Fábricas portuguesas perdem dez milhões de pares de sapatos. “A boa notícia é que 2023 já passou”
Valor das exportações do calçado "made in Portugal" caiu 8,2% no ano passado. “Insuficiência de encomendas do estrangeiro” continua a ser a maior preocupação dos empresários no arranque de 2024.
A indústria portuguesa vendeu menos dez milhões de pares de calçado no estrangeiro durante o ano passado. Esta redução das quantidades exportadas (-11,3%, para um total de 66 milhões de pares) foi superior à perda de 8% em valor face a 2022, em que o disparo nos preços tinha contribuído para um novo máximo histórico neste setor.
Em 2023, o preço médio de venda nos mercados internacionais ascendeu a 27,70 euros (+3,45%), continuando a ser o segundo mais caro do mundo. Um aumento que, reconhece ao ECO o porta-voz da associação do setor (APICCAPS), Paulo Gonçalves, é “insuficiente face ao impacto da atualização do salário mínimo nacional e mesmo do aumento das matérias-primas”, o que obriga a “acelerar a migração dos produtos para segmentos de maior valor acrescentado”.
Afetada pela diminuição das encomendas por parte dos clientes na Alemanha (-5,6%), nos Países Baixos (-13,7%), no Reino Unido (-9%), nos Estados Unidos (-11,3%) ou na Dinamarca (-28,5%), tal como aconteceu noutros setores tradicionais, como o têxtil e o vestuário, a atividade exportadora das fábricas portuguesas de calçado – vendem mais de 90% da produção para 173 países nos cinco continentes – foi igualmente condicionada pela “pouca procura [externa] e pelo excesso de stocks no mercado”.
Incluindo as componentes e os artigos de pele, a fileira do calçado é composta por 1.500 empresas, responsáveis por cerca de 40 mil postos de trabalho. E “[está] aqui para durar, independentemente dos ciclos conjunturais”, vaticina o diretor de comunicação da APICCAPS. “A boa notícia é que o ano de 2023 já passou. Temos a expectativa de que a recuperação económica de alguns dos nossos principais mercados crie oportunidades para as empresas portuguesas já este ano”, sustenta, sem arriscar previsões.
Na primeira metade do ano passado, os inquéritos aos empresários mostravam que, para mais de metade, a pressão relativamente ao preço do abastecimento das matérias-primas era a maior preocupação. No topo da lista está agora a “insuficiência de encomendas do estrangeiro”, antevendo que a tendência não se altere, pelo menos, até ao final do primeiro trimestre. “Desde logo, porque os mercados ainda estão conservadores e anémicos ao nível do consumo. Depois, [porque] o setor retalhista ainda não escoou grande parte dos stocks acumulados nos últimos anos”, justifica Gonçalves.
Após um ano em que os cinco maiores produtores de calçado recuaram a dois dígitos – China, Índia, Vietname, Indonésia e Brasil asseguram 80% da produção mundial –, os sinais de esperança assentam nas estimativas de que o consumo mundial deverá aumentar 9,2% em 2024. No entanto, o resultado deste inquérito a mais de uma centena de especialistas do setor (World Footwear Survey) sugere, por via de uma menor dinâmica económica e demográfica, uma retoma mais modesta nos dois mercados de referência para a indústria portuguesa: América do Norte (5,3%) e Europa (1,4%).
Para conquistar novos clientes, aumentar as exportações, testar novos produtos e abordar novos mercados, a APICCAPS desenhou para este ano uma “ofensiva promocional” com 53 iniciativas no estrangeiro (vs. 38 em 2023). O primeiro grande teste ao mercado será concretizado na próxima semana em Milão. Uma comitiva composta por 70 empresas viaja até Itália para participar naquela que é a mais importante feira profissional do setor (MICAM) e também na Lineapelle (componentes para calçado e curtumes) e na Mipel (artigos de papel), que na edição passada receberam mais de 42 mil visitantes profissionais oriundos de 129 países.
“Este será um ano importante para a nossa atividade. (…) O nosso setor exporta mais de 90% da sua produção e depois de um 2023 muito difícil para toda a fileira da moda à escala internacional, temos a expectativa de que este seja um ano de afirmação do calçado português nos mercados externos”, sublinha Luís Onofre, presidente da APICCAPS. O empresário nortenho acaba de tomar posse para um terceiro mandato e tem como missão pôr em marcha os investimentos previstos no plano estratégico até ao final da década, avaliados em 600 milhões de euros, que abrangem áreas como automação, digitalização, sustentabilidade, internacionalização e qualificação dos trabalhadores.
Um dos principais argumentos competitivos da indústria reside no facto de existir, num raio de 50 quilómetros da cidade do Porto, uma oferta variada de todo o tipo de componentes e de serviços à disposição das empresas de calçado.
No último ano, enquanto as exportações de calçado encolheram 8,2%, as vendas no exterior de artigos de pele e marroquinaria cresceram 14%, para 310 milhões de euros, e nos componentes aumentaram 13,6%, para 73 milhões de euros. Valores e competências que estão a levar a associação a reforçar lógica de fileira e a encarar estes dois segmentos como “estratégicos” na afirmação da indústria nacional de calçado. Depois de iniciativas para a promoção dos artigos de pele e de uma ação orientada para o calçado de criança, prepara-se para lançar uma nova campanha com o slogan “Portuguese Shoes Cluster”.
Paulo Ribeiro, vice-presidente da APICCAPS, sustenta que “um dos principais argumentos competitivos da indústria reside precisamente no facto de existir, num raio de 50 quilómetros da cidade do Porto, uma oferta variada de todo o tipo de componentes e de serviços à disposição das empresas de calçado”. E numa altura em que “tanto se fala de produção de proximidade”, completa o dono da Atlanta, que expandiu a fábrica de solas de borracha na Lixa, a indústria portuguesa é “uma das mais qualificadas do mundo, que se soube reinventar, evoluir técnica e tecnologicamente, e por isso está no radar das grandes marcas internacionais da especialidade”.
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