A poucas semanas das eleições, a presidente da ERSAR aponta a "vontade" e as "pessoas" como chave para tomada de decisões importantes para o setor.
A presidente da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) não está confiante de que o próximo ciclo político legislativo — que será decidido com as eleições, a 10 de março — traga novas oportunidades para o setor da água, embora defenda que a sua gestão deva estar “mais centralizada”. “O tema não depende de um ciclo. Depende de pessoas“, frisa Vera Eiró, em entrevista ao ECO/Capital Verde.
A responsável, que entrou em funções em 2021, faz um balanço “muito positivo” do seu mandato, e das cerca de 90 pessoas que compõem a equipa da ERSAR, realçando, no entanto, que ainda há muito trabalho a fazer, nomeadamente ao nível da gestão de resíduos, que também está sob a sua alçada.
Para este ano, as prioridades do regulador assentam sobre quatro pilares, sendo um deles, focado nos consumidores: Neste âmbito, revela Vera Eiró, os consumidores irão beneficiar da aprovação de um novo regulamento que permitirá estarem “mais apurados dos seus direitos e deveres”. “Este regulamento vai ser essencial para tornar muito claro que não há consumidores de primeira nem de segunda“, explica a reguladora.
Entramos na fase de campanha das eleições legislativas e o papel da água e da seca têm sido pouco discutidos nos debates. Receia que o tema não venha a ter o destaque que precisa nesta altura, que é tão decisiva para o futuro do país?
O que me preocupa não é tanto se há destaque ou não. O que me preocupa é a possibilidade de haver uma série de decisões que têm mesmo de ser tomadas e que implicam entendimentos políticos. É absolutamente crítico conseguirmos, do ponto de vista de governança pública, que todas as entidades públicas que têm capacidade decisória sobre a água consigam alinhar-se e fazer aquilo que tem que ser feito. O grande desafio é conseguir que municípios que partilham bacias hidrográficas entre si se alinhem quanto à prioridade que é necessário dar à gestão da água, independentemente dos usos que dela sejam feitos.
É preciso um nível de entendimento entre os municípios, empresas do setor empresarial do Estado, e entre as diferentes áreas setoriais do Governo que assentam nos usos da água. A água está dividida e se calhar devia estar mais centralizada numa só cabeça. É importante conseguirmos olhar para a utilização da água como um todo.
Da mesma maneira que existe uma secretaria de Estado da Mobilidade, da Energia e do Ambiente, faria sentido haver uma dedicada somente à água?
Acharia importante que houvesse uma entidade, dentro ou fora do ministério, que centralizasse a água, porque realmente os usos são muito diversos e vai ser necessário medi-los a todos. Não seria pior haver um pensamento e uma concretização da gestão [deste recurso] mais assente na água, do que propriamente na atividade que utiliza a água.
E este novo ciclo eleitoral poderá trazer alguma oportunidade para a ERSAR ou mesmo para o setor da água?
A oportunidade está lá. Não é uma questão propriamente de ciclo político. É, apenas que haja alguém, independentemente do ciclo político, que dê prioridade a este tema e que esteja disposto a criar consensos. Já me habituei a perceber que a água fica muito fragilizada em alturas de eleições autárquicas e, portanto, é respirar fundo e esperar que não sejam tomadas más decisões. O tema não depende de um ciclo. Depende de pessoas, de capacidade decisória e de vontade.
Estamos em fevereiro, mas temos um longo ano pela frente. Quais são as prioridades da ERSAR para este ano?
Estruturámos as nossas prioridades em torno de quatro grandes pilares: consumidores, sustentabilidade dos serviços, proteção do ambiente e a ERSAR. Só conseguimos fazer tudo aquilo que queremos quando o fazemos em equipa. Temos 90 pessoas de diversas formações — engenheiros, economistas, juristas, matemáticos, bioquímicos — a trabalhar em conjunto.
Neste momento, as nossas prioridades assentam, por exemplo, na aprovação do Regulamento da Qualidade de Serviço para Proteção do Consumidor, um regulamento com eficácia externa para que o consumidor esteja mais apurado dos seus direitos e deveres. A mensagem que queremos passar é que não há consumidores de primeira nem consumidores de segunda em Portugal. As tarifas são diferentes, mas isso não significa que tenham acesso a um serviço diferente. Este regulamento da qualidade de serviço vai ser essencial para dar esta transversalidade e tornar [esta mensagem] muito clara.
Vamos continuar a desenvolver o nosso trabalho para que os municípios possam aprovar tarifários sociais e garantir que os municípios fazem o necessário para garantir a cobertura de gastos e, portanto, impondo, no fundo, também trajetórias tarifárias que sejam que sejam adequadas.
Há um foco muito grande na área dos resíduos. É um tema absolutamente crítico, mas muito pouco falado. Há a necessidade de garantir a recolha seletiva dos biorresíduos, desde 1 de janeiro, e isso vai ser algo que nos vai ocupar muito durante este ano de 2024.
Vamos continuar as formações de diversa índole, seja no novo regime da qualidade da água para consumo humano, até como é que se reportam dados à ERSAR. Isto é um importante num setor cuja evolução depende muito dos dados e do conhecimento.
Em março, fazemos dez anos de regulação independente. Temos problemas, dificuldades, desafios. Mas há uma capacidade técnica muito grande em Portugal, seja do ponto de vista de engenharia ou do ponto de vista económico, para fazer esta gestão e portanto temos cá tudo.
A água está dividida e se calhar devia estar mais centralizada numa só cabeça. Acharia importante que houvesse uma entidade, dentro ou fora do ministério, que centralizasse a água, porque os usos são muito diversos e vai ser necessário medi-los a todos.
O seu mandato na presidência do Conselho de Administração da ERSAR vai a meio, com vista a terminar em 2027. Que balanço é que faz do trabalho que tem vindo executar até agora?
O mandato de membro do Conselho de Administração da ERSAR é por seis anos, não renovável e não extensível. O que costumo dizer à equipa é: se há uma certeza, é que daqui a quatro anos eu não vou estar aqui. Isso é algo que nos ajuda a ter uma vontade grande de correr, de fazer coisas.
O balanço que eu faço é muito positivo. Há sempre queixas dos regulados, de impugnar as decisões da ERSAR em tribunal. E temos contencioso, o que é bom. Quando a entidade reguladora agrada a todos alguma coisa não está bem.
A regulação, em geral, é do ponto de vista técnico e jurídico difícil e exigente. De tudo, o que eu acho melhor são os setores que regulamos: a água e os resíduos. Sei que falam muito da descarbonização, e que a energia é absolutamente crítica também. Mas eu tenho para mim que estes são os setores de futuro e, portanto, ter a oportunidade de ajudar Portugal a desenvolver estes serviços é uma oportunidade única. Portanto, faço um balanço muito bom e muito positivo. Oxalá esteja à altura.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Regulador defende gestão da água centralizada numa entidade
{{ noCommentsLabel }}