleda ou a Global Wines. A terceira maior produtora global de embalagens de vidro para o setor alimentar soma 37 fábricas distribuídas por 12 países, empregando 10 mil pessoas e faturando cerca de dez mil milhões de euros.

Robôs e drones revolucionam o setor vitícola

O regresso da feira ficou marcado pelo Espaço Vine&Wine, baseado no projeto com o mesmo nome liderado pela Granvinhos e que visa aumentar a competitividade e resiliência do setor da vinha e do vinho em Portugal. É uma das Agendas Mobilizadoras para a Inovação Empresarial, apoiada em 41 milhões de euros pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O consórcio agrega 45 entidades: 20 empresas vitícolas, 16 empresas tecnológicas, seis entidades não empresariais do Sistema de I&D e ainda três associações do setor.

“Juntamos o setor produtivo, tecnológico e da investigação para que, em conjunto, articulassem resoluções para os desafios que o setor produtivo enfrenta e que são muitos: as alterações climáticas, a transição energética digital e ecológica”, contextualiza Eduardo Rosa, vice-reitor de investigação da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Um terça da Agenda já foi executada e até dezembro de 2025 “seguramente vai conseguir aplicar todo o investimento”.

Eduardo Rosa, vice-reitor de investigação da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD)Fátima Castro/ECO

Entre os projetos que estão a ser desenvolvidos destacam-se um drone pulverizador e um robô para executar tarefas de fertilização, com capacidade para realizar três tarefas distintas: monitorizar as videiras (espetroscopia para deteção de doenças); robustecer as defesas com UV e ultrassons; e fazer a colheita de uvas.

O robô para executar tarefas de fertilização está a ser desenvolvido pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC). “Em breve, vamos ter um robô capaz de fazer algumas tarefas na vinha. Neste momento temos muita falta de mão-de-obra na agricultura e existem operações que podem ser robotizadas. Isto é um avanço significativo na viticultura”, realça Eduardo Rosa, vice-reitor de investigação da UTAD.

Neste momento temos muita falta de mão-de-obra na agricultura e existem operações que podem ser robotizadas. Isto é um avanço significativo na viticultura.

Eduardo Rosa

Vice-reitor de investigação da UTAD

O Robô Modular-E está a ser desenvolvido pelo INESC TEC, mas o módulo de fertilização de precisão pertence à Herculano. Filipe Neves Dos Santos, coordenador da TEC4AGROFOOD initiative – INESC Technology and Science, explica ao ECO que o “robô é composto por vários módulos, não tendo sido todos desenvolvidos no âmbito da agenda” mobilizadora do PRR.

Já o drone multirotor pulverizador, que está a ser desenvolvido pela UAVision, pretende substituir os tratores das vinhas e fazer a pulverização. “Ao longo do ciclo fazemos cinco, seis, sete tratamentos por ano. Cada vez que entramos na vinha e levamos um trator com pulverizador e uma carga de 500 litros, estamos a destruir a qualidade do solo e a consumir energia“, nota o representante da UTAD. Um equipamento que pode fazer pulverização em vinhas de grandes dimensões, mas também para os pequenos agricultores. Representa um investimento de 1,5 milhões de euros e o protótipo deve estar concluído no final do ano.

Paralelamente, Eduardo Rosa destacou uma plataforma que está a ser desenvolvida com o objetivo de apoiar a gestão de operações vitivinícolas, num esforço de um milhão de euros. A plataforma de serviços Vine&Wine vai agregar a informação da vinha e do vinho e disponibilizar dados que vão desde as previsões climáticas até aos tratamentos. “A ideia passa por reunir um serviço que seja acessível a todos os agricultores”, afirma.

Tratamento de barricas com pedras vulcânicas

Fundada no inicio do século por Abílio Gonçalves, a Tonnellerie J M Gonçalves começou por fabricar barricas para os produtores de vinho da região de Trás-os-Montes. Hoje fatura sete milhões de euros, emprega 52 pessoas e exporta entre 85% a 90% da produção, essencialmente para os EUA, Espanha e França. Da fábrica de Palaçoulo, em Miranda do Douro, saem anualmente cerca de 13 mil barricas para vinho e destilados. O preço de uma barrica de 225 litros pode variar entre 475 e 1.000 euros, dependendo da origem geográfica e botânica do carvalho e do grão da madeira.

Na Enotécnica, a Tonnellerie J M Gonçalves apresentou uma técnica “pioneira” que recorre a pedras vulcânicas para fazer o tratamento térmico das barricas. O neto do fundador, Sérgio Gonçalves, conta ao ECO que o Onyx System surgiu inspirado nas saunas – usar pedras como forma de temperatura. “A grande inovação em termos de barrica é o uso da pedra vulcânica como forma de tostar a madeira. É um núcleo que introduzimos pedras vulcânicas dentro de uma câmara térmica que vai aquecer as pedras e que, depois de quentes, vão tostar a madeira, sem recurso a fogo. Com esta técnica conseguimos o máximo de respeito pelos aromas dos vinhos”, explica o gerente Sérgio Gonçalves.

O sistema de tratamento térmico mais clássico é com recurso ao fogo, sendo que 80% da produção da Tonnellerie J M Gonçalves é feita com esta técnica ancestral. A tanoaria utiliza maioritariamente carvalho francês e a madeira fica a secar no mínimo de dois anos. “Deve passar pela madeira dois verões e dois invernos para que ela tenha valor enológico, mas temos lotes a secar 36 a 48 meses, que são os lotes especiais”, diz Sérgio Gonçalves que pertence à terceira geração, juntamente com os cinco irmãos.

O gerente Sérgio Gonçalves pertence à terceira geração da Tonnellerie J M GonçalvesFátima Castro/ECO

O “Vinted” das barricas

Fundada por Henri Baron em 1875, a francesa Tonnellerie Baron, sediada em Cognac e presente em Portugal desde 2010, apresentou na feira a Reoaked, uma plataforma digital que permite a compra e venda de barricas usadas em todo o mundo. “Avaliamos a qualidade da barrica e uma pessoa do outro lado do mundo que queira comprar tem deste lado alguém que garante que a está boa. Servimos de mediador entre o vendedor e o comprador”, detalha Luís Dias, responsável comercial em Portugal da Tonnellerie Baron.

O anonimato está garantido. O vendedor é que define o preço de venda e só quando a barrica usada chega ao comprador é que é disponibilizado o dinheiro ao vendedor. Um sistema muito semelhante ao popular Vinted.

Paralelamente, apresentou uma espécie de suporte para as barricas. Com este sistema patenteado, os enólogos podem aceder a cada barrica da pilha de forma independente, sendo possível abrir, enxaguar com água quente, encher, rodar e remover cada barril da pilha sem tocar nos barris vizinhos. O OXOline é um sistema modular que permite a montagem e configuração de acordo com as necessidades do espaço e processo de trabalho de cada adega.

“Apresentamos nesta feira o monobloco, mas também temos em parede, ou seja conseguimos construir modelarmente um edifício todo, que permite ser transportado num porta paletes ou empilhador em todo o lado na adega”, detalha Luís Dias, responsável comercial da Tonnellerie Baron em Portugal.

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